sexta-feira, 30 de março de 2007

94 – Pós-aulas.

 Quando saí da escola e comecei a caminhar, foi como se eu perdesse os objetivos e ficasse sem rumo na vida, todos os dias eu acordava e tinha para onde ir, uma atividade para fazer, de repente, me vi de volta à dura realidade de desempregado. Já tinha passado por algo parecido depois que terminei a graduação, na realidade testemunhei vários colegas de curso. Era comum sair aquela brincadeira de mau gosto que costumam dizer nas noites de formaturas, ouvi várias vezes antes de minha graduação. - "Agora somos desempregados" - claro que não foi tão dramático assim.

 Esse choque até me desviou de minha próxima tarefa: ir à agência de empregos organizadora do curso que acabara de finalizar. Sorte que eu tinha desviado pouco do caminho, aliás, a agência era a uns 200 m de onde eu vivia no máximo 300 m. Chegando lá já estavam os três mosqueteiros africanos, os três que sentavam atrás de mim e gostavam de zoar, pelo visto estava sendo rápido porque só restava um para ser atendido ainda, o segundo estava quase terminando quando cheguei. Ao entrar havia uma pessoa no atendimento.

 Pois não? Você veio para a entrevista?

 Oi, meu nome é Fabriciu e eu vim para a entrevista sim.

 Você pode aguardar um instante por favor? Depois dele será você.

 Agradeci e procurei alguma coisa para ler, havia muitas revistas sobre emprego ali, então para unir o útil ao agradável foi fácil. Os meninos saíam confiantes de dentro, menos mal, parecia que estava sobrando vaga.

 Fabriciu? Você é o próximo. Saiu de dentro a garota que estava fazendo a entrevista com os outros rapazes. Enquanto esperava eu também tinha preenchido um daqueles horrorosos formulários que toda agência pede para preencher, contendo os dados para contato, de documentos, de experiência em outras empresas, etc... Ao entrar na sala eu entreguei a tal ficha para a garota. Ela pegou e folheou as duas páginas dando uma olhada geral rapidamente.

 Então você já trabalhou na indústria? Aqui diz que desenvolveu um produto. Que produto era esse?

 Rapidamente retirei de minha pasta branca um folder da balança que eu tinha projetado no Brasil, era toda colorida com foto ilustrativa e tudo, pena que estava escrito em português.

 Essa foi a balança que eu desenvolvi, fiz praticamente tudo inclusive este próprio folder, com ele eu tive experiência em todas as etapas dos processos que ele estava envolvido.

 E você está procurando um posto exatamente em que área?

 A pergunta que me causa calafrios e que inevitavelmente todo entrevistador faz. Se eu respondo que desejo trabalhar na minha área de engenharia duas coisas vão ocorrer, eu vou restringir as minhas opções reduzindo a uma área específica e, além disso, posso passar a impressão de ser muito pretensioso, mal dominou a língua do país e já quero um posto de tanta responsabilidade. Por outro lado, se disser que qualquer coisa me serve não terei muita experiência para apresentar e acabarei sendo a última opção possível. A solução que me pareceu mais viável foi deixar em aberto ao critério do entrevistado.

 Minha opção preferencial é na minha área de atuação mesmo, como engenheiro eletricista, mas devido às circunstâncias eu estou disposto a enfrentar qualquer outro desafio que vocês julgarem melhor para mim.

 Bem, achei interessante, parece que eu tenho alguma coisa para você, mas vamos aguardar até o final de todas as entrevistas.

 Mais palavras de esperança, já estava criando calo ter esperança. A entrevista, mais uma vez, me serviu para abrir a minha mente, colocar minhas idéias em ordem de como me apresentar a um entrevistador. Descobri por exemplo, que era de fundamental importância fazer-se ouvir, e mais, ser ouvido com as palavras que o entrevistador desejar ouvir, parece complicado, mas as coisas estavam clareando para mim.

domingo, 25 de março de 2007

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

93 - lembranças da escola.

 Já não bastasse o tormento astral que havia passado no dia anterior e naquele momento, no dia seguinte, seria o último dia de aula com minha turma de amigos italianos. O caminho para a escola foi em ritmo de despedida, como tudo o que costumo fazer pela última vez, ia pela minha costumeira trajetória observando tudo com mais atenção, tanta que até havia me dado conta que existia um caminho mais curto do que a de costume, tarde de mais, aquilo já não adiantava mais nada, a gente sempre tenta se consolar acreditando que em um futuro próximo esse novo aprendizado tardio possa ser aproveitado, afinal tudo o que acontece na vida serve para alguma coisa. Foi nesse dia também que eu vi a segunda Ferrari naquele país, e ainda por cima de cor diferente, ela passou rasgando a rua com aquele som infernal dos motores e acelerado, estava em alta velocidade em plena área urbana, todo mundo ao meu redor reparou transtornado, eu nem imaginava que um ato inconseqüente como aquele pudesse acontecer em um país de primeiro mundo. Enfim cheguei à escola com meia hora de antecedência, como de costume, para conversar com os meus colegas que chegavam antes também, aquele curso de sete dias em tempo integral realmente foi fundamental para o meu aprendizado, uma escola tradicional para ensinar o idioma a estrangeiros jamais teria uma eficiência à altura daquele curso que fiz.

 Na sala de aula o professor Estefano estava em ritmo de despedida, recapitulando os principais tópicos dados até então, tentando repassar suas experiências no chão de fábrica durante os mais de trinta anos em que ele trabalhou, seus relatos eram sempre carregados com muito orgulho. Outro dia, em um dos intervalos quando disse que era engenheiro, o professor havia me prometido em procurar as principais empresas de eletrônica na Internet. Naquela manhã, no intervalo, ele confirmou sua intenção de me ajudar.

 Estefano tinha um especial interesse por arquiteturas, adorava viajar para apreciar as diferentes arquiteturas de épocas e países diferentes, gostava também de ópera, sempre estava mencionando alguma peça, ele era uma pessoa muito evoluída. Durante a aula, a certa altura, um dos rapazes africanos que sentam no fundo perguntou a respeito de qualquer certificado.

 – Professor. Nós vamos ter direito a algum certificado?

 – O instituto não fornece nenhum certificado, mas se vocês preferirem eu posso fazer uma carta com papel timbrado da escola atestando que ministrei o curso para vocês. Vamos fazer o seguinte, os que tiverem interesse nessa carta fiquem aqui depois da aula que nós vamos à minha sala e eu imprimo para vocês.

 Foi batata, praticamente todo mundo ficou, é difícil imaginar porque o instituto não quis emitir tais certificados, se até os italianos quiseram ter uma carta do professor. Para se ver o nível de Estefano, ele teve a sensibilidade de sentir a necessidade de seus alunos de terem um reconhecimento pelo tempo despendido no curso nem que fosse materializado em um pedaço de papel, ele poderia até estar se comprometendo com aquele ato de boa vontade, mas ele fez assim mesmo sem pestanejar. Bem, talvez seja a experiência que o levou a oferecer a carta, pois quando entramos em sua sala ele fez a carta com tanta rapidez que até parecia que já tinha feito aquilo outras vezes, dali até imprimir tudo e assinar não levou mais do que meia hora. Até hoje não entendo porque eu não quis aquela carta também. Eu dispensei! Estava mais preocupado em conseguir a lista das empresas de eletrônica que tinha no município de Bérgamo. Um a um foi pegando a carta e se retirando, eu fiquei por último e por causa disso tive a oportunidade de me despedir de todos, não foi uma despedida acalorada como imaginasse que deveria ser, foi mais distante, apenas apertando as mãos, apenas com Aline que eu dei um abraço bem como em sua tia. Até com Alex, o meu praticamente vizinho da via Quarenghi só teve um – A gente se vê depois... Finalmente a minha hora de ser atendido chegou, Estefano começou a procurar, procurou... Procurou... Até que entrou no site da federação de indústrias de Bérgamo, infelizmente só encontrou os números de telefone, estranhamente não tinha nenhum endereço além de obviamente os nomes das empresas. – Ah se eu tivesse uma linha de telefone disponível para poder fazer aquelas ligações, se eu pudesse pelo menos ter acesso à Internet sem os custos exorbitantes daquele país, eu teria muito mais chances e oportunidade de encontrar um trabalho. – Refletia enquanto via a lista de empresas impressa no papel que o professor Estefano me entregou. Deu-me uma vontade enorme de pedir a Estefano que me deixasse usar seu computador, ou fazer algumas ligações, eu devo estar ficando velho, só fiquei na vontade. Às vezes é salutar não termos tanto pudor assim, afinal o máximo que poderia me acontecer era receber um não.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

92 – Mudança de habitat.

 A tempestade de sentimentos e emoções que eu acabara de sentir estavam à flor da pele, a caminhada de volta para o meu canto serviu para me acalmar um pouco, refletir e reorganizar as minhas idéias, apesar de toda tormenta que eu estava metido consegui mentalizar o meu objetivo, a de criar condições suficientes de modo que eu possa trazer a minha família para a Itália. Assim como em um navio dentro de uma tempestade é difícil se preocupar com as amarras, o mastro, com que tudo esteja funcionando direito, com tantos detalhes a se preocupar não sobra tempo de se lembrar para onde está indo desviando a atenção do principal motivo da embarcação existir.

 Já na casa os meus ânimos melhoraram um pouco, havia uma movimentação atípica, logo na sala estavam umas malas que me era familiar. – Deve ter alguma ligação com o rapaz que encontrei parado lá fora em frente à entrada do prédio. – Pensei comigo. De repente vejo Mercedes descendo as escadas com mais algumas malas, era ela se mudando para a casa da mãe de seu protetor.

 – Bem seu Jorge, obrigado por tudo. Até a próxima. – Disse ela em tom solene.

 Naquela altura, quando ela estava se despedindo eu já tinha subido para cima e escutei tudo de lá. Acredito que realmente o rapaz que tinha visto lá fora seja o próprio protetor de Mercedes, ele deve ter subido depois para apanhar as malas. Apesar de tudo eu guardava boas lembranças de Mercedes, não me deu peso na consciência de ter brigado com ela porque ela estava abusando, mas não podia esquecer das coisas que ela fez por mim, principalmente quando tinha chegado sem conhecer ninguém, ela me deu suporte para me animar e me sentir com alguém para contar, é uma pessoa muito alegre, de pensamentos simples, onde o mundo não tinha grandes complicações, não fiquei contente com sua ida, mas também não fiquei triste. Resolvi aproveitar que o quarto estava vazio para escrever um pouco o meu diário e depois desci para conversar um pouco e passar as novidades para seu Jorge e Maria.

 – Aproveitando o clima de mudanças gostaria de avisar uma coisa seu Jorge.

 – Pois não. O que é?

 – Eu acho que também vou me mudar assim que acabar o meu mês. - Não estava querendo dizer para onde iria me mudar, por isso disse da forma mais resumida possível.

 – E o que você vai fazer depois do mês Fabriciu? – Me indagou Maria com a questão inevitável e que eu ingenuamente acreditava ser evitável.

 – Vou me mudar para a casa de minha amiga colombiana, Elizabeth.

 Maria olhou para seu Jorge com a boca meio aberta com ar malicioso, ela tinha esse jeito de se surpreender facilmente, logo no meu primeiro dia tinha reparado como ela falou de meu passaporte italiano.

 – Muito bem, é uma pena que você também vá, espero que tudo dê certo lá.

 Ufa! Foi menos complicado do que eu imaginava. Fiquei ali embaixo até David chegar com Sandra, então subimos juntos para dormir logo depois da janta. Por incrível que pareça nenhum dos dois comentaram nada sobre a ida de Mercedes.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

91 – Enfim, a entrevista...

 Quando entrei na clínica e me dirigi à secretária ela já sabia do que se tratava.

 – Boa tarde, meu nome é Fabriciu e eu vim aqui para uma entrevista... Eu devo falar com... – Não me lembrava o nome das pessoas que estavam me esperando.

 – Ah sim. Fabriciu né? Um momento, por favor... Senhor Paolo, o Fabriciu está aqui para a entrevista... Tudo bem, eu digo a ele... Fabriciu é só seguir o corredor até o fim e aguardar na sala de espera.

 – Ok obrigado.

 Como estava nervoso naquele dia. Cheguei à sala não sei como, fui seguindo reto sem refletir muito enfim no final do corredor bati na sala errado, era uma madre que ocupava o lugar, gaguejei muito para perguntar se era ali a entrevista ainda mais quando me dei conta de que ela estava com uma cara de mal-humorada.

 – sente-se ali e aguarde até ser chamado. – Me respondeu secamente sem expressar qualquer tipo de emoção.

 Fechei a porta e tratei de me sentar. Aquela era uma situação totalmente nova para mim, nunca tinha me submetido a um processo de recrutamento, ainda mais em uma área de conhecimento que não é a minha, me sentia totalmente leigo em tudo aquilo. Enquanto esperava eu ensaiava algumas frases, respostas, perguntas e tudo mais que pudesse vir a minha cabeça. Mais alguns minutos de espera e de tensão depois...

 – Senhor Fabriciu, por favor. – Chamou me uma mulher da porta ao lado da madre, pela fresta deu para ver que estava sentado um homem mais ao fundo. – Olá, eu me chamo Silvana e esse é o Paolo o responsável pelo recursos humano... Sente-se, por favor.

 – Então senhor Fabriciu, nós estamos procurando alguém para cuidar e organizar o almoxarifado, mas somente para daqui dois meses, e sob o regime de contratação temporária, ou seja, a duração é de somente três meses. O cargo exige que descarregue as encomendas que vão chegando e organize-os no depósito. – Paolo começou a me explicar tudo. Fora o esforço descomunal de entender tudo sem demonstrar que eu estou com dificuldades, eu ainda tinha que processar a parte que estava entendendo mais ou menos, a parte que diz que eles iriam precisar somente para daqui dois meses.

 – Imagine só, eu ficar ocioso esperando o dia para começar a trabalhar! E quem iria pagar as minhas contas até lá? Será que eu perdi alguma parte? Eu não devo ter entendido direito. Só pode ser isso. – À medida que Paolo falava eu ficava me questionando.

 – Então você entendeu direito Fabriciu? Nós vamos começar daqui a uns dois meses. O que você acha sobre isso? Qual a sua experiência nessa área de atuação? – Finalizou Silvana.

 Situação emblemática aquela, chegou a minha vez, a vez de mostrar a que tinha vindo, todas as palavras que ensaiei previamente simplesmente sumiram de minha mente, todo aquele vocabulário que eu achava que tinha aprendido eu só achava, não vinham palavras em minha boca. Uma coisa era certa, se eu gaguejasse seria pior, então só me restava falar bem devagarzinho.

 – Bem, eu estou muito disposto a trabalhar. Não tem problema quanto ao começo. Eu dou conta da tarefa... – Claro que não disse essa frase com desenvoltura.

 Eles ficaram paralisados, me observando meio com a boca aberta, só sei que no final Silvana deve ter perdido a paciência e me interrompeu.

 – Eu estou percebendo aqui que você tem um pouco de dificuldade com a língua e isso é um problema para o seu cargo, creio que não seja adequado para você, sinto muito.

 Frustração, desânimo, desespero, impotência, fracasso, tudo isso se somou dentro de mim. Poucas vezes na vida a gente consegue experimentar tantas sensações de diferentes sabores em menos de 1 hora, juntando-se aos quatro mencionados anteriormente o nervosismo, ansiedade, esperança e o otimismo. O pior é que nem tinha vocabulário para argumentar contra a afirmação de Silvana. Só me restou agradecer pela atenção e me pôr à disposição deles caso eles mudassem de idéia. Por educação eles deixaram a oportunidade em aberto, para ser pensado mais para frente, dando a entender de que podiam mudar de idéia no futuro, mas eu percebi que foi só por uma questão de cortesia. Fazer o que?

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

90 – Contando as horas.

Luiggi pode ter encontrado para ele o emprego sob medida para mim, mas a minha vez estava para chegar. Era só chegar a hora do almoço e algumas horas depois eu talvez esteja dando o passo decisivo para me acertar de vez naquele país, o problema é quando estamos ansiosos, o tempo parece passar mais devagar. Para garantir eu ainda tinha uma entrevista no outro dia com aquela agência de empregos que acabara de marcar, de repente eu possa me dar ao luxo de escolher aquele que melhor me convir.

