terça-feira, 3 de outubro de 2006

30 – Preparando para o bote!?

Como uma noite se torna longa quando se tem uma preocupação na cabeça. Como o tamanho de um problema é relativo. Hoje me encontro num terrível dilema para escrever o plano de minha pós-graduação, preciso de inspiração para explicar o caminho e os meios que devo adotar para concluir o projeto, só que tive os mesmos sentimentos de ansiedade e frustração para escrever um simples currículo! A história se repete. Mas nada como uma pressão para fazer a gente funcionar, um prazo final é o que todos precisamos para seguir em frente. Eu tinha exatamente um dia para preparar o currículo e levar na quarta-feira para Varese, não podia ir empurrando com a barriga mais. É preciso, porém, cautela. Nessas horas é que o inimigo fica à espreita, esperando um deslize para atacar.

No dia seguinte me coloquei lá fora, no pátio, para preparar um rascunho do tal currículo, fiquei horas consultando o dicionário, o que ajudou e muito foi o fato de eu ter preenchido algumas fichas nas agências de trabalho que estive antes, inclusive peguei algumas para levar para casa, foram imprescindíveis. Fiquei tempo suficiente lá fora até Marcos acordar. O interessado e preocupado Marcos logo me viu concentrado e tratou de se aproximar para conversar. Vivemos embaixo de um mesmo teto, tinha de evitar um clima tenso, não estava entrosado o suficiente com todos ali a ponto de abrir o jogo com ele, por isso ele foi perguntando e eu fui respondendo.

– O que você está fazendo Fabriciu?

– Tenho que terminar meu currículo hoje.

– Mas você não vai passar em um computador?

– Estou escrevendo aqui em meu Palm e depois é só passar para uma máquina e imprimir.

– Conheço uns lugares aí que tem internet e bem barato.

O cara tocou no meu ponto fraco. Tinha visitado umas Lan House e eram muito caras para mim.

– A é? Onde? Me explica aí que eu vou lá depois.

– Vou fazer melhor. Eu vou te levar lá pessoalmente.

– Imagina. Não tem necessidade, eu vou demorar.

– Não se preocupe, não tenho nada para fazer mesmo.

E agora? Como eu vou dar uma brecha para esse cara agir assim? Já tinha me aproximado muito dele nesse final de semana. Não estava a fim de dar mais espaço a ele. Só que não teve como, tive que aceitar a companhia dele e partimos para o lugar que ele conhecia. Era uma rua que só tinha lojas de fazer chamada por telefone, internet, tudo ligado à comunicação, eram lojinhas simples, bem populares. Devido ao enorme número de imigrantes naquela cidade, acredito que aquela seja a atividade mais difundida em relação às outras, melhor, as atividades de comunicação e agência de trabalho eram as mais notórias, em todo lugar que se fosse tinha uma delas. Logo entramos em uma, o atendente tinha cara de indiano. Marcos parecia conhecer o lugar, fomos para baixo, no que seria o porão. Lugar escuro, feio. Seguimos até encontrar dois computadores quase que escondidos com uma iluminação deficiente. O computador estava notoriamente infestado de vírus e códigos maliciosos, abriam-se janelas sem parar, eram provenientes de sites pornográficos. Esses detalhes servem como consolo para mim, afinal existe amadorismo daquela grandeza em um país de “primeiro mundo”. Não preciso dizer que no final não consegui imprimir nenhuma folha, perdi meu tempo e ainda tive que pagar. Nessas horas vêm à mente aqueles clichês “o barato sai caro”. Marcos disse que conhecia outro lugar mais profissional. Realmente era, lá a impressora funcionou. Antes consegui corrigir algumas palavras erradas no corretor ortográfico do Word e alguns erros gramaticais. Pelo menos era o que o processador de texto acusava. Para mim pareceu que tinha ficado legal. Cheguei a questionar o que interessaria a um empregador que estivesse contratando um lavador e manobrista de ônibus de garagem ou mesmo um operário se o pretendente já tivesse projetado uma balança eletrônica, ou tivesse pesquisado sobre instrumentação microprocessada ou qualquer um de meus outros projetos eletrônicos que já havia participado. Eu realmente achei que aquilo poderia mais atrapalhar do que outra coisa, só que se eu não colocasse não iria sobrar quase nada. A minha ingenuidade não permitiu que eu inventasse alguma coisa. A falta de criatividade não deixou eu manipular um pouquinho os dados. Tomei conhecimento dessas flexibilidades bem depois em outro país. Imprimi cinco cópias por via das dúvidas.

Dali Marcos me levou para almoçar no seminário, só tinha imigrantes, a fila não era tão grande quanto poderia ser, ficamos 30 minutos aguardando até conseguirmos entrar, o espaço não era muito grande, cabiam ali no refeitório umas 20 pessoas. Logo na entrada escutei alguém mencionando a palavra “Brasile”, perguntei ao padre chefe se ele conhecia algum brasileiro e ele me apontou uma senhora, era brasileira voluntária, ajudava ali todos os dias, dona Mara. Como era bom voltar a ver um compatriota, pena que ela estava atarefada e nos falamos pouco, a fila precisava andar. Um ponto que ela me falou e não conseguia tirar da minha mente mais era que um passaporte italiano como o meu era vendido no mercado negro por uns vinte mil euros, não sei se era verdade, ela podia estar viajando, essas coisas as pessoas costumam exagerar, fazer sensacionalismo, mas o estrago já tinha sido feito. A atenção do Marcos em mim passou a fazer mais sentido. Que tormento.

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