sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

93 - lembranças da escola.

 Já não bastasse o tormento astral que havia passado no dia anterior e naquele momento, no dia seguinte, seria o último dia de aula com minha turma de amigos italianos. O caminho para a escola foi em ritmo de despedida, como tudo o que costumo fazer pela última vez, ia pela minha costumeira trajetória observando tudo com mais atenção, tanta que até havia me dado conta que existia um caminho mais curto do que a de costume, tarde de mais, aquilo já não adiantava mais nada, a gente sempre tenta se consolar acreditando que em um futuro próximo esse novo aprendizado tardio possa ser aproveitado, afinal tudo o que acontece na vida serve para alguma coisa. Foi nesse dia também que eu vi a segunda Ferrari naquele país, e ainda por cima de cor diferente, ela passou rasgando a rua com aquele som infernal dos motores e acelerado, estava em alta velocidade em plena área urbana, todo mundo ao meu redor reparou transtornado, eu nem imaginava que um ato inconseqüente como aquele pudesse acontecer em um país de primeiro mundo. Enfim cheguei à escola com meia hora de antecedência, como de costume, para conversar com os meus colegas que chegavam antes também, aquele curso de sete dias em tempo integral realmente foi fundamental para o meu aprendizado, uma escola tradicional para ensinar o idioma a estrangeiros jamais teria uma eficiência à altura daquele curso que fiz.

 Na sala de aula o professor Estefano estava em ritmo de despedida, recapitulando os principais tópicos dados até então, tentando repassar suas experiências no chão de fábrica durante os mais de trinta anos em que ele trabalhou, seus relatos eram sempre carregados com muito orgulho. Outro dia, em um dos intervalos quando disse que era engenheiro, o professor havia me prometido em procurar as principais empresas de eletrônica na Internet. Naquela manhã, no intervalo, ele confirmou sua intenção de me ajudar.

 Estefano tinha um especial interesse por arquiteturas, adorava viajar para apreciar as diferentes arquiteturas de épocas e países diferentes, gostava também de ópera, sempre estava mencionando alguma peça, ele era uma pessoa muito evoluída. Durante a aula, a certa altura, um dos rapazes africanos que sentam no fundo perguntou a respeito de qualquer certificado.

 – Professor. Nós vamos ter direito a algum certificado?

 – O instituto não fornece nenhum certificado, mas se vocês preferirem eu posso fazer uma carta com papel timbrado da escola atestando que ministrei o curso para vocês. Vamos fazer o seguinte, os que tiverem interesse nessa carta fiquem aqui depois da aula que nós vamos à minha sala e eu imprimo para vocês.

 Foi batata, praticamente todo mundo ficou, é difícil imaginar porque o instituto não quis emitir tais certificados, se até os italianos quiseram ter uma carta do professor. Para se ver o nível de Estefano, ele teve a sensibilidade de sentir a necessidade de seus alunos de terem um reconhecimento pelo tempo despendido no curso nem que fosse materializado em um pedaço de papel, ele poderia até estar se comprometendo com aquele ato de boa vontade, mas ele fez assim mesmo sem pestanejar. Bem, talvez seja a experiência que o levou a oferecer a carta, pois quando entramos em sua sala ele fez a carta com tanta rapidez que até parecia que já tinha feito aquilo outras vezes, dali até imprimir tudo e assinar não levou mais do que meia hora. Até hoje não entendo porque eu não quis aquela carta também. Eu dispensei! Estava mais preocupado em conseguir a lista das empresas de eletrônica que tinha no município de Bérgamo. Um a um foi pegando a carta e se retirando, eu fiquei por último e por causa disso tive a oportunidade de me despedir de todos, não foi uma despedida acalorada como imaginasse que deveria ser, foi mais distante, apenas apertando as mãos, apenas com Aline que eu dei um abraço bem como em sua tia. Até com Alex, o meu praticamente vizinho da via Quarenghi só teve um – A gente se vê depois... Finalmente a minha hora de ser atendido chegou, Estefano começou a procurar, procurou... Procurou... Até que entrou no site da federação de indústrias de Bérgamo, infelizmente só encontrou os números de telefone, estranhamente não tinha nenhum endereço além de obviamente os nomes das empresas. – Ah se eu tivesse uma linha de telefone disponível para poder fazer aquelas ligações, se eu pudesse pelo menos ter acesso à Internet sem os custos exorbitantes daquele país, eu teria muito mais chances e oportunidade de encontrar um trabalho. – Refletia enquanto via a lista de empresas impressa no papel que o professor Estefano me entregou. Deu-me uma vontade enorme de pedir a Estefano que me deixasse usar seu computador, ou fazer algumas ligações, eu devo estar ficando velho, só fiquei na vontade. Às vezes é salutar não termos tanto pudor assim, afinal o máximo que poderia me acontecer era receber um não.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

92 – Mudança de habitat.

 A tempestade de sentimentos e emoções que eu acabara de sentir estavam à flor da pele, a caminhada de volta para o meu canto serviu para me acalmar um pouco, refletir e reorganizar as minhas idéias, apesar de toda tormenta que eu estava metido consegui mentalizar o meu objetivo, a de criar condições suficientes de modo que eu possa trazer a minha família para a Itália. Assim como em um navio dentro de uma tempestade é difícil se preocupar com as amarras, o mastro, com que tudo esteja funcionando direito, com tantos detalhes a se preocupar não sobra tempo de se lembrar para onde está indo desviando a atenção do principal motivo da embarcação existir.

 Já na casa os meus ânimos melhoraram um pouco, havia uma movimentação atípica, logo na sala estavam umas malas que me era familiar. – Deve ter alguma ligação com o rapaz que encontrei parado lá fora em frente à entrada do prédio. – Pensei comigo. De repente vejo Mercedes descendo as escadas com mais algumas malas, era ela se mudando para a casa da mãe de seu protetor.

 – Bem seu Jorge, obrigado por tudo. Até a próxima. – Disse ela em tom solene.

 Naquela altura, quando ela estava se despedindo eu já tinha subido para cima e escutei tudo de lá. Acredito que realmente o rapaz que tinha visto lá fora seja o próprio protetor de Mercedes, ele deve ter subido depois para apanhar as malas. Apesar de tudo eu guardava boas lembranças de Mercedes, não me deu peso na consciência de ter brigado com ela porque ela estava abusando, mas não podia esquecer das coisas que ela fez por mim, principalmente quando tinha chegado sem conhecer ninguém, ela me deu suporte para me animar e me sentir com alguém para contar, é uma pessoa muito alegre, de pensamentos simples, onde o mundo não tinha grandes complicações, não fiquei contente com sua ida, mas também não fiquei triste. Resolvi aproveitar que o quarto estava vazio para escrever um pouco o meu diário e depois desci para conversar um pouco e passar as novidades para seu Jorge e Maria.

 – Aproveitando o clima de mudanças gostaria de avisar uma coisa seu Jorge.

 – Pois não. O que é?

 – Eu acho que também vou me mudar assim que acabar o meu mês. - Não estava querendo dizer para onde iria me mudar, por isso disse da forma mais resumida possível.

 – E o que você vai fazer depois do mês Fabriciu? – Me indagou Maria com a questão inevitável e que eu ingenuamente acreditava ser evitável.

 – Vou me mudar para a casa de minha amiga colombiana, Elizabeth.

 Maria olhou para seu Jorge com a boca meio aberta com ar malicioso, ela tinha esse jeito de se surpreender facilmente, logo no meu primeiro dia tinha reparado como ela falou de meu passaporte italiano.

 – Muito bem, é uma pena que você também vá, espero que tudo dê certo lá.

 Ufa! Foi menos complicado do que eu imaginava. Fiquei ali embaixo até David chegar com Sandra, então subimos juntos para dormir logo depois da janta. Por incrível que pareça nenhum dos dois comentaram nada sobre a ida de Mercedes.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

91 – Enfim, a entrevista...

 Quando entrei na clínica e me dirigi à secretária ela já sabia do que se tratava.

 – Boa tarde, meu nome é Fabriciu e eu vim aqui para uma entrevista... Eu devo falar com... – Não me lembrava o nome das pessoas que estavam me esperando.

 – Ah sim. Fabriciu né? Um momento, por favor... Senhor Paolo, o Fabriciu está aqui para a entrevista... Tudo bem, eu digo a ele... Fabriciu é só seguir o corredor até o fim e aguardar na sala de espera.

 – Ok obrigado.

 Como estava nervoso naquele dia. Cheguei à sala não sei como, fui seguindo reto sem refletir muito enfim no final do corredor bati na sala errado, era uma madre que ocupava o lugar, gaguejei muito para perguntar se era ali a entrevista ainda mais quando me dei conta de que ela estava com uma cara de mal-humorada.

 – sente-se ali e aguarde até ser chamado. – Me respondeu secamente sem expressar qualquer tipo de emoção.

 Fechei a porta e tratei de me sentar. Aquela era uma situação totalmente nova para mim, nunca tinha me submetido a um processo de recrutamento, ainda mais em uma área de conhecimento que não é a minha, me sentia totalmente leigo em tudo aquilo. Enquanto esperava eu ensaiava algumas frases, respostas, perguntas e tudo mais que pudesse vir a minha cabeça. Mais alguns minutos de espera e de tensão depois...

 – Senhor Fabriciu, por favor. – Chamou me uma mulher da porta ao lado da madre, pela fresta deu para ver que estava sentado um homem mais ao fundo. – Olá, eu me chamo Silvana e esse é o Paolo o responsável pelo recursos humano... Sente-se, por favor.

 – Então senhor Fabriciu, nós estamos procurando alguém para cuidar e organizar o almoxarifado, mas somente para daqui dois meses, e sob o regime de contratação temporária, ou seja, a duração é de somente três meses. O cargo exige que descarregue as encomendas que vão chegando e organize-os no depósito. – Paolo começou a me explicar tudo. Fora o esforço descomunal de entender tudo sem demonstrar que eu estou com dificuldades, eu ainda tinha que processar a parte que estava entendendo mais ou menos, a parte que diz que eles iriam precisar somente para daqui dois meses.

 – Imagine só, eu ficar ocioso esperando o dia para começar a trabalhar! E quem iria pagar as minhas contas até lá? Será que eu perdi alguma parte? Eu não devo ter entendido direito. Só pode ser isso. – À medida que Paolo falava eu ficava me questionando.

 – Então você entendeu direito Fabriciu? Nós vamos começar daqui a uns dois meses. O que você acha sobre isso? Qual a sua experiência nessa área de atuação? – Finalizou Silvana.

 Situação emblemática aquela, chegou a minha vez, a vez de mostrar a que tinha vindo, todas as palavras que ensaiei previamente simplesmente sumiram de minha mente, todo aquele vocabulário que eu achava que tinha aprendido eu só achava, não vinham palavras em minha boca. Uma coisa era certa, se eu gaguejasse seria pior, então só me restava falar bem devagarzinho.

 – Bem, eu estou muito disposto a trabalhar. Não tem problema quanto ao começo. Eu dou conta da tarefa... – Claro que não disse essa frase com desenvoltura.

 Eles ficaram paralisados, me observando meio com a boca aberta, só sei que no final Silvana deve ter perdido a paciência e me interrompeu.

 – Eu estou percebendo aqui que você tem um pouco de dificuldade com a língua e isso é um problema para o seu cargo, creio que não seja adequado para você, sinto muito.

 Frustração, desânimo, desespero, impotência, fracasso, tudo isso se somou dentro de mim. Poucas vezes na vida a gente consegue experimentar tantas sensações de diferentes sabores em menos de 1 hora, juntando-se aos quatro mencionados anteriormente o nervosismo, ansiedade, esperança e o otimismo. O pior é que nem tinha vocabulário para argumentar contra a afirmação de Silvana. Só me restou agradecer pela atenção e me pôr à disposição deles caso eles mudassem de idéia. Por educação eles deixaram a oportunidade em aberto, para ser pensado mais para frente, dando a entender de que podiam mudar de idéia no futuro, mas eu percebi que foi só por uma questão de cortesia. Fazer o que?

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

90 – Contando as horas.

Luiggi pode ter encontrado para ele o emprego sob medida para mim, mas a minha vez estava para chegar. Era só chegar a hora do almoço e algumas horas depois eu talvez esteja dando o passo decisivo para me acertar de vez naquele país, o problema é quando estamos ansiosos, o tempo parece passar mais devagar. Para garantir eu ainda tinha uma entrevista no outro dia com aquela agência de empregos que acabara de marcar, de repente eu possa me dar ao luxo de escolher aquele que melhor me convir.

Na hora do almoço estava em clima de despedida, naquela rua de sempre observando pessoas no meu costumeiro cenário, sabia que dificilmente iria poder voltar ali, comendo minha maçã, momentos que com certeza ficarão em minha memória para o resto de minha vida.

De volta para a aula mal pude me concentrar nas palavras do professor, toda hora ficava checando o relógio para ver quanto tempo faltava. Tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac tic tac...

Finalmente minha hora chegou, faltavam quinze minutos para as cinco horas da tarde e conforme meus cálculos eu tinha que sair naquele instante, claro que já tinha ido checar o endereço com antecedência para não correr o risco de chegar atrasado.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

89 – A vaga.

 Domingo agitado esse que eu passei, quando voltei para o meu canto encontrei com Marcos e nos pusemos a conversar por um tempo, ele estava me contando de sua situação na casa, como já era conhecido ele não conseguia pagar as mensalidades e por isso tinha seu passaporte preso por seu Jorge, para completar ele sempre estava fazendo favores principalmente dirigindo, o seu Jorge tinha um carro só que não sabia dirigir, nem ele nem Maria e como Maria estava procurando emprego sempre tinha que levar seu currículo em algum canto ou fazer alguma entrevista, para essas tarefas cabia a Marcos, acontece que um dia a polícia barrou o carro e pediu os documentos de todos, Marcos não tinha nem o seu passaporte o que dirá carteira de motorista ou algum documento válido, por incrível que pareça não aconteceu nada a ele, o policial simplesmente anotou seu nome e o endereço onde ele vivia e os deixaram ir, só que iria um oficial visitá-los para esclarecer toda a pendência que ficou, foi esse o ponto que martelava na cabeça de meu amigo.

 – Mas o que vai acontecer quando eles vierem atrás de você Marcos?

 – Seu Jorge me disse para eu não me preocupar, que ele dará um jeito.

 – E você acha que é verdade? Como ele pode ter tanta certeza?

 Marcos não estava pondo muita fé, mas ele não podia fazer nada, só lhe cabia esperar. Ele estava louco que o seu Jorge o liberasse para pintar o apartamento e assim quitar sua dívida e poder reaver seu passaporte, só que era conveniente a seu Jorge ter um motorista particular à sua disposição. Assim é a vida.

 Novo dia, nova esperança, novas expectativas, tudo parecia que iria girar em torno de minha tão esperada entrevista na clínica. No café da manhã as expectativas de meu casal de amigos estavam direcionados em torno da mudança de Mercedes, nem a minha novidade de me mudar dali desviou a concentração deles. Apesar de tudo eles não ficavam denegrindo a imagem da Mercedes, nem tinham o costume de condenarem suas atitudes, eles demonstravam claramente que só estavam interessados em ter um pouco de paz e tranqüilidade o que seria mais facilmente conseguido sem serem molestados. A vida longe de seu país e de seus familiares já era suficientemente difícil.

 Com o excesso de novidades para pôr em dia acabei me atrasando um pouquinho e quando cheguei ao curso tinha um pessoal, duas garotas e um rapaz, conversando com a turma, eram o pessoal da agência de empregos organizador do curso, no momento em que cheguei, eles estavam explicando sobre a lei que os obriga a disponibilizar cursos profissionalizantes como aquele que eu estava participando, e tinha mais, eles eram obrigados a encaminhar uma porcentagem dos integrantes do curso para alguma empresa. Parecia que a sorte estava sorrindo para o meu lado, eles agendaram horários para entrevistar a todos os integrantes, como eu fui um dos primeiros a conversar com eles arrumei um horário no dia seguinte, logo depois do final do curso, a lógica do raciocínio que segui é que se eu estivesse entre os primeiros poderia preencher a vaga que tivesse separada para o curso. Muitas vezes a gente fica segado pelo desespero da esperança e esquece de incluir os detalhes nos cômputos.

 No meio de tudo isso tem ainda a novidade de Luiggi, ele tinha arrumado um emprego, e adivinhe só, de montador de circuito eletrônico! Parecia uma vaga feita sob medida para mim, como que eu não encontrei esse emprego? Andei tanto, esgotei todas as opções que eu conhecia sem conseguir encontrar essa vaga que agora pertencia à Luiggi. Sentimentos estranhos eu senti naquele dia, espero ter compreendido estes sentimentos.