sábado, 16 de dezembro de 2006

FELIZ NATAL E UM PRÓSPERO ANO NOVO

Devido a alguns problemas técnicos e à proximidade do final do ano estivemos e vamos estar fora do ar por um tempo até o dia 08 de janeiro de 2007, quando voltaremos a todo vapor.
Por favor, me desculpem pela falta.
 
Fabriciu.

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

79 – Dias negros!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Em meus dias na Europa passei por quase toda sorte de sentimentos que afligem a alma humana, não vou citá-las porque são exatamente as que estão vindo na sua cabeça nesse momento. Sim! Exatamente essas... Bem... Pelo menos uma eu me recordo de não ter provado, aquela que é comum em minha área de atuação, num nível mais amplo da categoria da qual pertenço, mais do que a engenharia, a de pesquisador. Ela atende pelo nome de stress. Que lacuna eu deixei. Não tive a oportunidade de provar em um país estrangeiro o esgotamento mental, não perdi a paciência por causa de um motivo banal, não senti vontade de descarregar minhas frustrações em ninguém, não perdi noite de sono, não passei por um único dia privado do sentimento de alívio, minha cabeça não ficava pesada o dia todo. Não vou dizer que eu não tentei ficar assim, só que não consegui.

sábado, 2 de dezembro de 2006

78 – Espertalhões.

Com o sangue quente fica mais fácil caminhar, quando se dá conta já chegou! Toquei o interfone, esperei um pouco e nada. Tentei mais algumas vezes à toa. – Perdi a viajem! Que azar! Caminhada bate e volta não vale, vou sentar aqui em frente ao ponto de ônibus e dar um tempo para ver se alguém aparece. Talvez eles possam estar na casa do parente deles aqui perto. – Resolvi esperar até dar a hora do almoço lá no seminário, faltavam poucos minutos e o refeitório não era muito longe dali, ficava em um terço do caminho da via Quarenghi até onde me encontrava naquele momento.

O chato de se esperar é que qualquer movimento mais brusco me forçava desviar a atenção para ver se era alguém que eu estava esperando atrapalhando na minha leitura da apostila de italiano. Estava na metade dela e já tinha aprendido várias palavras. O tempo passou e nada, só para desencargo de consciência toquei o interfone mais uma vez antes de ir almoçar. Nada. Com sorte depois do almoço eu poderia encontrar alguém.

Parece que no sábado vem mais gente. Mesmo chegando mais cedo a fila já estava grande. É duro ali, além dos horários serem fora de hora o espaço era pequeno demais para a demanda então eles atendiam por etapa, entravam as pessoas, almoçavam e depois entrava a próxima turma. Além disso, boa parte da comida acabava cedo e os últimos ficavam sem muitas coisas que tinha no começo, pelo menos ninguém deixava de comer. Naquela época eu não tinha o pensamento tão crítico assim, só de poder contar com aquela ajuda sem nenhuma contrapartida em troca eu pensava que seria chorar de barriga cheia. O negócio não é bem assim.

Naquela fila existiam os espertalhões "a la Brazil", quando a gente chega tem relativamente poucos, só que à medida que nos aproximamos da porta vão aparecendo pessoas de todos os lados ocupando as vagas supostamente guardadas pelos companheiros, os russos eram especialistas nessa modalidade, começou com duas senhoras, loiras, que estavam quatro pessoas à minha frente, essas quatro eram comadres bolivianas, indígenas. Todas ali distraidamente conversando, então eu percebo que vão se aproximando um casal jovem, de loiros, e se juntam às duas conversando, as quatro não se dão conta. Dali a pouco mais duas russas, mais velhas e igualmente loiras, que estavam sentadas na mureta ali em frente desde que cheguei, se levantaram e se juntaram às quatro pessoas formando assim um grupo de, como diria um ator conhecido, "loiros dinamarqueses". E as comadres baixinhas e indígenas nada, só ali proseando. Quando a porta se abre para a próxima rodada as quatro param a conversa e se dão conta que algo não está normal, só que elas não sabem explicar exatamente qual era o problema, só ficam desconfiadas. O espaço ocupado pelos seis fica apertado então eles vão aos poucos se aproximando para trás e as empurrando pela aproximação, até que elas instintivamente se rebelam contra essa pressão invisível e se irritam, fecham a cara, cruzam os braços e xingam os russos. Aí os russos com muita naturalidade e um sorriso de deixa disso comentam alguma coisa em seu idioma entre eles e tentam acalmar as bolivianas e logo em seguida as esquece de novo fazendo de conta que nada aconteceu. Aquilo que era jogo de cintura! Depois desse evento que encontrei Marcos e o chamei.