Na hora do almoço estava em clima de despedida, naquela rua de sempre observando pessoas no meu costumeiro cenário, sabia que dificilmente iria poder voltar ali, comendo minha maçã, momentos que com certeza ficarão em minha memória para o resto de minha vida.

De volta para a aula mal pude me concentrar nas palavras do professor, toda hora ficava checando o relógio para ver quanto tempo faltava. Tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac...

Finalmente minha hora chegou, faltavam quinze minutos para as cinco horas da tarde e conforme meus cálculos eu tinha que sair naquele instante, claro que já tinha ido checar o endereço com antecedência para não correr o risco de chegar atrasado.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

89 – A vaga.

 Domingo agitado esse que eu passei, quando voltei para o meu canto encontrei com Marcos e nos pusemos a conversar por um tempo, ele estava me contando de sua situação na casa, como já era conhecido ele não conseguia pagar as mensalidades e por isso tinha seu passaporte preso por seu Jorge, para completar ele sempre estava fazendo favores principalmente dirigindo, o seu Jorge tinha um carro só que não sabia dirigir, nem ele nem Maria e como Maria estava procurando emprego sempre tinha que levar seu currículo em algum canto ou fazer alguma entrevista, para essas tarefas cabia a Marcos, acontece que um dia a polícia barrou o carro e pediu os documentos de todos, Marcos não tinha nem o seu passaporte o que dirá carteira de motorista ou algum documento válido, por incrível que pareça não aconteceu nada a ele, o policial simplesmente anotou seu nome e o endereço onde ele vivia e os deixaram ir, só que iria um oficial visitá-los para esclarecer toda a pendência que ficou, foi esse o ponto que martelava na cabeça de meu amigo.

 – Mas o que vai acontecer quando eles vierem atrás de você Marcos?

 – Seu Jorge me disse para eu não me preocupar, que ele dará um jeito.

 – E você acha que é verdade? Como ele pode ter tanta certeza?

 Marcos não estava pondo muita fé, mas ele não podia fazer nada, só lhe cabia esperar. Ele estava louco que o seu Jorge o liberasse para pintar o apartamento e assim quitar sua dívida e poder reaver seu passaporte, só que era conveniente a seu Jorge ter um motorista particular à sua disposição. Assim é a vida.

 Novo dia, nova esperança, novas expectativas, tudo parecia que iria girar em torno de minha tão esperada entrevista na clínica. No café da manhã as expectativas de meu casal de amigos estavam direcionados em torno da mudança de Mercedes, nem a minha novidade de me mudar dali desviou a concentração deles. Apesar de tudo eles não ficavam denegrindo a imagem da Mercedes, nem tinham o costume de condenarem suas atitudes, eles demonstravam claramente que só estavam interessados em ter um pouco de paz e tranqüilidade o que seria mais facilmente conseguido sem serem molestados. A vida longe de seu país e de seus familiares já era suficientemente difícil.

 Com o excesso de novidades para pôr em dia acabei me atrasando um pouquinho e quando cheguei ao curso tinha um pessoal, duas garotas e um rapaz, conversando com a turma, eram o pessoal da agência de empregos organizador do curso, no momento em que cheguei, eles estavam explicando sobre a lei que os obriga a disponibilizar cursos profissionalizantes como aquele que eu estava participando, e tinha mais, eles eram obrigados a encaminhar uma porcentagem dos integrantes do curso para alguma empresa. Parecia que a sorte estava sorrindo para o meu lado, eles agendaram horários para entrevistar a todos os integrantes, como eu fui um dos primeiros a conversar com eles arrumei um horário no dia seguinte, logo depois do final do curso, a lógica do raciocínio que segui é que se eu estivesse entre os primeiros poderia preencher a vaga que tivesse separada para o curso. Muitas vezes a gente fica segado pelo desespero da esperança e esquece de incluir os detalhes nos cômputos.

 No meio de tudo isso tem ainda a novidade de Luiggi, ele tinha arrumado um emprego, e adivinhe só, de montador de circuito eletrônico! Parecia uma vaga feita sob medida para mim, como que eu não encontrei esse emprego? Andei tanto, esgotei todas as opções que eu conhecia sem conseguir encontrar essa vaga que agora pertencia à Luiggi. Sentimentos estranhos eu senti naquele dia, espero ter compreendido estes sentimentos.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

88 – Mudanças!

 Quantas vezes fiz esse caminho e sempre ele é longo, com o risco de eu chegar lá e não encontrar ninguém. Felizmente estavam todos, inclusive o meu já conhecido Federico, cunhado de Elizabeth, eu o conheci na semana anterior àquela quando tinha ido com Elizabeth a uma suposta festa do curso de italiano, em uma tarde antes de eu ter começado a fazer o curso, a pobrezinha se confundiu toda e no final não ficou claro se esta festa houve realmente e em que dia que ocorreu, esse foi um problema causado pela confusão do idioma. Pois é, nesse dia eu conheci Federico, ficamos quase 2 horas juntos na quadra de esportes da igreja na qual a escola de italiano pertencia. Eu fiquei meio de escanteio só observando os dois conversarem naquele dia, estavam discutindo alguma coisa, não consegui me concentrar no diálogo estava mais concentrado nas poses que Elizabeth fazia, muito sensuais, com direito a mão na cintura e ligeiros requebras, ficava de costas demonstrando contrariedade em relação ao seu cunhado emburrada e com biquinho, eles estavam discutindo alguma coisa em relação à esposa de Federico, ficamos eu e o filho de Federico de escanteio, pelo menos o garoto tentou brincar de bola com os dois fazendo de conta que participavam. Meu contato com Federico naquele dia foi curto, conversamos muito pouco, e ele parecia ser um pouco desconfiado, embora fosse quase da mesma idade que eu ele aparentava ter 20 anos, no máximo. Naquele dia quando cheguei Federico estava ali já fazia certo tempo, ele tinha almoçado lá, e estava se despedindo quando apareci.

 – E aí? Você chegou bem na hora de eu estar saindo...

 – Fabriciu, vamos combinar de irmos naquele padre para apresentar o Federico, ele não consegue se arrumar aqui. – Disse-me Elizabete.

 – Sim podemos ir na terça-feira porque amanhã eu tenho uma entrevista em uma clínica para trabalhar. Foi o pessoal de Mozzo que arrumaram para mim. Você acredita?... O Federico já foi naquela igreja?

 –... Nossa que legal! Tomara que dê tudo certo para você... O Federico acha que não compensa ir lá, ele está tentando regularizar os papéis primeiro, porque o pessoal só atende quem tem documentos.

 – Na terça-feira vai ser o meu último dia do curso e será apertado sair de lá para encontrarmos o padre Stefano, seria melhor a gente deixar para combinarmos mais para frente.

 – Não tem problema não, quando der a Elizabeth me dá um toque... Bom me deixa ir que está à tarde. Até mais.

 Dessa vez Federico se mostrou mais receptivo, talvez tivessem conversado sobre mim com ele. Era como se eu estivesse passando por um processo de aceitamento na família.

 Hernan estava ali só observando a nossa conversa, ele sempre gostava de ficar observando, mas quando Federico se foi e as três mosqueteiras foram para um canto conversar, elas adoravam conversar não podia ser exceção obviamente, vi Hernan ali dando sopa e comecei a fazer perguntas a ele para puxar conversa.

 – Então quer dizer que você trabalha na companhia de ônibus municipal? Eu fui lá outro dia e não te vi.

 – É que eu fico fazendo serviço interno e quase não apareço para o público... E você? Tem filhos?

 – Sim eu tenho um filho ele tem nove anos de idade, sinto muita falta dele e de minha esposa... Você também tem um filho não é verdade?

 Hernan tinham filho e já grande, beirando seus 22 anos, só que tinha um problema, o rapaz era dependente de drogas, dava muito trabalho a Hernan, não vivia com o pai, naqueles dias ele estava internado para tentar se recuperar. Hernan comentou comigo que incentivava Pilar a trazer sua filha da Colômbia para viver com os dois, ele dava muito apoio para ela. Também descobri que nas horas vagas ele trabalhava como animador de festas, tinha uma fantasia de palhaço, por isso que o seu carro era pintado com figura de balões coloridos, bolos e um letreiro que não conseguia entender, estava escrito palhaço em inglês. Ele me deu um cartão de visitas onde tinha sua foto de palhaço e os dados para contato, também me deu os brindes que ele distribuía nas festas, na verdade me deu o principal brinde que era um quebra-cabeças com a foto dele vestido de palhaço para montar. Engraçado como uma pessoa que aparenta ser calado faz bicos de animador de festas, mesmo tendo estereótipo de fanfarrão. Foi uma pena de eu não ter assistido nenhuma apresentação dele, tenho certeza de que seria muito engraçado. Depois que se dá corda a Hernan ele desembesta em conversar, falava muito, me contou sobre seu filho, sobre sua profissão, sobre o seu bico, sobre seu relacionamento com Pilar, sobre a filha de Pilar, sobre como é sua casa, enfim falou tudo o que podia até sermos interrompidos pelas meninas. Elas estavam conversando sobre os inquilinos da casa, era um casal de bolivianos, qualquer familiaridade é mera coincidência. Eles eram terríveis, traziam amigos para fazer festa ao estilo boliviano, ou seja, cerveja "Hasta la madre", Cúmbia com o volume do som no último, todos aqueles dramas de que estava habituado a passar com uma agravante, este casal era caloteiro. Fazia três meses que não pagavam o aluguel e todos esses eram os assuntos que afligiam a três meninas, por isso elas nos interromperam para desabafar com a gente. Só que era unidirecional, a gente só podia escutar não podia participar, só sei que no final da conversa aconteceu o maravilhoso inesperado, nós acertamos de eu me mudar para lá, era tudo que eu queria, numa só marretada eu me livrava do caos boliviano em que tinha me metido e viveria com minhas amigas que gostava tanto de passar as horas e ainda por cima teria um canto para acomodar a minha família quando eles viessem do Brasil, um local acolhedor e com espaço para vivermos felizes.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

87 – Levantando suspeitas.

 Quando eu voltei de Brescia com Gláucio a gente se despediu e cada um foi para o seu canto. Como não tinha planejado nada para fazer depois dessa viagem eu resolvi voltar para o meu canto, na casa, para decidir o que fazer para o dia. Quando cheguei lá todos já estavam acordados. Era quase hora do almoço que estava sendo preparado, cada um preparando o seu, a cozinha estava congestionada. Fazia um tempo que eu não estava conversando muito com David, coincidiu com o incidente entre ele e Sandra e o começo de minha amizade com Elizabeth, é difícil ignorar certos eventos sem deixar isso contaminar o nosso dia-a-dia. David me chamou para irmos ao supermercado para comprar alguns itens para o almoço. Aceitei de imediato.

 – Fabriciu, vamos comigo fazer umas compra? ... E aí? Como foi lá em Brescia? Gostou do passeio?

 – Foi legal, só que eu achei a cidade um pouco pequena, de vez em quando se escuta falar de Brescia e dá-se a impressão de ser uma cidade maior do que realmente é...

 – Eu nunca fui lá, só conheço de se ouvir falar, mas dizem que o dialeto é outro, diferente do Bergamasco...

 O supermercado ficava embaixo de uma loja de roupas, para ter acesso a esse supermercado era preciso entrar dentro dessa loja e descer pela escada rolante, estranhei, de início, a gente entrar naquela loja, pois eu tinha entendido que iríamos fazer compras em supermercado.

 Mesmo um imigrante proveniente de um país de terceiro mundo e parecer pertencer a um desses países, no caso a Bolívia, e David se parecer com um descendente de índio, andamos com muita desenvoltura pelo supermercado sem despertar suspeitas, eu me preocupei com esse aspecto principalmente porque David estava carregando uma mochila vazia nas costas, eu ficava me perguntando o que ele pretendia com aquilo. Ele comprou queijo, pães, ele adorava pães italiano, uma garrafa de vinho, sempre que ele comprava vinho era porque estava contente, massa e um frango. Quando terminamos de comprar tudo que ele precisava e nos dirigimos ao caixa para pagar foi que eu entendi o motivo daquela mochila vazia, naquela porcaria de lugar as sacolas plásticas eram vendidas! E não eram tão baratas assim. Ele ia passando os produtos e colocando dentro da mochila. Fico imaginando o que aconteceria se alguém entrasse com qualquer tipo de reservatório vazio em um supermercado brasileiro, ainda mais se o portador dessa mochila fosse do estereótipo considerado suspeito para os padrões nacionais, no mínimo teria um segurança seguindo a gente para cima e para baixo, isso no caso de não ter sido barrado antes.

 Enquanto a comida estava cozinhando Sandra e David subiram para cima e eu fiquei embaixo sentado no sofá da sala conversando com o pessoal, Mercedes chegou e foi conversar com Jorge.

 - Seu Jorge, eu vou me mudar daqui, o meu patrocinador quer que eu vá morar com a mãe dele.

 - Tudo bem Mercedes, ele já me pagou a sua estadia desse mês e está tudo certo. Quando você pretende partir?

 - Ele disse que virá me buscar entre hoje e amanhã.

 - Quando o casal ficar sabendo dessa novidade eles vão ficar doidos de felicidade. - pensei comigo, e foi o que aconteceu quando contei a eles naquela noite, Sandra chegou a levantar as mãos para os céus e agradecer, mas não fez isso em um tom sarcástico, foi natural seu gesto. - Será que ela vai sair por minha causa? Da discussão que nós tivemos ontem de manhã?... Não! Eu não tenho tanto poder assim. Além do mais foi o patrocinador dela que tomou essa decisão, segundo as próprias palavras de Mercedes. – Todos esses pensamentos me vinham na mente, a notícia de Mercedes se mudar no dia seguinte à nossa discussão foi apenas uma curiosa coincidência.

 Almocei com meu casal de amigos e tomamos vinho, Sandra até se empolgou na quantidade, não queria parar de beber, ela ficou alegrinha. Terminado o almoço eu tive a impressão que os dois preferiram ficar a sós, acho que ficaram inspirados com o vinho, eles entraram no banheiro juntos com toalhas na mão e todos os apetrechos para tomarem banho. Para não ficar sobrando ali só me vinha uma opção na cabeça, ir à casa de minha grande amiga Elizabeth, já estava com saudades.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

86 – Brescia.

 Quando chegamos à estação ferroviária havia lá uma fila razoável, e por sorte tinha um trem que estaria saindo nos próximos vinte minutos, tempo suficiente de a gente comprar tíquetes. Mesmo a fila estando mais ou menos grande tinha muita gente concentrada dentro do saguão principal e como não poderia deixar de ser dei um jeitinho de ser notado pelos que me rodeavam, me distrai tanto que quando chegou a nossa vez o Gláucio foi comprar os tíquetes e comprou o meu também.

 – Gláucio não precisava ter comprado meu! Quanto foi? Me diz que eu pago.

 – Deixe estar Fabriciu, na próxima você retribui.

 – Combinado na volta pode deixar comigo.

 Ele não disse nada para mim a respeito do retorno, quando estávamos retornando descobri que o tíquete valia para ida e volta. Tem muita gente lá fora que tem muito prazer em ajudar. A viagem bem como boa parte do tempo que estive com o Gláucio teve um segundo detalhe que eu qualifico como curiosidade, era o fato de ele sempre estar com fone de ouvido ouvindo música, era como se ele quisesse ter o momento dele, para aproveitar as coisas de que ele gostasse, sozinho. Às vezes eu tinha a sensação de estar atrapalhando um pouco, quando tentava puxar conversa, ele era obrigado a interromper sua música, tirar o fone do ouvido, e então perguntar de novo o que eu tinha dito, isso não estimulava muito a conversa. A primeira vez que eu o conheci, ele conversou bastante comigo, contou toda sua história, contou sobre sua família no Brasil, de suas supostas aventuras, digamos assim, amorosas, só que eu não dei muita realimentação sobre seus assuntos com as minhas opiniões.

 Quando estávamos perto de chegar a Brescia, Gláucio ligou para o seu contato para que fossem à estação ferroviária nos encontrar. Chegando lá, demos uma geral por toda dependência, a estação era bem menor que a de Bérgamo, por ali dava para ter uma idéia do tamanho da cidade, tanto pelo tamanho quanto pela movimentação. Pusemos-nos lá fora em frente ao estacionamento.

 – Espero que venha o cara legal para me pagar. A empresa possui dois sócios, eu me dou melhor com um deles, o outro não converso muito... Dessa última vez, fiquei uma semana em uma cidade, foi um serviço grande e eles sempre estão precisando de gente, na próxima, por exemplo, eu não vou poder ir, pois já pedi muita folga para o meu chefe no restaurante... Eles pagam bem, esse último serviço que eu fiz em uma semana, eu tirei mais do que no restaurante cozinhando... O problema é que o cara que eu conheço e me dou bem parece que está um pouco ocupado para vir.

 Conversamos todo o tempo que estávamos esperando comendo umas batatas, daquelas legítimas que vem em pote cilíndrico com Coca-Cola.

 Finalmente chegou o contato e adivinhe só, era justamente o cara que ele não se dava tão bem. Gláucio me apresentou a ele, me elogiou e passou o número do meu celular. O cara sempre estava sério demonstrando pressa, disse que iria me ligar no próximo serviço, se despediu e foi-se. E eu que pensava que iríamos conhecer a cidade, dar uma volta, que nada pegamos o próximo trem que voltava para Bérgamo. Não senti nenhuma força nesse encontro.

 Na viagem de volta foi igualmente calado, Gláucio ouvindo seu toca CD e eu pensando na morte da bezerra.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

85 – Preparando para partir.

 Depois de um dia agitado como este ainda me restava ver como estava o clima na casa em relação à minha discussão com Mercedes naquela manhã. Embora ela estivesse abusando muito da paciência dos outros com suas bagunças, usar de agressão verbal sempre gera controvérsias por mais legítimo que possa parecer a situação. Não deu muito para averiguar, todos já estavam dormindo. Lá em cima estava igualmente um silêncio só, todos repousando e Mercedes ainda não tinha chegado. Bem, para o resumo da ópera, nos outros dias que se seguiram ninguém comentou nada sobre o incidente, pelo menos não que eu saiba.

 No outro dia quando saí para a casa do Gláucio todos ainda estavam dormindo, o sábado devia ter sido bem agitado para variar, já nem era novidade para mim o que poderia ter acontecido.

Na casa do Gláucio ele já estava de pé terminando de se arrumar, ligou para os caras de Brescia para confirmar a nossa saída da cidade.

 - Ih Fabriciu! Parece que vai haver um pequeno atraso na nossa partida, não tem ninguém para nos receber lá em Brescia. Vamos a uma Lan House? Eu preciso ver uns e-mails mesmo. Aí a gente mata um pouco o tempo.

 Essas casas de ligação telefônica têm por toda a cidade, quando eu pensava que já conhecia todos eis que surge uma nova. Na que nós fomos ficava perto dali, mas em uma parte da cidade que não tinha este tipo de negócios. O rapaz que trabalhava lá era africano, todo africano era sorridente e simpático, bem, todos os que trabalhavam para ser preciso, porque volta e meia se cruzava com uns na rua que dava calafrios. O rapaz era conhecido de Gláucio, os dois se cumprimentaram e Gláucio se dirigiu ao seu computador de costume. Como não tinha nada para eu fazer me coloquei a conversar com o simpático rapaz, ele veio de Uganda e trabalhava em bancos em seu país, além do italiano ele fala inglês e o dialeto de uma das tribos de Uganda. Gláucio admira muito esse povo, ele diz que esses caras sempre falam mais de dois idiomas, diz que são muito inteligentes. Foi muito interessante a conversa com o rapaz, ficamos uns vinte minutos ali, era domingo mesmo e o movimento era bastante fraco naquele dia. Daquela Lan House fomos para uma feira que acontece no centro da cidade nos domingos, o local era lotado de africanos vendendo bugigangas de seu país, parecia uma daquelas feiras de barracas que tem no Brasil, a diferença é que aquelas barracas montadas em Bérgamo foram feitas para serem desarmadas rapidamente, sempre quando há indícios da polícia por perto, aconteceu quando estávamos passando por lá.

 Era triste andar com Gláucio, ele não podia ver uma garota mais ou menos que ele encarava mesmo, se contorcia todo até perdê-la de vista, para mim aquilo era um exagero, apreciar a beleza é uma coisa muito diferente de dissecar, ele parecia fazer questão que todos soubessem que ele gosta é de mulher. Cada um com suas manias, eu só espero que a minha não seja tão escancarada assim. Fazer o que? Uma mania que eu acho legal é aquela do cara que pergunta toda hora se está tudo bem.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

84 – Quase...

  Enfim, consegui colocar tudo para fora a respeito de meu país para o estrangeiro, ele ficou muito incrédulo, tanto que eu até fiquei inseguro se eu não estava exagerando. De qualquer maneira eu falei pra caramba. Momentos como esses não têm preço, a de exercitar as habilidades desenvolvidas, no caso, italiano. O tempo estava andando e os assuntos se acabando e inevitavelmente tive que ir.

 – Bem, creio que está na hora de eu andar. Você vai me ligar para agendar aqueles vídeos?

 – Sim pode deixar Fabriciu, eu entrarei em contato com você em breve e pode deixar que vou ver em meu local de trabalho se tem vaga para você.

 – Combinado e muito obrigado. Tenha uma boa noite.

 Se quando cheguei não tinha quase ninguém nas ruas, depois então é que tudo virou um deserto, eu não tinha a menor noção do tempo e instintivamente apertei o passo, não queria acordar ninguém. Lá na casa eu acho que não havia chave, sempre tinha alguém lá dentro para abrir a porta, para ser sincero eu acredito que aquela fechadura jamais foi usada, eu mesmo nunca tranquei a porta e nunca vi ninguém trancando também. Uma vez cheguei lá e não tinha ninguém e a porta estava destravada, fiquei lá fora esperando alguém abrir o portão que dá na rua e depois esperei alguém abrir o segundo portão do prédio, já que vivia em um condomínio e sempre tinha gente entrando e saindo. Por incrível que pareça, naquela noite, eu não precisei apertar o interfone para abrirem as portas, fui apenas entrando. Quando cheguei no corredor que vai dar na porta de entrada do apartamento vi que estava saindo Consuelo, totalmente bêbada, ela olha para mim e dá um leve sorriso.

 – Ah! Fabriciu! Onde estavas?

 – Olá Consuelo! Eu estava na casa de uns amigos.

 – Que bom te ver aqui...

 Aí ela veio em minha direção e me abraçou, deu alguns resmungos com o rosto debruçado em meu ombro, na realidade ela estava se apoiando em mim de tão bêbada que estava. Eu fiquei ali meio sem jeito, notoriamente estava desconfortável com a situação, eu tentava afastá-la de mim, nunca tinha passado por uma situação dessas. Dali a pouco saiu da porta do apartamento o meu amigo Marcos, ele ficou um tempo olhando com uma garrafa de cerveja na mão até Consuelo dar-se conta de que ele estava presente, parece que instintivamente Consuelo estava tentando disfarçar.

 – O que foi? Não. Não tem ninguém aqui... Como? ... Não sei. Vá embora...

 Consuelo brigava com ninguém no portão de entrada do prédio sentido em que Marcos não conseguia ver na posição ao lado da porta onde ele se encontrava. Ele então entrou de volta para o apartamento. Consuelo cansada resolveu se despedir de mim e foi embora também. – Ufa! – Entrei logo em seguida. Marcos me viu e inesperadamente se derramou em lágrimas me abraçando também.

 – Eu não agüento mais essa situação. Que droga de vida. Que droga de cerveja. Que droga de tudo.

 – Caramba, o que estava acontecendo aqui? – Fiquei pensando comigo sem entender nada. – Será que Marcos gosta de Consuelo? Ele estaria chorando por ela? Afinal ele saiu do apartamento para procurá-la. Ele pode ter saído atrás dela. – Esses pensamentos ficavam martelando em minha cabeça e agora ele estava ali chorando no ombro de seu algoz. Claro, isso era apenas uma hipótese, outra hipótese era que ele estava de saco cheio de ficar enchendo a cara, de não encontrar trabalho e não ter dinheiro para nada e viu em mim alguém para desabafar.

 – Sabe Fabriciu, outro dia eu estava precisando de dinheiro para ligar para minha casa na Bolívia, ninguém tinha para me emprestar, e hoje eu fui ali ao lado, na casa do Conan, e ele me convidou para beber cerveja, ou seja, dinheiro para eu chamar a minha casa não tem, mas bebida tem a vontade.

 Ele me contava derramando lágrimas inconsoladamente, e o pior é que ele tinha razão.

 – Não fique assim Marcos. Olha só, eu tenho aqui um cartão de telefone. Tome vá chamar a sua casa. Não sei se restaram muitos créditos. Acho que dá para dar um alô rápido.

 Toda aquela confusão me deixou sem palavras, não sabia o que dizer para ele, só me restava, para consolá-lo, solucionar um problema parcial que ele me apresentou, desconsiderando aí a hipótese sobre ele e Consuelo ou qualquer outra que porventura houver. Aquele cartão eu tinha desde que pus os pés na Itália e me serviu para tantas coisas, para enviar mensagem eletrônica para o Brasil, para ligar tantas vezes a Alex em busca de novidades sobre o trabalho para estacionar ônibus e até mesmo para chamar Elizabeth algumas vezes. O engraçado foi a cena dele pegando já consolado com lágrimas nos olhos e saindo para usar, eu me senti péssimo, ele estava precisando era de palavras de ânimo, de apoio, de qualquer forma ele poderia obter isso de sua casa. Poderia se tivesse crédito suficiente no cartão, o que não deveria ter. São situações dessas que devem ser lembradas para nunca mais serem repetidas, eu espero que assim seja.

sábado, 20 de janeiro de 2007

83 – Outra seita!

Quando eu cheguei em Porta Nuova , me despedi de todos, mais uma vez agradeci a Pilar e então eles se foram. A avenida estava escura, deserta. Não se via uma alma viva naquele lugar a não ser uma van com uma barraca armada bem ao seu lado tornando a van uma das paredes da barraca, estacionada na rua. Havia vários livros em cima de umas prateleiras, aquela cena me chamou a atenção porque era uma noite fria, nublada e quase ninguém nas ruas. Ao ver o carro de Hernan sumindo mais adiante me deu um vazio e uma vontade de dar uma caminhada para refletir um pouco. não tinha pressa de voltar para o meu canto, não tinha nada de importante para fazer mesmo por isso fui dar uma xeretada para ver do que se tratava. Dava a impressão de ser um estande de demonstração, havia três pessoas lá, uma garota ainda adolescente, um rapaz gordinho e um homem com seus 35 anos de idade. Parecia ser o pai com seus filhos, todos muito atenciosos sorridentes. Logo o homem me cumprimenta e pergunta se desejo fazer um teste para medir o nível de stress emocional, eu aceitei imediatamente. Era um equipamento com um ponteiro marcador que flexionava de acordo com a intensidade de uma corrente elétrica. Ligada a este indicador tinham dois eletrodos que eu deveria segurar com as mão, então o homem me fazia algumas perguntas, só que os ponteiros ficavam se movendo instavelmente, com pequenas deflexões. Ele começou com coisas simples como, por exemplo, qual era o meu nome, perguntou de onde eu vinha. Ele estava apenas "calibrando" o aparelho para fazer a pergunta chave e também para que eu compreenda o padrão do funcionamento do indicador. Eu só fui me dar conta disto mais tarde quando soube exatamente do que se tratava, não naquele dia, até então eu não conhecia aquela seita, para ser sincero nem sabia que se tratava de uma seita, parecia mais uma ONG de suporte psicológico ou algo do gênero.

– Fabriciu, agora pense em uma situação ou uma pessoa que te causa algum problema ou aflição.

Como não poderia deixar de ser outra coisa imediatamente pensei em minha família, foi muito bizarro essa parte, não me esqueço até hoje, ao pensar neles senti minha mão suando, parecia que elas estavam soltando adrenalina pelos poros. Aquele ponteiro que oscilava levemente para lá e para cá, de repente, disparou e começou a virar para o outro lado, claro que aquilo me chamou a atenção de imediato, parecia que aquele indicadorzinho simples estava adivinhando os meus pensamentos some-se a isso o fato de eu estar sensibilizado com minha solidão teremos aí uma pessoa muito impressionada. Depois pensando mais friamente, conclui sem embasamento técnico, que realmente meus poros soltaram algum hormônio, pode ser a adrenalina ou mesmo o suor aumentando assim a condutividade entre minhas mãos e os eletrodos melhorando a circulação da corrente elétrica. Não estou desmascarando nada com essa teoria, afinal o aparelho cumpriu sua função de detectar um distúrbio emocional que desencadeou esse metabolismo no meu corpo, só que sem compreender esse mecanismo fica mais fácil para qualquer um descambar para o lado místico das coisas creditando esse fenômeno ao além.

– É Fabriciu, o aparelho indica que esse pensamento que você teve realmente te causa aflição. Em que você estava pensando há pouco?

– Eu pensava que gostaria de estar junto de minha família agora...

A partir daí ele começou a desfiar um monte de argumentos, eu não entendia exatamente as palavras que ele estava me dizendo, mas entendi a mensagem que ele pretendia me passar. Depois de me dizer todos os argumentos ele passou a me apresentar os livros que estavam ali expostos, todos traduzidos em dezenas de idiomas, inclusive em português que para minha sorte eles não tinham no estoque e eu não precisei declinar o convite para adquirir um dos livros. Disse que quase todos estavam entre os livros mais vendidos no mundo. – Como é que eu nunca tinha ouvido falar neles? – Me perguntou se eu estava disposto a assistir alguns vídeos sem compromisso que trazia testemunhos de pessoas com histórias verídicas para assistir no prédio deles. Fiquei muito animado não com a filosofia que estava me apresentando e sim com a possibilidade de poder me entrosar em um grupo dali, da terra. Disse a ele sobre a minha condição ali na Itália e demonstrei muita disposição para assistir ao vídeo na hora que ele quisesse.

– Vou agendar um horário para nós dois lá no nosso prédio. É numa cidade aqui vizinha, você não precisa se preocupar que eu venho de buscar. Me passa o seu telefone.

Passei a ele todos os dados que ele precisava sobre mim. Ele trabalhava como operário em um fábrica e se comprometeu em ver se havia trabalho para mim lá. Passamos a conversar sobre o Brasil, ele tinha interesse de saber mais sobre o aspecto do temperamento das pessoas. Foi um momento sofrível para eu explicar tudo em italiano, gaguejava muito e ficava muito inseguro com as palavras, no grosso modo ele me entendeu. Esse era um lado estressante do aprendizado, às vezes parecia que eu estava dominando bem o idioma e de repente surgia indicações de que faltava muito chão pela frente, a verdade é que se domina o idioma na área que se costuma usar no cotidiano, quando nos vemos em um contexto novo não dá para fazer muita coisa. Eu disse a ele que no Brasil as pessoas viviam muito preocupadas com a segurança e a insegurança dominava a todos, que havia crimes bárbaros, inicialmente sem nenhum motivo justificável como, por exemplo, quando queimaram o índio na rua de Brasília ou quando mataram um monte de crianças de rua em uma dessas chacinas conhecidas. Eu ficava envergonhado de falar dessas coisas com ele, afinal eu também sou brasileiro e não gostaria que as pessoas tivessem uma imagem tão negativa e podre assim de meu país. Por outro lado é preciso exorcizar os demônios, a negação da realidade não contribui nada para mudar essa situação, não adianta nada ocultar este lado. Ele ficou muito assustado, sem entender nada. Eu também ficaria no lugar dele.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

82 – 10,00€

Da casa dos missionários até a casa de dona Margaret nós fomos caminhando, tudo ficava mais ou menos ali no centro da cidade. Ao chegarmos à casa de dona Margaret já estava lá Pilar, Hernan, Elizabeth, dona Margaret, um convidado que trabalhava em Milão e ia namorar nos finais de semana em Bérgamo, tinha também um rapaz que estava dando em cima de Elizabeth e mais umas crianças da casa, todos estavam ali num ambiente tranqüilo, aconchegante, simplesmente passando a tarde. Quando chegamos Elizabeth e Pilar demonstraram alegria em nos ver.

 – Olha só quem está ali! Cheguem estávamos esperando por você Maria. E aí Fabriciu tudo bem? – disse Pilar alegremente.

 – Tudo bem. Passei a tarde com Maria, nós fomos fazer um estudo bíblico.

