sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

77 – Dito e feito!


Conforme o previsto a tal da garota entrava e saia do quarto tropicando em tudo, fazendo o maior barulho, nas altas horas da madrugada. Começou a fazer ligações pelo celular e dar risada alta. Comecei a me dar conta que um dos alvos era eu também! Não tinha outra explicação. A minha sorte era que eu tenho um sono pesado, eu despertava rapidamente e já voltava a dormir, não deixava de ser incomodo, mas poderia ser pior. No outro dia estava irritado com essas sucessivas falta de respeito, despertei tarde e quando desci estava Marcos lá escutando música no seu radinho à pilha, ele sempre ficava com seu aparelho nos cantos, vivia sintonizado no AM, nunca consegui distinguir uma única palavra no seu rádio, não dava para saber em qual idioma era. Se nas rádios AMs do Brasil eu já tinha a maior dificuldade de entender o locutor o que dirá na de outros países. Ele estava concentrado, olhando para o infinito e o dedo indicador em cima do botão de sintonia girando para lá e para cá. Mania de engenheiro é terrível, assim que vi aquela cena comecei a pensar na hipótese de haver alguma ligação entre o comprimento de onda da freqüência portadora da rádio e o período com que Marcos alternava o sentido do sintonizador, ele parecia descrever uma onda senoidal de freqüência fixa travada. Às vezes é difícil evitar certas elucubrações, duvido que a suspeita fosse procedente, é assim mesmo... Deixa pra lá.

Sentei-me no sofá próximo a ele sem dizer uma palavra, eu tinha que colocar em ordem quais eram as minhas inúmeras opções para o dia. – Me deixa ver... Ah! Sim. Eu posso ir à casa de Elizabeth. Como não pensei nisso antes? – Antes de criar coragem e encarar a rua para uma caminhada incerta eis que começa a descer as escadas ela, Mercedes, com suas bengalas encantadas. Cara de ressaca colocava a mão na cabeça e resmungava algumas coisas.
– Nossa! Que carinha de dor. Não conseguiu dormir direito? – Comecei falando em tom sarcástico.
– Minha cabeça dói!
– Pobrezinha! Quem manda beber. Você nunca vai aprender? Toda vez é a mesma história, depois fica aí se lamentando. Por que você não para com isso?
– Acontece Fabriciu que isso é problema meu. Você não tem nada que ver com isso.
– É aí que você se engana. A partir do momento que você está invadindo meu espaço com todo aquele barulho me atrapalhando o sono tem tudo a ver comigo sim. Não me preocupo em você acabar com sua vida, mas vá acabar longe de mim, não agüento mais quase todas as noites você ficar fazendo toda aquela bagunça. – Aí comecei a imitar o jeito de ela dar risada, suas frases repetitivas, a avacalhar mesmo com tudo.
– Você está louco? O que passa contigo?
– Você é que não percebe o quanto é patética garota. Nem criança faz essas idiotices que você faz. Você não tem o direito de fazer o que bem entender à custa do nosso descanso. Como não faz nada o dia todo, fica aí vadiando pela casa pode se dar ao luxo de dormir o dia todo para a noite encher o saco. – O divertido mesmo era ficar imitando ela. Acho que ela jamais esperava uma reação daquela vinda de mim, quase que não conseguia reagir pela surpresa que arrumei. – Vê? Eu nem preciso beber para dar risada da sua cara. Hahahahaha!
– Me deixa em paz! Não amola!
E saiu de volta para cima. É bom botar as frustrações para fora, a gente se sente mais leve depois, para mim era como se estivesse tirando um elefante de cima. Respirei fundo com um alívio sentido poucas vezes. Acho que a droga proporciona esse tipo de sensação, a vítima fica encantada com o efeito, só que as conseqüências são cruéis mais tarde, a gente entra num ciclo vicioso que se auto-alimenta da raiva e do rancor e cada vez quer mais, e cresce com isso até fugir totalmente do nosso controle. Felizmente a gente pode perceber na furada que entra e sair antes que seja tarde demais, às vezes fortalecido. Pena que nem todos se dão conta disso. Maldita fantasia.
– Você deu um belo de um chega pra lá nela hein Fabriciu?
– Já passou da hora, acho que até daqui de baixo dá para ver o escarcéu que ela apronta lá em cima né?
Marcos balançou a cabeça confirmando com feição de desânimo.

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