sábado, 20 de janeiro de 2007

83 – Outra seita!

Quando eu cheguei em Porta Nuova , me despedi de todos, mais uma vez agradeci a Pilar e então eles se foram. A avenida estava escura, deserta. Não se via uma alma viva naquele lugar a não ser uma van com uma barraca armada bem ao seu lado tornando a van uma das paredes da barraca, estacionada na rua. Havia vários livros em cima de umas prateleiras, aquela cena me chamou a atenção porque era uma noite fria, nublada e quase ninguém nas ruas. Ao ver o carro de Hernan sumindo mais adiante me deu um vazio e uma vontade de dar uma caminhada para refletir um pouco. não tinha pressa de voltar para o meu canto, não tinha nada de importante para fazer mesmo por isso fui dar uma xeretada para ver do que se tratava. Dava a impressão de ser um estande de demonstração, havia três pessoas lá, uma garota ainda adolescente, um rapaz gordinho e um homem com seus 35 anos de idade. Parecia ser o pai com seus filhos, todos muito atenciosos sorridentes. Logo o homem me cumprimenta e pergunta se desejo fazer um teste para medir o nível de stress emocional, eu aceitei imediatamente. Era um equipamento com um ponteiro marcador que flexionava de acordo com a intensidade de uma corrente elétrica. Ligada a este indicador tinham dois eletrodos que eu deveria segurar com as mão, então o homem me fazia algumas perguntas, só que os ponteiros ficavam se movendo instavelmente, com pequenas deflexões. Ele começou com coisas simples como, por exemplo, qual era o meu nome, perguntou de onde eu vinha. Ele estava apenas "calibrando" o aparelho para fazer a pergunta chave e também para que eu compreenda o padrão do funcionamento do indicador. Eu só fui me dar conta disto mais tarde quando soube exatamente do que se tratava, não naquele dia, até então eu não conhecia aquela seita, para ser sincero nem sabia que se tratava de uma seita, parecia mais uma ONG de suporte psicológico ou algo do gênero.

– Fabriciu, agora pense em uma situação ou uma pessoa que te causa algum problema ou aflição.

Como não poderia deixar de ser outra coisa imediatamente pensei em minha família, foi muito bizarro essa parte, não me esqueço até hoje, ao pensar neles senti minha mão suando, parecia que elas estavam soltando adrenalina pelos poros. Aquele ponteiro que oscilava levemente para lá e para cá, de repente, disparou e começou a virar para o outro lado, claro que aquilo me chamou a atenção de imediato, parecia que aquele indicadorzinho simples estava adivinhando os meus pensamentos some-se a isso o fato de eu estar sensibilizado com minha solidão teremos aí uma pessoa muito impressionada. Depois pensando mais friamente, conclui sem embasamento técnico, que realmente meus poros soltaram algum hormônio, pode ser a adrenalina ou mesmo o suor aumentando assim a condutividade entre minhas mãos e os eletrodos melhorando a circulação da corrente elétrica. Não estou desmascarando nada com essa teoria, afinal o aparelho cumpriu sua função de detectar um distúrbio emocional que desencadeou esse metabolismo no meu corpo, só que sem compreender esse mecanismo fica mais fácil para qualquer um descambar para o lado místico das coisas creditando esse fenômeno ao além.

– É Fabriciu, o aparelho indica que esse pensamento que você teve realmente te causa aflição. Em que você estava pensando há pouco?

– Eu pensava que gostaria de estar junto de minha família agora...

A partir daí ele começou a desfiar um monte de argumentos, eu não entendia exatamente as palavras que ele estava me dizendo, mas entendi a mensagem que ele pretendia me passar. Depois de me dizer todos os argumentos ele passou a me apresentar os livros que estavam ali expostos, todos traduzidos em dezenas de idiomas, inclusive em português que para minha sorte eles não tinham no estoque e eu não precisei declinar o convite para adquirir um dos livros. Disse que quase todos estavam entre os livros mais vendidos no mundo. – Como é que eu nunca tinha ouvido falar neles? – Me perguntou se eu estava disposto a assistir alguns vídeos sem compromisso que trazia testemunhos de pessoas com histórias verídicas para assistir no prédio deles. Fiquei muito animado não com a filosofia que estava me apresentando e sim com a possibilidade de poder me entrosar em um grupo dali, da terra. Disse a ele sobre a minha condição ali na Itália e demonstrei muita disposição para assistir ao vídeo na hora que ele quisesse.

– Vou agendar um horário para nós dois lá no nosso prédio. É numa cidade aqui vizinha, você não precisa se preocupar que eu venho de buscar. Me passa o seu telefone.

Passei a ele todos os dados que ele precisava sobre mim. Ele trabalhava como operário em um fábrica e se comprometeu em ver se havia trabalho para mim lá. Passamos a conversar sobre o Brasil, ele tinha interesse de saber mais sobre o aspecto do temperamento das pessoas. Foi um momento sofrível para eu explicar tudo em italiano, gaguejava muito e ficava muito inseguro com as palavras, no grosso modo ele me entendeu. Esse era um lado estressante do aprendizado, às vezes parecia que eu estava dominando bem o idioma e de repente surgia indicações de que faltava muito chão pela frente, a verdade é que se domina o idioma na área que se costuma usar no cotidiano, quando nos vemos em um contexto novo não dá para fazer muita coisa. Eu disse a ele que no Brasil as pessoas viviam muito preocupadas com a segurança e a insegurança dominava a todos, que havia crimes bárbaros, inicialmente sem nenhum motivo justificável como, por exemplo, quando queimaram o índio na rua de Brasília ou quando mataram um monte de crianças de rua em uma dessas chacinas conhecidas. Eu ficava envergonhado de falar dessas coisas com ele, afinal eu também sou brasileiro e não gostaria que as pessoas tivessem uma imagem tão negativa e podre assim de meu país. Por outro lado é preciso exorcizar os demônios, a negação da realidade não contribui nada para mudar essa situação, não adianta nada ocultar este lado. Ele ficou muito assustado, sem entender nada. Eu também ficaria no lugar dele.

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