sábado, 21 de outubro de 2006

46 – Padre David.

Mais uma vez eu tinha depositado expectativas demais e me frustrei com isso, que coisa mais chata. Depois de concluir que já não tinha mais nada a fazer ali, tratei de bater em retirada, bem lentamente, como esperando que algo acontecesse. Aquela menina que tive uma simpatia logo no início estava saindo de uma das salas na hora que eu estava passando.

– Deu certo o que você veio fazer aqui? – Me perguntou ela.

– Não. Parece que eles só estão ajudando às mulheres.

– Que absurdo! Onde já se viu! Eles não estão nem aí para a gente. Para mim disseram que eu precisava ter documentos para poderem fazer alguma coisa.

– É?

– Isso aqui é uma enganação! Essa gente só vem aqui para enrolar a gente.

Nossa! Ela parecia indignada mesmo, e por mais que eu tentasse entender a lógica de raciocínio dela não estava dando conta de acompanhar. Mesmo com tanta revolta ela não recusou os mantimentos, estava com a sacola cheia.

– E de onde você é?

– Eu sou da Venezuela, me chamo Elizabeth e você?

– Meu nome é Fabriciu, eu sou brasileiro. Prazer.

Ela tinha jeito de brava e de não ficar com nenhuma dúvida, ela falava mesmo. Como dizem no jargão popular, "ela metia a boca". Ficamos conversando mais um pouco, logo na saída do prédio onde estávamos, embaixo de uma árvore. Naquela altura tinha passado mais três jovens bolivianos e se juntado a nós para conversarmos, logo depois um padre começa a conversar com a gente em espanhol. Ele explicava que esteve na Bolívia por uns 12 anos, mas que lá recebia um salário do nível da Itália e por isso conseguia viver bem em um país diferente do dele e não era o que acontecia com os imigrantes que vinham para a Itália mesmo tendo consciência de quanto um boliviano ganhava lá e a sedução que o salário de um sub-emprego italiano exercia sobre aquele povo. Disse que não se podia fazer muita coisa agora porque o carabinieri estava pressionando sua instituição e poderiam se envolver numa encrenca grave com a lei arrumando emprego para ilegais no país, ele estava sendo obrigado a restringir a ajuda. Daí que ele se apresentou como o padre David o responsável por tudo aquilo, contava com muito orgulho que foi ele quem criou tudo. Ele gostava de conversar com a gente, dava para perceber. Daí ele nos perguntou como tinha sido o tratamento e se estava tudo certo. Todo mundo estava confirmando, depois da explicação que ele deu, mas Elizabeth não se deteve e deu uma pequena demonstração de seu descontentamento, falou um monte e seu maior trunfo era eu.

– ... olha ele, por exemplo, tem cidadania italiana e disseram que para homens eles não estavam fazendo nada!

– Como assim? Eu disse a eles que devem ajudar a todo mundo que estiver em condições de trabalhar! Quem foi que disse isso a você meu jovem?

– Foi uma senhora da entrevista.

– Venha me mostre ela para eu ver.

Ele quase me arrastou de volta, nem deu tempo de me despedir da minha nova amiga Elizabeth, dei um tchau meio de relance e segui o padre. Lá em cima ele passou o sermão na senhora que me entrevistou, disse que todos que estivessem com a documentação em ordem deveriam ser auxiliados em tudo. Ela tentou contra-argumentar com alguma coisa que até hoje não sei o que era, não adiantou, o padre estava irredutível. Ela pediu para que eu me sentasse e perguntou meu endereço, telefone e se eu tinha alguma aptidão em especial. Daí ela disse que se tivesse alguma novidade me ligava. Todo o tempo, desde quando tinha deixado Elizabeth até quando voltei não levou mais de 8 minutos, por isso ela continuava lá, me esperando.

– E aí? Deu certo? O que eles disseram?

– Disseram que se souberem de alguma coisa me ligam.

– Legal... Vem... Vamos ali naquela casa lá no fundo que eles estão dando roupas e calçados.

Ela tinha se informado sobre mais alguma coisa para levar enquanto estive lá em cima. Não estava interessado em nada, nem sabia escolher, toda minha vida nunca escolhi nada de vestuário para mim, sempre tive alguém que fizesse isso em meu lugar. Fiquei lá assistindo os outros se divertindo com tantas bugigangas. – Se minha esposa estivesse aqui iria se divertir também. – Pensei comigo. Quando estávamos procurando o caminho de volta apareceram umas garotas, conhecidas de Elizabeth, e a chamaram para voltar de carro com um senhor que as havia oferecido carona, não cabia eu. Ela ficou na dúvida, mas aí eu insisti para que ela fosse e ela decidiu ir, antes, porém pediu meu número do celular e disse que iria perguntar para uns parentes sobre trabalho numa oficina mecânica que um deles trabalhava e me avisaria se tivesse alguma novidade. Também disse que ia combinar alguma coisa para o final de semana em sua casa. Tudo normal. Era costume a gente trocar telefones e as pessoas, principalmente os bolivianos, adoravam dizer que iam perguntar para seus parentes e me ligariam se soubessem de algo, naquele dia mesmo eu tinha trocado telefones com mais duas pessoas além de Elizabeth. Creio que esse hábito faz parte de alguma etiqueta entre estrangeiros. É uma maneira de dizer que foi com a sua cara. Não significava nada além disso, já estava imune àquilo. Quando estava voltando para o ponto de ônibus mesmo, eu ajudei duas mulheres a carregar uma mala cheinha de donativos e lá, enquanto a gente esperava, elas pegavam meus dados. Isso era normal e não custava fazer o pior que poderia me acontecer era ninguém ligar, e era o que acontecia mesmo.

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