quinta-feira, 12 de outubro de 2006

38 – Quem é realmente Marcos.

Já tinha passado metade do dia ao lado de Marcos e até aquele momento tinha ficado com as orelhas de pé em pelo menos duas ocasiões, o pior estava por vir. Ao voltarmos do bingo passamos por aquele mesmo parque obscuro e Marcos voltou a comentar sobre sua amiga croata, dessa vez não teve como despistar, ele foi entrando.
– Vem Fabriciu? Vamos descansar um pouco, tem um chafariz para beber água lá dentro.
Imediatamente fiquei imobilizado.
– Não vai dar. Agora não. Preciso ir ali e já volto.
Fui saindo sem dar tempo a ele de perguntar para onde eu estava indo porque não fazia a menor idéia do que iria fazer. Num primeiro momento me passou pela cabeça de largá-lo e seguir minhas atividades diárias sem ele e depois eu inventaria alguma desculpa de desencontro, daí passei em frente a um supermercado que estava logo ali perto e me lembrei que precisava ir ao banheiro, lá dentro me informei e me levaram para a área do estoque, levou um bom tempo até sair de novo, aí resolvi passar em frente ao parque de novo, Marcos estava bem na entrada, encostado no portão com cara fechada, expliquei a ele onde eu estava.
– Porque você não me disse que era isso? Tem um banheiro bem ali olha.
– Não tem importância, agora já foi. E sua amiga? Estava aí?
– Não. Ela é muito boa gente, você iria gostar de conhecê-la. Pena que não veio... Bem... Agora a gente pode ir a um hotel, estavam recolhendo currículo outro dia. Vamos lá?
O hotel ficava em outra direção, foi mais outro tanto de caminhada, atravessamos a linha do trem e passamos perto do seminário do padre Estéfano. Eu ainda precisava falar com ele. Cada lugar que passávamos eu ficava imaginando se ali seria possível acontecer alguma emboscada e como isso ocorreria. De repente Marcos estaria me levando para cima e para baixo com a desculpa de me apresentar a seus contatos de trabalho, mas na realidade estaria buscando seus comparsas. Tantas coisas que passavam pela minha cabeça. Também pensava pelo outro lado, e se fosse tudo neura da minha cabeça? Estaria perdendo uma boa oportunidade de amizade, alguém que eu pudesse contar. Tudo foi pesado na balança e a conclusão que havia chegado até aquele momento era que valia a pena correr aquele risco, mesmo estando de posse naquela hora da única coisa que supostamente, segundo Mara, interessaria a um bandido, meu passaporte italiano. Próximo do hotel passamos por detrás de um condomínio, tudo deserto, deserto demais com pouco lugar de alguém se esconder, sem problemas, fora de perigo. Finalmente avistei o demorado hotel, era internacional de padrão executivo. Dessa vez Marcos entrou comigo e foi ele que conversou com o recepcionista, e como de praxe, me pediram para deixar aquele pedaço de papel com dados para contato dentro que não estava me servindo para nada. Deixei.
Na volta, como sempre, fizemos um caminho diferente, claro que suspeitava daqueles caminhos diferentes, ele dizia que era para eu ir conhecendo os lugares melhor e foi quando passamos pelo meu terceiro momento de sufoco naquele dia. Estávamos caminhando e quando me dei conta era um estacionamento gigante e deserto. Putz! Olhei para um dos lados e na parede, meio distante de nós, na entrada estavam uns mendigos maltrapilhos deitados na grama, barbudos e mal encarados, comecei a olhar em minha volta e o lugar era sujo, com as paredes ao redor todas pichadas, cheio de lugares ideais para alguém se esconder. Meu Deus! O que faço? Deu-me vontade de sair correndo. Se fosse a emboscada que passei o dia inteiro prevendo iria me safar, só que nunca ia ter certeza de saber o que era realmente, além de não cair bem uma cena daquelas. Deixei Marcos ir caminhando mais à minha frente de modo que ele não me visse direito e me distanciei um pouco dele, comecei a ficar olhando para todos os lados compulsivamente. Naturalmente ele foi diminuindo o ritmo para se realinhar comigo, eu diminuía mais ainda. Deu certo, passamos por aquele pedaço sem maiores surpresas. Que alívio.
Depois de um dia inteiro caminhando e conversando e todas as minhas doideras sistematicamente derrubadas me aproximei mais dele, conheci melhor da sua vida e passei a classificar as histórias que ele havia me contado como verídicas. Felizmente tudo não passou de um alarme falso por minha parte, a intuição parecia ter errado de longe e consegui passar por aquilo sem cometer uma gafe. Sempre associo essa passagem de minha vida à arte da política, não sei ao certo porque, essa associação que faço é involuntária.

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