Atrás de nós tinham dois homens, quando descobri que eram italianos me pus a bolar uma estratégia de abordagem. Os dois estavam dentro de uma daquelas crises existenciais que fatalmente todo ser humano passa, a diferença está na intensidade, no caso de pelo menos um deles foi na daquelas mais intensas. Ambos estavam sós, sem casa e abandonados à própria sorte, dormiam na rua. Sim, existem europeus nessa situação degradante também, só que até nisso o caso deles é com mais dignidade. O mais novo, Guido, era um rapaz por volta dos 27 anos, boa aparência, cabelo rapado, esbelto, rosto judiado com algumas cicatrizes no estilo Holiwoodiana. Era recém saído de uma clínica de recuperação para dependentes de drogas, ele nos relatou suas experiências, sua esposa não quer mais saber dele, não pode se aproximar dos filhos, eram dois, estava sem emprego, mas tinha uma profissão, entendia de torno. Naquele país o ofício de torneiro é emprego praticamente garantido, o problema dele é que parecia um desajustado mesmo, conversando dava para sentir um conflito em sua personalidade, demonstrava princípios ao mesmo tempo que se fosse provocado não dava para garantir nenhum controle de sua parte. O outro era mais velho, barbudo e não possuía um problema aparente. Parecia que estava naquela vida por opção, era otimista, às vezes trabalhava, gostava de rodar por aí, eu acho que ele não gostava muito de se submeter às regras. Ficamos nós quatro conversando por um bom tempo na fila, paramos bem de frente da porta, justamente na nossa vez barraram a entrada no refeitório, por isso tivemos bastante tempo para conversarmos até finalmente voltarem a chamar para almoçar.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

77 – Dito e feito!


Conforme o previsto a tal da garota entrava e saia do quarto tropicando em tudo, fazendo o maior barulho, nas altas horas da madrugada. Começou a fazer ligações pelo celular e dar risada alta. Comecei a me dar conta que um dos alvos era eu também! Não tinha outra explicação. A minha sorte era que eu tenho um sono pesado, eu despertava rapidamente e já voltava a dormir, não deixava de ser incomodo, mas poderia ser pior. No outro dia estava irritado com essas sucessivas falta de respeito, despertei tarde e quando desci estava Marcos lá escutando música no seu radinho à pilha, ele sempre ficava com seu aparelho nos cantos, vivia sintonizado no AM, nunca consegui distinguir uma única palavra no seu rádio, não dava para saber em qual idioma era. Se nas rádios AMs do Brasil eu já tinha a maior dificuldade de entender o locutor o que dirá na de outros países. Ele estava concentrado, olhando para o infinito e o dedo indicador em cima do botão de sintonia girando para lá e para cá. Mania de engenheiro é terrível, assim que vi aquela cena comecei a pensar na hipótese de haver alguma ligação entre o comprimento de onda da freqüência portadora da rádio e o período com que Marcos alternava o sentido do sintonizador, ele parecia descrever uma onda senoidal de freqüência fixa travada. Às vezes é difícil evitar certas elucubrações, duvido que a suspeita fosse procedente, é assim mesmo... Deixa pra lá.

Sentei-me no sofá próximo a ele sem dizer uma palavra, eu tinha que colocar em ordem quais eram as minhas inúmeras opções para o dia. – Me deixa ver... Ah! Sim. Eu posso ir à casa de Elizabeth. Como não pensei nisso antes? – Antes de criar coragem e encarar a rua para uma caminhada incerta eis que começa a descer as escadas ela, Mercedes, com suas bengalas encantadas. Cara de ressaca colocava a mão na cabeça e resmungava algumas coisas.
– Nossa! Que carinha de dor. Não conseguiu dormir direito? – Comecei falando em tom sarcástico.
– Minha cabeça dói!
– Pobrezinha! Quem manda beber. Você nunca vai aprender? Toda vez é a mesma história, depois fica aí se lamentando. Por que você não para com isso?
– Acontece Fabriciu que isso é problema meu. Você não tem nada que ver com isso.
– É aí que você se engana. A partir do momento que você está invadindo meu espaço com todo aquele barulho me atrapalhando o sono tem tudo a ver comigo sim. Não me preocupo em você acabar com sua vida, mas vá acabar longe de mim, não agüento mais quase todas as noites você ficar fazendo toda aquela bagunça. – Aí comecei a imitar o jeito de ela dar risada, suas frases repetitivas, a avacalhar mesmo com tudo.
– Você está louco? O que passa contigo?
– Você é que não percebe o quanto é patética garota. Nem criança faz essas idiotices que você faz. Você não tem o direito de fazer o que bem entender à custa do nosso descanso. Como não faz nada o dia todo, fica aí vadiando pela casa pode se dar ao luxo de dormir o dia todo para a noite encher o saco. – O divertido mesmo era ficar imitando ela. Acho que ela jamais esperava uma reação daquela vinda de mim, quase que não conseguia reagir pela surpresa que arrumei. – Vê? Eu nem preciso beber para dar risada da sua cara. Hahahahaha!
– Me deixa em paz! Não amola!
E saiu de volta para cima. É bom botar as frustrações para fora, a gente se sente mais leve depois, para mim era como se estivesse tirando um elefante de cima. Respirei fundo com um alívio sentido poucas vezes. Acho que a droga proporciona esse tipo de sensação, a vítima fica encantada com o efeito, só que as conseqüências são cruéis mais tarde, a gente entra num ciclo vicioso que se auto-alimenta da raiva e do rancor e cada vez quer mais, e cresce com isso até fugir totalmente do nosso controle. Felizmente a gente pode perceber na furada que entra e sair antes que seja tarde demais, às vezes fortalecido. Pena que nem todos se dão conta disso. Maldita fantasia.
– Você deu um belo de um chega pra lá nela hein Fabriciu?
– Já passou da hora, acho que até daqui de baixo dá para ver o escarcéu que ela apronta lá em cima né?
Marcos balançou a cabeça confirmando com feição de desânimo.