 – Ah sim? Foi tudo bem lá? Venham. Sentem-se aqui.

Sentamo-nos ali em algum canto e nos pusemos a participar da conversa eu como sempre escutando mais do que falando. Sempre preferi observar os outros. Na rodinha conversavam de tudo um pouco, falavam sobre o cotidiano, sobre os desafios que enfrentavam, eram conversas descompromissadas, descontraídas, simplesmente para passar o tempo.

 A certa altura Gláucio apareceu, ele estava voltando de seu trabalho, parecia cansado. Margaret alertou a ele que eu estava presente, ele olhou e sorriu.

 – Oi Fabriciu! Cara esqueci de te avisar que não deu certo de a gente ir lá em Brescia hoje. O meu patrão precisou de mim para cobrir uma falta, mas já conversei com o cara das estandes e combinamos de nos encontrarmos amanhã pela manhã . Eu ia te ligar agora para te avisar. Tudo bem para você?

 – Tudo bem . Que horas nos encontramos?

 – Você vem aqui que lá pelas oito e meia da manhã nós vamos juntos para a estação ferroviária.

 - Fechado! Nos encontramos aqui então.

 Eu já tinha até esquecido de que nós tínhamos combinado de ir a Brescia no dia seguinte, ou seja, no sábado. Minha cabeça não andava muito bom naqueles dias. Fiquei muito otimista com a possibilidade de conseguir um trabalho. Gláucio disse que eles viajavam para outras cidades e ficavam hospedados em hotéis para montar estandes era serviço de três dias a 4 dias dependendo do tamanho dos estandes, muitas vezes eles trabalharam com gente de menos , por causa disso que me deu um otimismo a mais. Não era exatamente o que eu estava procurando, eu precisava de algo fixo para poder levar minha família a morar junto comigo, mas se pelo menos eu pudesse tirar algum dinheiro para custear as minhas despesas já seria de grande ajuda afinal eu tinha que arcar com minha família no Brasil também, além das minhas despesas na Europa, não era fácil.

 Ficamos conversando por um bom tempo, longas horas de risadas e descontração, Hernan ficava o tempo todo só olhando, apesar dele não saber falar espanhol ele conseguia entender alguma coisa, era do tipo quieto, também gostava de ficar só observando, mas era muito boa gente, como todos ali, diga-se de passagem. Finalmente chegou a hora de irmos embora. – E agora? O que será de mim ? Só vai me restar voltar para o meu canto solitário, onde todos bebem para esquecer. – Pensei comigo.

 – Hernan, você pode dar uma carona para Fabriciu até ali no centro? – Perguntou Pilar ao seu namorado em meu favor.

 – Sem problema. Vamos Fabriciu.

 Já era noite e estava um pouco frio, tinha névoa e as ruas pareciam desertas, para mim não precisava de carona, da casa de dona Margaret até a minha eram poucos quarteirões, de carro a gente teria que dar uma volta grande, só que eu sempre fico meio sem jeito de recusar uma boa intenção e por isso fui com eles. Quando estávamos chegando perto de Porta Nuova, Pilar com as mãos fechadas me entrega alguma coisa meio em segredo.

 – Tome Fabriciu.

 Quando olhei com mais atenção percebi que era uma nota de 10,00, nem sabia o que fazer, disse a ela que não precisava. É aquela velha história, como vou recusar uma boa intenção? Eu não pedi nada, ela fez isso de bom coração, na realidade eu poderia estar sendo usado para fazê-la se sentir melhor em estar ajudando o seu próximo, por isso fiquei com o dinheiro, meio sem jeito, mas fiquei. Acho que Pilar não queria que o Hernan ficasse sabendo dessa ajuda porque ela me deu em segredo, sem que ele percebesse.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

81-Para compensar.

No meio do caminho me lembrei que eu estava indo para casa de Elizabeth antes do almoço.

Me desculpe Marcos, eu preciso ir na casa de uma amiga. A gente se vê logo mais à noite ok?

Você vai na casa da sua amiga da Colômbia?

É estou indo para lá.

Do tempo que saí para almoçar até a minha volta se passaram no mínimo 1 hora e meia. Toquei o interfone e desta vez atenderam, era Maria.

– Alô? O que deseja?

– Olá! A Elizabeth se encontra? Aqui é o Fabriciu.

Fabriciu! A Elizabeth não está. Ela está passando o final de semana na casa de Pilar. Entre um pouco, eu estou saindo para casa dos missionários fazer um estudo da bíblia.

– Ah! Tudo bem. Eu não tenho nada para fazer mesmo.

Entrei e subi para apartamento de Maria, ela estava começando a se arrumar para sair, ia tomar banho ainda, me ofereceu alguma coisa para comer e foi no banheiro tomar banho.

– Pronto nós podemos sair agora. Você vem comigo Fabriciu? Eu só preciso procurar uma loja para comprar o tíquete para o ônibus, hoje está tudo fechado e acredito que aquele café da esquina não esteja funcionando, tem uma outra loja mais adiante que pode estar aberta hoje.

Nós encontramos um local para comprar o tíquete para o ônibus em um bar mais adiante, sentido centro periferia, como para variar eu estava sem dinheiro no bolso e minha fama de andar somente a pé já era grande, Maria me deu um tíquete para que pudéssemos ir então para a casa dos missionários. Eu me esqueci aqui o nome da seita que esses missionários pertenciam, mas ela é bem famosa cujo líder se encontra na Coréia do Sul , também esqueci o nome desse líder. Naquela altura eu não estava fazendo idéia direito sobre qual era exatamente o assunto que iríamos tratar, estava meio que deixando acontecer. Meu maior objetivo era passar o tempo nos finais de semana, estava sendo difícil, à medida que o tempo passava e eu ficava sem ter contato com minha família estava começando a ficar mais carente e precisava buscar um meio de suprir aquela abstinência. Os parentes de Elizabeth eram o que eu tinha de mais próximo de uma família, para mim naquele país estrangeiro, por isso que esse foi o principal motivo de eu estar ali passando o dia com Maria. Eu passei a dirigir a minha vida orientada às pessoas , aos relacionamentos, era algo novo que eu não tinha muito costume de fazer, a gente sempre está preocupado com nossas coisas, a cumprir prazos, em fazer aquelas coisas que a gente tem necessidade de fazer no nosso dia-a-dia, mas à medida que eu estava isolado todas essas tarefas que eu estava habituado a fazer perderam sentido, a minha única tarefa era me dedicar à procura de emprego, mas só dava para fazer isso durante a semana, nos finais de semana não.

 Quando chegamos lá e eu vi o que era realmente o tal do assunto sobre estudo em grupo que Maria se referia foi que começou a me vir na lembrança a conversa que tive com a mexicana, até aquele momento era como se todo o contato, toda a conversa tudo que eu tive de experiência com ela e seu esposo não existissem e ao vê-los tudo foi resgatado de uma parte de minha mente esquecida, foi uma sensação muito estranha, raramente acontece isso comigo. Nessa ocasião teve a agravante de a pessoa que foi apagada de minha memória ser uma mexicana, com o meu histórico no México não era para isso ter acontecido. Ao resgatar toda a minha "memória perdida" e dar uma rápida analisada no ambiente, percebi ali uma ótima oportunidade de praticar o meu tão inalcançável italiano. Era uma casa modesta, na realidade era um apartamento, uma sala, três quartos, cozinha e banheiro, era o tipo de casa padrão que a esmagadora maioria dos italianos tinham acesso, é uma peculiaridade dos países do primeiro mundo, onde a maioria tem acessos iguais à maioria das coisas, por causa disso era tudo padronizado naqueles países, não se percebia muita variabilidade nos artigos domésticos das massas. Dá-se a impressão que no Brasil existe uma maior combinações de coisas, de cores, de tamanhos, essa diversidade se combinam e produzem um efeito mais personalizado de acordo com as características de seu dono, isso é apenas uma impressão minha não sei se é condizente com a realidade, é um pouco difícil de explicar, talvez essa seja uma explicação para o fato de existir tantas pessoas com estilos diferentes na Europa, seria um modo de fugir da padronização patente que atinge a todos os cidadãos.

 Bem, voltando ao assunto da casa, ao chegarmos conversamos um pouco na sala de visitas onde o casal nos contou a história da vida deles, como eles se conheceram, como era suas vidas antes, enfim tudo o que possa ser interessante e aproveitável no estudo bíblico que se seguiria depois dali. Depois de uma breve introdução nos dirigimos para um dos quartos da casa adaptado para ser uma espécie de sala de aula, tinha lousa, cartazes, livros só faltava as carteiras que no lugar eram simples cadeiras. Ficou com a gente somente o chefe da casa, aí eu me animei, porque ele só sabia falar italiano e se dependesse de mim eu passaria o dia inteiro em contato com esse idioma. Passamos assim ao estudo bíblico segundo os dogmas de sua seita onde a família estava em primeiro lugar e tudo deveria girar em torno dela, era uma utopia bonita meio em descompasso com a nossa realidade de hoje onde os divórcios são cada vez mais normais e é motivo de espanto quando uma pessoa não se separou ainda. Ele tinha vários cartazes com anotações escritas em pincel atômico, vez ou outra ele mudava para a lousa para fazer uma anotação mais detalhada sobre algum tópico dos cartazes. Por causa de minha solidão eu estava muito sensível aos sentimentos dos outros e por isso me pus a imaginar o tempo gasto para preparar aquele material, depositando toda esperança de conseguir arrematar vidas para sua causa. Esse é o maior prêmio que um missionário poderia querer. Não deve ser muito fácil esse ofício, estando em um país estrangeiro sem ninguém para recorrer e com a responsabilidade de produzir resultados, creio ser muito angustiante, aquela família só podia contar com eles mesmos, um apoiava ao outro para os desafios cotidianos. Eles pregam a família e ela está passando por um momento de crise de identidade nos tempos atuais, os conceitos de família que tradicionalmente é conhecido está ficando antiquado, por exemplo, hoje é motivo de espanto quando se encontra um casamento com mais de 7 anos de convivência, são essas coisas que complica ainda mais os desafios daquela família. O senhor da casa, o seu Joseph, demonstrava muita sinceridade em sua crença, ele tinha um jeito peculiar de abrir seus cartazes, abria com atenção, olhando fixamente nas próximas etapas, concentrado no que iria dizer, ainda em um idioma que não era o seu de origem. Estava realmente comprometido com sua seita eu compreendia seu lado, suas angústias, os desafios que ele tinha que enfrentar com sua família. Não é fácil no mundo que nós vivemos pregar alguma coisa que a gente acredita, que a gente acha certo, tentar convencer as pessoas a enxergar o que vemos, encontrar argumentos para os inevitáveis questionamentos que cada um põe, muitos questionamentos que você mesmo entra em parafuso, que nunca parou para pensar em um determinado ângulo da questão, colocando em xeque tudo aquilo que você vinha crendo até então. As igrejas cristãs de modo geral chamam isso de provação da fé. Bárbaro. Ainda por cima essa profissão nem sempre proporciona uma amizade para se desabafar, pois ele próprio tem que ser o exemplo e qualquer demonstração de fraqueza pode abalar a fé dos que estão ao seu redor. À medida que Joseph ia falando e abria cada cartaz, quando via um gesto, eu via a simbologia de seus tormentos de almejar em tocar uma vida, para construir um mundo que ele acredita ser melhor. Esperando que alguém diga a eles que o trabalho deles serviu para mudar sua vida.

Volta e meia a esposa aparecia na sala para ver se estava tudo bem, para dar alguma contribuição nas aulas de seu marido. Dava para perceber que ele não gostava muito, não por egoísmo, mas porque essas interrupções interrompia sua linha de raciocínio, mesmo assim ele esperava com paciência. O que eu gostava mesmo era que todo o tempo as aulas foram ministradas no idioma que eu estava aprendendo, era isso que eu queria todos os dias, estar em contato para aprender, pelo menos se eu não conseguisse emprego, no mínimo aprender italiano seria uma obrigação, não podia sair de mãos abanando daquela investida que me submeti. Maria, sempre muito atenciosa, gostava de participar de tudo, essa, aliás, pode ser um problema para os que convivem com ela todos os dias, eu vejo como uma característica dela, ela sempre tem de fazer algum tipo de comentário, não importa o que fale, a palavra final é dela. Ela pode se sentir obrigada a sempre dizer alguma coisa, para demonstrar que está aproveitando aquele momento já que é uma pessoa muito dedicada aos amigos. Acho que dependendo da circunstância isso possa cansar um pouco as pessoas que estiverem sempre junto dela.

No final do curso nos comemos bolo com refrigerante e também chocolate, pois estávamos na época da páscoa, aquela foi a primeira vez que provei um chocolate local, não tinha nada de excepcional. Conversamos por algum tempo mais e nos despedimos. Não tinha a menor pressa, estávamos no meio da tarde ainda e precisava de atividade para passar o tempo. – O que veria a seguir? – Pensei torcendo que Maria sugerisse algo.

– Fabriciu eu tenho que ir na casa de Margaret, Pilar está me esperando lá.

– Eu vou com você... – Ufa. Era tudo o que eu queria ouvir.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

80 – Satisfação:

Depois de um longo período afastado estou de volta. Reconheço que atrasei o cronograma, havia prometido estar de volta no dia 8 de janeiro, no final acabei me atrasando em três dias. Por favor, me desculpem pelo atraso, espero que não haja mais nenhum imprevisto. Tentarei ser mais assíduo daqui em diante.

 80 Onde foi que eu parei mesmo? Ah sim!

 Aquele foi um dos dias que eu mais senti demorar na fila, mesmo conversando com os meus amigos italianos. Lá dentro o tumulto continuou e para piorar a comida já estava no final, para variar, só tinha pão em abundância como sempre, um pouco de macarrão, e peixe enlatado. Sim, duas coisas que sempre não costumam faltar, o principal, massa e peixe enlatado. Peixe nunca foi meu forte, mas como não estava em condições de exigir muita coisa acabei sendo obrigado a aprender a comer o que tinha. Para minha sorte foi fácil começar a gostar de comê-los.

Ainda na fila encontrei com minha amiga brasileira voluntária, cumprimentei-a rapidamente sem muita conversa por causa da correria, eu estava desando o meu ritmo para não ficar muito distante dos meus amigos, devido à movimentação não tinha muitos lugares disponíveis e me preocupava o fato de não conseguir lugar para nós todos sentarmos, quando estava desistindo da idéia eis que vagou uma mesa inteira para nós, bem na hora de todos estarem livres para assentar. No almoço nos concentrarmos em comer por isso não deu para fazer muita coisa além de comer. É engraçado nosso relacionamento com as pessoas, a gente deseja o estreitamento do relacionamento ao mesmo tempo em que, muitas vezes, não encontramos afinidade suficiente para que isso possa ser consumado. Talvez à medida que a gente vai acumulando experiência nós mesmos possamos desenvolver essa aptidão de encontrar o caminho das amizades sólidas.

 A certa altura, quase no final da refeição, apareceu uma italiana com a bandeja na mesa ao lado, ela estava dizendo algumas palavras em italiano para uma jovem russa, parecia brava, eu não consegui entender bem qual era o problema, só sei que Guido, irritado, disse grosseiramente várias palavras para aquela moça italiana.

– Saia daqui! Não interessa nada o que te incomoda. Vá procurar outro lugar para se sentar.

 Continuei comendo como se nada tivesse acontecido, Guido pareceu muito irritado, naquele momento ele revelou o seu lado inconseqüente, daquele tipo de pessoa que está disposto a fazer qualquer coisa quando está irritado. Achei melhor deixar para lá ao invés de esclarecer o que estava acontecendo ali.

 Infelizmente depois que começamos a comer não tivemos muito momento de conversa, meu tempo para praticar tinha-se acabado.

 Depois quando estávamos voltando para nosso "affitto" foi que eu perguntei para Marcos o que tinha acontecido naquele evento com a moça italiana.

– Aquela moça estava sendo mal educada com a russa, ela estava mandando a garota sair da mesa para ela se sentar e comer como se fosse a dona do pedaço e Guido estava defendendo a jovem. – disse Marcos.

– Ah bom! Agora tudo fazia sentido – Guido tinha me parecido uma pessoa com princípios, apesar de sua dependência com as drogas, o problema é que ele tinha um pequeno problema para se expressar.