sexta-feira, 20 de outubro de 2006

45 – Paradigmas quebrados.

Depois de um tempo na fila já não tinha como continuar lendo meu jornal, já estava íntimo de todas. Eu não era o único homem ali, mas éramos a minoria simplesmente como reflexo da distribuição dos estrangeiros em relação ao sexo, as mulheres eram maioria em Bérgamo. Aquela garota que no início achei carismática também estava na fila, meio distante de mim, mas conversava com ela também. Talvez o termo mais correto para usar com ela seja afinidade, é uma daquelas raras ocasiões que encontramos uma pessoa com sintonias semelhantes onde existe reciprocidade, situação raríssima, diga-se de passagem, para que perdure só isso não é suficiente. Trocávamos algumas palavras assim como com as demais, enquanto um forte cheiro de café se espelhava pelo corredor onde se encontrava a fila. Eu ainda sem comer nada, minha barriga começou a se queixar, um cafezinho ali viria a calhar ainda mais quando não tinha provado nem uma gota do café italiano, tão famoso. – Será que eles vão servir para a gente? Não. Tem muitas pessoas aqui, não é possível. – Pensei comigo.

Eu tinha uma desconfiança em relação ao café. Nunca tive vontade política de comprovar. Sempre diziam que essa bebida vicia e quando o indivíduo habituado a degustá-lo passa por uma abstinência por um curto período chega a dar até dor de cabeça. Pois é, para todo pesquisador que se preze uma xícara de café é o momento mágico para espairecer, sair da sua mesa de profunda concentração para conversar um pouco, se distrair e poder reordenar o raciocínio, então por causa disso se toma várias xícaras por dia, e isso é uma coisa que nunca falta sete dias por semana, café. Como que eu poderia saber se tenho o tal do vício ou não? Não estava disposto a parar de beber só para comprovar uma teoria que poderia ter sido inventada por algum cônjuge farto de ter que preparar o café para o seu parceiro, afinal a quantidade de cafeína é muito pouca para chegar a viciar uma pessoa. Era isso o que eu pensava. Desde que saí do Brasil, nunca mais tinha colocado uma gota de café na boca. Bem, no começo tinha o chá de Nescafé que Sandra preparava, mas eu dispensei no terceiro dia e desde então nem o chá eu tomava mais. Resultados obtidos: nenhuma dor de cabeça ou boca seca ou qualquer outro sintoma desagradável que indique algum vício. Nossa! Eu não era um viciado!

Naquela manhã eu finalmente pude conhecer o café italiano, vieram os voluntários com bandeja e xícara para nos servir. Depois de tanto tempo o sabor vem mais potencializado, que delícia! Pena que não deu para repetir. Também, seria muita folga!

Começaram a atender e logo foi a minha vez. Que decepção. O que eu entendi, pois falavam um italianol (italiano + espanhol) sofrido, foi que para homens eles não estavam procurando trabalho, só para "le donne" (as mulheres). Caspita! Depois tinha outras seções que eles davam roupas e outra que davam comida para cozinhar em casa, todo mundo enchia o saco de donativos, já iam preparados. Essas coisas eles davam para homens também. O que estava me interessando naquele momento era só trabalho mesmo. Os mantimentos eu estava dispensando. Eu ainda estava animado com minha aparente diminuição de massa adiposa, não sabia se estava emagrecendo efetivamente, pois todo o tempo que estive fora do Brasil não me pesei uma única vez.

Nenhum comentário: