quarta-feira, 11 de outubro de 2006

37 – O bingo.


– Para onde estamos indo Marcos?

– A uma casa de bingo, o dono está abrindo um novo ponto e estava precisando de gente com documentos.

Caminhamos muito. Fomos para um lado que não havia conhecido ainda. O fato de essa cidade ter as ruas tortuosas deixa qualquer um confuso, mas reconheci a praça triangular que fomos pegar o irmão de Sandra naquela noite que saímos para a balada à noite inclusive a banca de jornal que ele estava apoiado enquanto nos esperava. De carro parecia que tínhamos dado uma volta enorme igual ao tempo que estávamos caminhando. Tínhamos passado em frente ao quartel general do carabinieri, passamos do lado de um parque sombrio, como daqueles dos filmes de suspense todo cercado por muro e casas do lado, muito diferente dos parques tropicais que eu estava acostumado a ver, Marcos dizia que tinha combinado com uma amiga croata de se encontrar naquele parque, eu não entraria ali com ele por nada, eu vi por entre as grades do muro um grupo de caras suspeitas bebendo nos bancos, tudo muito sinistro, apertei o passo para desestimular Marcos de tentar entrar ali, deu certo. Passamos em frente ao seminário que serve comida. Finalmente chegamos na rua do Bingo, que logo deu para ver, parecia uma casa modesta com letreiros que denunciava ser bingo.

– Fabriciu, o nome do gerente da casa é Federico.

– Ok. Você não vem?

– Não, eu vou esperar aqui em frente. Não se preocupe, ele fala espanhol.

Caramba! Porque Marcos não quis entrar comigo? E se enquanto vou procurar alguém que ele diz existir, Federico, Marcos sai para buscar algum comparsa? Tantas coisas que passavam pela minha cabeça. Afinal a tal da intuição pode ser uma farsa e não existir complô nenhum, poderia ser só coisa da minha imaginação. De todas as suposições que fiz rapidamente naquele momento a mais racional que me pareceu foi deixar rolar por enquanto. Atravessei a rua em direção à casa de bingo, entrei dentro do quintal e atravessei o jardim até a entrada e finalmente encontrei a porta, fiquei um tempo parado dentro, no átrio, e aproximadamente dois minutos depois coloquei minha cabeça para fora para dar uma espiada lá fora, Marcos continuava ali firme e distraído, parecia ter a intenção de me esperar mesmo. Fiquei mais aliviado e adentrei a casa, estava vazia com apenas uma menina vestida com uniforme de faxineira zanzando por ali, perguntei por Federico a ela.

– Olá. Eu queria falar com Federico, por favor. – Fiquei ensaiando essa pergunta em italiano antes de fazê-la para a pessoa que encontrei.

– Ele está ali.

Apontou-me para uma sala separada por vidro da sala principal, era a ala dos fumantes, ele estava usando uma das mesas de jogar como escritório vendo uns papéis. Fui lá falar com ele.

– Oi, estou procurando trabalho.

– Trouxe um currículo?

– Sim aqui está.

– Muito bem, só tem um problema: vamos abrir um novo posto para daqui três semanas aproximadamente e se você estiver disponível até lá nós te chamaremos.

– Tudo bem, estarei às ordens.

Despedi-me e retirei. Em três semanas eu tenho obrigação de estar arrumado, imagine ficar tanto tempo assim parado. Era uma coisa incogitável. Federico era sorridente, um típico chefe mafioso, de aparência, usava óculos com uma cor amarelo-amarronzado, se era de fato um chefe mafioso eu não fazia a menor idéia. Parecia interessante trabalhar ali, dava a impressão de que seria divertido transitar pelas pessoas se divertindo com música e distraídas com a jogatina. Remetia-me àquela visão romântica dos filmes de cassino, todo mundo elegante, era sedutor a idéia. Enfim, voltei para fora e lá estava Marcos, com aquele ar sério, olhos semicerrados, penteado engomado para o lado, de braços cruzados me aguardando, igual àqueles galãs de filme indiano, ficou imóvel até eu chegar.

– E aí? Deu certo?

– Ele disse que quando abrir a nova loja ele vai me chamar.

– É certeza que ele chame, ele ia dar um trabalho para mim, só não deu porque eu não tinha documento.

Naquela altura já estava tarde, por isso fomos para o seminário para almoçar. Estava aquela fila enorme e ficamos mais uns 40 minutos esperando. Não tinha condições de ficar indo ali para almoçar todos os dias, além de o horário ser fora de hora se perdia muito tempo na fila, mas tudo bem, de vez em quando dava para encarar, afinal a comida era boa e tipicamente italiana.

Lá dentro procurei pela minha amiga brasileira, dona Mara, mas ela tinha faltado naquele dia. Na primeira vez que tinha ido lá ela pegou meu currículo e deu para o padre chefe, disse que ele tinha muito contato com empresários que ajudavam a entidade, infelizmente não surtiu muito efeito, ninguém havia me chamado. Fomos quase os últimos da fila e por isso não conseguimos muita comida, para mim estava bom, Marcos que reclamou.

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