terça-feira, 10 de outubro de 2006

36 – Encurralado.

Eu fazia de tudo para evitar Marcos, era até fácil, quando eu saía ele ainda estava dormindo e quando ia me deitar ele ainda não tinha chegado da rua. Uma vez, ainda no começo na primeira semana, estava eu naquelas crises de sono e dormia à tarde sozinho no quarto. Lá embaixo estava um silêncio, creio que não havia ninguém. Sem querer me desperto e num relance olho à frente, através da porta, no corredor que dá na escada, heis que estava de pé olhando para dentro do quarto Marcos, fico confuso, afinal ninguém, com exceção dos que têm cama em cima, poderia subir, não sabia se ele acabara de subir, se estava no quarto saindo do quarto de Jorge ou estava bisbilhotando para ver se havia alguém no quarto. Quando ele me vê diz:

– E aí? Tudo em ordem?

– Tudo...

– Olha, assim que quiser nós vamos lá falar com um cara para ver se tem trabalho para você tá?

– Tudo bem, mais tarde a gente vai.

– Beleza então. Até mais.

E foi-se sem maiores justificativas sobre o que estaria fazendo ali. Semanas depois, quando o conheci melhor, conclui que ele poderia ter subido lá, no quarto dos donos, para procurar seu passaporte que deixará com Jorge como garantia de que um dia irá pagar todo o tempo que esteve ali. Marcos...

Foi nessa sexta-feira que fui pego de jeito, dormi mais da conta e quando descia para seguir minha incansável jornada por emprego cruzo com o próprio Marcos. E agora? Ele me começa com suas perguntas e eu tento encontrar uma brecha para sair de fininho, mas não dá.

– O que você vai fazer agora Fabriciu?

– Sair para conversar com umas pessoas.

– Vamos sair para eu te levar para conversar com meus contatos.

– Agora? Não sei se vai dar.

– A gente vai falar com essas pessoas que você tem que falar e depois vamos falar com meus contatos.

– Não sei... Acho que é melhor ir falar com o padre Estéfano mais à tarde... Vamos ver seus contatos.

O que me custava. Bem, custava sim, quando via Marcos imediatamente me lembrava da dona Mara, a voluntária brasileira que conheci no seminário, e o que ela me contou sobre o valor de meu passaporte no mercado negro. Acontece que possuo um problema intrínseco da maioria dos mortais comuns na face da terra, uma extrema dificuldade de dizer não, uma palavrinha simples, pequena, fácil de pronunciar e ao mesmo tempo difícil de ser pronunciada dependendo da situação. Lá vamos nós. Eu me sentia como se tivesse me entregado à minha sorte, rumo à execução. Tentava sem sucesso pensar em alguma saída.

Saímos conversando, ele me contou como foi no seu primeiro dia na Itália, em Milão. Teve sorte, logo na primeira semana conseguiu um serviço para ajudar na pintura de um prédio, ele havia aprendido a pintar nos Estados Unidos. Esse foi outro motivo que reforçou minhas desconfianças, esse ofício não era tão comum assim na Itália e pagava-se muito bem pelo serviço e, no entanto ele viva parado, tá certo que sem documento as coisas são bem mais difíceis, mas era pintor! Tudo bem, ele começou o serviço de ajudante naquele serviço em Milão, segundo seu relato não durou muito, a dificuldade com a comunicação impediu que ele continuasse e dispensaram ele, depois disso passou algumas semanas parado fazendo alguns bicos esporádicos, até que conheceu a misteriosa boliviana de Bérgamo que o convenceu de ir para lá, ela tinha carro e trabalho e vivia muito bem, parece que se cansou de Marcos e o abandonou, ele dizia que gostava dela e tinha esperança de voltar, mesmo depois de tê-la visto em companhia de outro cara. À medida que conversávamos, nós caminhávamos e me envolvi na conversa que até acabei me esquecendo de perguntar para onde estávamos indo e para fazer o que.

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