segunda-feira, 16 de outubro de 2006

41 – O visitante.

Final de semana chocho, não dava para conversar com ninguém, não encontrava uma só pessoa apta, até chegarem as visitas. De cima escutava as gargalhadas da bagunça que formava lá em baixo, seguido com intervalos prolongados de silêncio. Para combater o tédio fui dar uma volta, as ruas nos finais de semana ficavam cheias de gente, o povo europeu adora sair, para dar uma volta, se sentar no café. Vira e mexe encontrava pessoas com verdadeiros uniformes do Brasil, bonés verde-amarelo, camisetas, tênis e quando perguntava não eram brasileiros, uns dois anos antes as roupas com temas brasileiros era febre entre os europeus, todavia se encontrava um resquício dessa febre nos tempos que estive por lá. Andava sem rumo pelas ruas, esquadrinhava os pontos que pudessem ser úteis durante a semana. Descobri uma igreja Presbiteriana bem ali perto de Porta Nuova e vi os horários de funcionamento. No outro dia de manhã resolvi fazer uma visita à escola dominical para conhecer. O recinto era constituído por uns 35% de negros, com roupas bem coloridas, era a turma mais animada que cantava batendo palmas, quase dançando. