quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

81-Para compensar.

No meio do caminho me lembrei que eu estava indo para casa de Elizabeth antes do almoço.

Me desculpe Marcos, eu preciso ir na casa de uma amiga. A gente se vê logo mais à noite ok?

Você vai na casa da sua amiga da Colômbia?

É estou indo para lá.

Do tempo que saí para almoçar até a minha volta se passaram no mínimo 1 hora e meia. Toquei o interfone e desta vez atenderam, era Maria.

– Alô? O que deseja?

– Olá! A Elizabeth se encontra? Aqui é o Fabriciu.

Fabriciu! A Elizabeth não está. Ela está passando o final de semana na casa de Pilar. Entre um pouco, eu estou saindo para casa dos missionários fazer um estudo da bíblia.

– Ah! Tudo bem. Eu não tenho nada para fazer mesmo.

Entrei e subi para apartamento de Maria, ela estava começando a se arrumar para sair, ia tomar banho ainda, me ofereceu alguma coisa para comer e foi no banheiro tomar banho.

– Pronto nós podemos sair agora. Você vem comigo Fabriciu? Eu só preciso procurar uma loja para comprar o tíquete para o ônibus, hoje está tudo fechado e acredito que aquele café da esquina não esteja funcionando, tem uma outra loja mais adiante que pode estar aberta hoje.

Nós encontramos um local para comprar o tíquete para o ônibus em um bar mais adiante, sentido centro periferia, como para variar eu estava sem dinheiro no bolso e minha fama de andar somente a pé já era grande, Maria me deu um tíquete para que pudéssemos ir então para a casa dos missionários. Eu me esqueci aqui o nome da seita que esses missionários pertenciam, mas ela é bem famosa cujo líder se encontra na Coréia do Sul , também esqueci o nome desse líder. Naquela altura eu não estava fazendo idéia direito sobre qual era exatamente o assunto que iríamos tratar, estava meio que deixando acontecer. Meu maior objetivo era passar o tempo nos finais de semana, estava sendo difícil, à medida que o tempo passava e eu ficava sem ter contato com minha família estava começando a ficar mais carente e precisava buscar um meio de suprir aquela abstinência. Os parentes de Elizabeth eram o que eu tinha de mais próximo de uma família, para mim naquele país estrangeiro, por isso que esse foi o principal motivo de eu estar ali passando o dia com Maria. Eu passei a dirigir a minha vida orientada às pessoas , aos relacionamentos, era algo novo que eu não tinha muito costume de fazer, a gente sempre está preocupado com nossas coisas, a cumprir prazos, em fazer aquelas coisas que a gente tem necessidade de fazer no nosso dia-a-dia, mas à medida que eu estava isolado todas essas tarefas que eu estava habituado a fazer perderam sentido, a minha única tarefa era me dedicar à procura de emprego, mas só dava para fazer isso durante a semana, nos finais de semana não.

 Quando chegamos lá e eu vi o que era realmente o tal do assunto sobre estudo em grupo que Maria se referia foi que começou a me vir na lembrança a conversa que tive com a mexicana, até aquele momento era como se todo o contato, toda a conversa tudo que eu tive de experiência com ela e seu esposo não existissem e ao vê-los tudo foi resgatado de uma parte de minha mente esquecida, foi uma sensação muito estranha, raramente acontece isso comigo. Nessa ocasião teve a agravante de a pessoa que foi apagada de minha memória ser uma mexicana, com o meu histórico no México não era para isso ter acontecido. Ao resgatar toda a minha "memória perdida" e dar uma rápida analisada no ambiente, percebi ali uma ótima oportunidade de praticar o meu tão inalcançável italiano. Era uma casa modesta, na realidade era um apartamento, uma sala, três quartos, cozinha e banheiro, era o tipo de casa padrão que a esmagadora maioria dos italianos tinham acesso, é uma peculiaridade dos países do primeiro mundo, onde a maioria tem acessos iguais à maioria das coisas, por causa disso era tudo padronizado naqueles países, não se percebia muita variabilidade nos artigos domésticos das massas. Dá-se a impressão que no Brasil existe uma maior combinações de coisas, de cores, de tamanhos, essa diversidade se combinam e produzem um efeito mais personalizado de acordo com as características de seu dono, isso é apenas uma impressão minha não sei se é condizente com a realidade, é um pouco difícil de explicar, talvez essa seja uma explicação para o fato de existir tantas pessoas com estilos diferentes na Europa, seria um modo de fugir da padronização patente que atinge a todos os cidadãos.

 Bem, voltando ao assunto da casa, ao chegarmos conversamos um pouco na sala de visitas onde o casal nos contou a história da vida deles, como eles se conheceram, como era suas vidas antes, enfim tudo o que possa ser interessante e aproveitável no estudo bíblico que se seguiria depois dali. Depois de uma breve introdução nos dirigimos para um dos quartos da casa adaptado para ser uma espécie de sala de aula, tinha lousa, cartazes, livros só faltava as carteiras que no lugar eram simples cadeiras. Ficou com a gente somente o chefe da casa, aí eu me animei, porque ele só sabia falar italiano e se dependesse de mim eu passaria o dia inteiro em contato com esse idioma. Passamos assim ao estudo bíblico segundo os dogmas de sua seita onde a família estava em primeiro lugar e tudo deveria girar em torno dela, era uma utopia bonita meio em descompasso com a nossa realidade de hoje onde os divórcios são cada vez mais normais e é motivo de espanto quando uma pessoa não se separou ainda. Ele tinha vários cartazes com anotações escritas em pincel atômico, vez ou outra ele mudava para a lousa para fazer uma anotação mais detalhada sobre algum tópico dos cartazes. Por causa de minha solidão eu estava muito sensível aos sentimentos dos outros e por isso me pus a imaginar o tempo gasto para preparar aquele material, depositando toda esperança de conseguir arrematar vidas para sua causa. Esse é o maior prêmio que um missionário poderia querer. Não deve ser muito fácil esse ofício, estando em um país estrangeiro sem ninguém para recorrer e com a responsabilidade de produzir resultados, creio ser muito angustiante, aquela família só podia contar com eles mesmos, um apoiava ao outro para os desafios cotidianos. Eles pregam a família e ela está passando por um momento de crise de identidade nos tempos atuais, os conceitos de família que tradicionalmente é conhecido está ficando antiquado, por exemplo, hoje é motivo de espanto quando se encontra um casamento com mais de 7 anos de convivência, são essas coisas que complica ainda mais os desafios daquela família. O senhor da casa, o seu Joseph, demonstrava muita sinceridade em sua crença, ele tinha um jeito peculiar de abrir seus cartazes, abria com atenção, olhando fixamente nas próximas etapas, concentrado no que iria dizer, ainda em um idioma que não era o seu de origem. Estava realmente comprometido com sua seita eu compreendia seu lado, suas angústias, os desafios que ele tinha que enfrentar com sua família. Não é fácil no mundo que nós vivemos pregar alguma coisa que a gente acredita, que a gente acha certo, tentar convencer as pessoas a enxergar o que vemos, encontrar argumentos para os inevitáveis questionamentos que cada um põe, muitos questionamentos que você mesmo entra em parafuso, que nunca parou para pensar em um determinado ângulo da questão, colocando em xeque tudo aquilo que você vinha crendo até então. As igrejas cristãs de modo geral chamam isso de provação da fé. Bárbaro. Ainda por cima essa profissão nem sempre proporciona uma amizade para se desabafar, pois ele próprio tem que ser o exemplo e qualquer demonstração de fraqueza pode abalar a fé dos que estão ao seu redor. À medida que Joseph ia falando e abria cada cartaz, quando via um gesto, eu via a simbologia de seus tormentos de almejar em tocar uma vida, para construir um mundo que ele acredita ser melhor. Esperando que alguém diga a eles que o trabalho deles serviu para mudar sua vida.

Volta e meia a esposa aparecia na sala para ver se estava tudo bem, para dar alguma contribuição nas aulas de seu marido. Dava para perceber que ele não gostava muito, não por egoísmo, mas porque essas interrupções interrompia sua linha de raciocínio, mesmo assim ele esperava com paciência. O que eu gostava mesmo era que todo o tempo as aulas foram ministradas no idioma que eu estava aprendendo, era isso que eu queria todos os dias, estar em contato para aprender, pelo menos se eu não conseguisse emprego, no mínimo aprender italiano seria uma obrigação, não podia sair de mãos abanando daquela investida que me submeti. Maria, sempre muito atenciosa, gostava de participar de tudo, essa, aliás, pode ser um problema para os que convivem com ela todos os dias, eu vejo como uma característica dela, ela sempre tem de fazer algum tipo de comentário, não importa o que fale, a palavra final é dela. Ela pode se sentir obrigada a sempre dizer alguma coisa, para demonstrar que está aproveitando aquele momento já que é uma pessoa muito dedicada aos amigos. Acho que dependendo da circunstância isso possa cansar um pouco as pessoas que estiverem sempre junto dela.

No final do curso nos comemos bolo com refrigerante e também chocolate, pois estávamos na época da páscoa, aquela foi a primeira vez que provei um chocolate local, não tinha nada de excepcional. Conversamos por algum tempo mais e nos despedimos. Não tinha a menor pressa, estávamos no meio da tarde ainda e precisava de atividade para passar o tempo. – O que veria a seguir? – Pensei torcendo que Maria sugerisse algo.

– Fabriciu eu tenho que ir na casa de Margaret, Pilar está me esperando lá.

– Eu vou com você... – Ufa. Era tudo o que eu queria ouvir.

Nenhum comentário: