quarta-feira, 30 de agosto de 2006

3 – O que fazer?

Talvez seis meses parado não pareça significar nada para quem nunca ficou assim, correndo atrás de um único objetivo, e pior, um objetivo besta, simples e que 80% da conclusão não está em suas mãos, não te resta nenhuma outra opção a não ser esperar, simplesmente a maior parte do seu tempo você gasta pensando no que fazer quando todos os papéis ficarem prontos ou então se angustiando com o tempo que vai passando e nenhum retorno. E tudo isso proporcional ao tempo que vai passando, no começo do processo é aquela empolgação, a ansiedade não incomoda, é uma ansiedade de curiosidade que você está a mil para viver aquela experiência, a gente quer contar para todo mundo. Contar para todo mundo! Que burrada, se a gente pudesse prever o futuro, mas pelo menos a gente pode aprender para futuras aventuras, quando passa essa fase da novidade e você começa a se dar conta da demora tudo muda de repente, as pessoas parecem querer te dar indiretas, você fica sensível a qualquer movimento brusco, mas uma coisa eu consegui aproveitar bem, a opinião dos outros, era comum as dúvidas que me indagavam. – Como você vai fazer sem saber italiano? – Ou então – Mas quem você conhece lá para te ajudar? – Ou ainda – Onde você vai ficar? Em hotel? As coisas lá são tudo muito mais caro que aqui. – Claro, essas eram as perguntas mais óbvias, mas que no calor das preocupações com o tempo passando aliado à ansiedade não se tem muita cabeça para pensar a fundo nessas questões, ainda mais eu que sempre ajo com o coração para executar minhas idéias. Eu aproveitava para responder para a pessoa, mas principalmente respondia para mim mesmo, era o momento que eu tinha para refletir, o problema é que as pessoas sempre pensam mais ou menos iguais e o resultado era que eu sempre estava respondendo as mesmas perguntas, uma vez ou outra surgia uma questão mais original. Bem, fica a dica, se você acha que vai ter estômago para escutar a mesma coisa sempre que for conversar com as pessoas, então espalhe os seus planos para quem quiser ouvir, a vantagem é que de vez em quando pode surgir algum ponto interessante só precisando de uma lapidada para te servir. Ah sim, é preciso estar preparado para entender o que as pessoas querem dizer com aquilo. Tem outro problema de se espalhar seus planos para os outros, que particularmente a mim não diz respeito, mas sei que em muitos casos faz diferença, é que à medida que as coisas parecem dar errado, muitos podem achar que são as pessoas estão gorando você, algum invejoso que torce contra e está conseguindo te atingir. A única coisa que não me deixou desistir foi encarar os outros e dizer que eu tinha desistido, isso me perturbava.

O principal gargalo dessa demora foi minha regularização com o serviço militar italiano, o consulado me deu um prazo para eu voltar lá e ter a resposta, acabei voltando quase um mês antes do prazo que eles me deram, mas como existiam outras etapas que estavam parados em função dessa resposta eu não pude partir de imediato, aí sim eu traduzi meus documentos da escola para o italiano. Teve um outro gargalo, que me atrasou muito, em relação ao CREA, o consulado exigia uma declaração deles alegando que não existia nenhuma pendência comigo que me impedisse eu de exercer minha profissão aqui no Brasil, só que esse conselho, que existe para ajudar o engenheiro não tinham a capacidade de expedir o tal documento, começou em Avaré, fiz o pedido no CREA de lá e graças à famosa burocracia eu tive que esperar um tempão para vir uma certidão de Bauru e me custou caro, pois tudo o que se pede no CREA é cobrado, no final a certidão não servia, fui a Bauru para resolver pessoalmente, não adiantou, só parcialmente, veio várias certidões de várias coisas mas a tal declaração não veio, no final acabei parando em São Paulo no quartel general do CREA e mesmo assim eu não conseguia a declaração, pois não fazia parte dos modelos que eles tinham para vender. Foi um episódio à parte, mas de tanto protestar e brigar acabei conseguindo um maldito papel timbrado com a assinatura de qualquer um lá de dentro afirmando que não existia nada que me impedisse de exercer minha profissão no Brasil. O cara que acabou assinando o papel era um estagiário! Foi bem ilustrativo para mim essa experiência sobre a burrice institucional, foi o caso exemplar que o que estava valendo para os pobres italianos era o reconhecimento da firma da firma do tabelião de notas que eles consideram confiável, ou seja, se eu tivesse feito no computador uma declaração com o símbolo do CREA no topo e eu mesmo tivesse assinado a declaração com o meu nome e tivesse reconhecido minha firma no cartório de Avaré e depois reconhecido a firma do tabelião de notas de Avaré num dos cartórios credenciados pelo consulado italiano e levado tal declaração para os pobres italianos eu teria poupado um monte de tempo com o mesmo efeito! Que pena que eu não posso voltar no tempo.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

2 - Burrocracia italiana.

Pois é, nunca tente conseguir algum tipo de informação realmente útil por telefone ((11) 3663-7800) ou e-mail (studio.conspao@embitalia.org.br) do consulado italiano de São Paulo, o telefone sempre vai estar ocupado e por e-mail eles se limitam a dizer que toda informação está no site (www.italconsul.org.br) e mesmo assim a resposta vem depois de no mínimo uma semana, nem indicar em que parte do site está a tal informação eles dizem. Se você achar isso um pouco grosseiro então não vá ao consulado na avenida Higienópolis, número 436 na capital, aquele povo trabalha todo mal humorado, cara fechada, parecem que estão fazendo um favor pesado pela gente, um fardo que estão carregando, não espere nenhuma colaboração da parte deles. Eu sempre assisti aos filmes italianos onde sempre havia festa e a italianada feliz, nas novelas os italianos sempre foram os mais carismáticos e de repente tudo parece não fazer sentido, pôxa, o Brasil deveria amplificar essas características nos italianos e não o oposto, concluí que deveria ser o fato de eles estarem longe de seu país, atendendo um monte de oportunistas de país subdesenvolvido como eu que queriam se valer de um benefício para sugar os recursos da Itália, tirar emprego deles, some-se a isso aquela vida louca de São Paulo, congestionamento, costumes do terceiro mundo, um grande contraste com a realidade do país deles. Todos esses motivos estavam contribuindo para aquele comportamento “incompatível” deles. Bem, na época, foi nessa conclusão que eu havia chegado, comigo pelo menos acontece isso, eu sempre tento amenizar as circunstâncias para não ter perigo de desistir fácil dos meus objetivos, é um mecanismo de defesa que desenvolvi, eu uso o pressuposto que mais me convém no momento, acredito que seja natural para todos.

Quanto ao trâmite de minha regularização na Itália foi um episódio à parte, levei quase seis meses para poder partir. Primeiro eu estava em débito com o serviço militar italiano, mas antes disso eu tive que tirar um RG novo e a burocracia brasileira contribuiu bastante, só o meu novo RG levou um mês para ficar pronto, depois tive que correr com a tradução de todos meus documentos, certidões meu e de meu filho, o da minha esposa não dava para fazer nada. E reconhece firma da firma. Eu tinha a esperança de exercer minha profissão lá fora e por isso traduzi meu diploma e histórico escolar também. Tive que tirar passaporte brasileiro para todos em casa, só o passaporte italiano meu e de meu filho que nunca vinha, sempre faltava alguma coisinha ou tinha que esperar resposta de algum lugar para continuar o trâmite. Para São Paulo eu fui umas oito vezes. Na época nós estávamos estacionado em nossa cidade natal, Avaré, que fica há uns 300 km da capital. Nós desmontamos nossa casa em Dracena e acomodamos tudo em um cômodo na casa de minha sogra, um quartinho que fica fora da casa, estava desativado e eu arrumei a porta e janela para poder guardar nossas coisas com alguma segurança. Foram uns dos seis meses mais longos de minha vida, cada vez que ia para São Paulo eu pensava que era a última vez, e só despesa, não estava trabalhando, pois infelizmente minha cidade não dá oportunidade para um engenheiro eletrônico e também não procurava trabalho porque sempre estava achando que iria partir na próxima semana. Burrocracia italiana mais burrocracia brasileira é igual a seis meses de ociosidade! Meu Deus do céu, ninguém merece!

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

1 - Como tudo começou



São Carlos, 26 de agosto de 2006.
A vida é mesmo uma aventura, por isso todos temos algo a contar, alguma experiência que julgamos ser única, ainda mais quando levamos em consideração o nosso ponto de vista naquele episódio, porque cada um de nós possui uma percepção da vida que diferencia do nosso próximo, mesmo aquelas pessoas que têm muita coisa em comum, sempre existe aquele ponto de divergência que pode fazer muita diferença na hora de relatar a mesma experiência vivida. Agora mesmo estou discutindo com a minha esposa sobre modelos que o nosso cérebro constrói sobre o mundo real e a percepção que possuímos sobre a realidade por intermédio desses modelos.

O.k., dito isso vou tentar relatar aqui sobre uma de minhas inúmeras aventuras que já tive nessa vida e essa minha aventura além de conter minhas observações peculiares sobre a realidade que presenciei ao longo dela traz também países, culturas, idiomas e histórias vivenciadas e contadas por terceiros. Ela se passou no ano passado na Europa, e a decisão de ir para lá veio depois que terminei o projeto de uma balança eletrônica para pesar bois na firma onde trabalhava em Dracena, inicialmente eu tinha decidido voltar a estudar e fazer mestrado, mas como sempre gostei de planos alternativos caso um falhasse eu propus para minha família que se não desse certo o mestrado nós iríamos para a Itália, eu iria na frente e depois que me arrumasse lá a minha esposa e meu filho iriam em seguida. A doida da minha mulher topou na hora e ficamos combinados assim.

Dei entrada com minha matrícula na escola onde havia me graduado em São Carlos e deixei acertado com meu antigo orientador do tempo da graduação a minha volta, ele disse que iria me encaixar num projeto temático sobre TV Digital e desse jeito eu teria garantido uma renda para custear meu mestrado, por via das dúvidas me inscrevi para pleitear uma bolsa institucional do Departamento de Engenharia Elétrica financiada pela CAPES seguindo minhas diretrizes de sempre ter um plano alternativo garantindo assim uma fonte de financiamento. Tudo parecia caminhar para eu fazer meu mestrado, afinal estive com meu orientador, seu nome é Valentin, na graduação durante 3 anos e muito do que sei sobre eletrônica devo a ele, por isso estava dando essa bolsa do projeto temático como certo já, mas a conversa do plano alternativo de ir para a Itália sempre vinha à tona, com minha esposa e amigos, e empolgava também, tanto que às vezes eu até torcia para as bolsas não saírem, acho que torci com tanta força que no final elas não saíram mesmo! De repente, quando voltei para conversar com o Valentin ele me disse que não ia me colocar no projeto temático, falou que ia colocar um aluno de mestrado que já tinha começado com ele, nem me lembro mais o nome do aluno. Aquilo me abalou um pouco, mas ainda restava a bolsa institucional, esperei, mas já bem desanimado, afinal a idéia de ir para a Itália começou a ficar mais atraente ainda. Esperei o resultado do departamento e não consegui também, nem na lista de espera o meu nome constava, enfim não consegui nenhuma bolsa. Naquela altura foi um alívio para mim, eu já tinha começado a pesquisar sobre minha ida à Itália mesmo.

Meu pai havia regularizado seus papéis para tirar cidadania italiana, lembro que ele levou bastante tempo, vários anos, meu irmão e minha irmã já haviam regularizado seus papéis italianos para irem trabalhar na Europa, em Londres, só eu que não tinha feito nada ainda. Regularizei tudo, até para o meu filho eu tirei passaporte italiano e brasileiro, também regularizei meus documentos da graduação, traduzi meu histórico escolar e diploma e registrei no consulado italiano de São Paulo para poder exercer minha profissão na Itália, deu um trabalhão. Dá para perceber tantas coisas familiares quando a gente se mete nessas encrencas, deu para perceber, por exemplo, o quão parecido é a burocracia italiana comparada com a brasileira, eu acho que herdamos a “burrocracia” dos italianos, talvez a gente tenha aperfeiçoado um pouco, e não estou sendo irônico, só para ilustrar o que estou tentando dizer, foi comum eu ter que reconhecer firma do tabelião de notas do cartório que reconheci as firma de minhas certidões de casamento, nascimento, histórico escolar, etc.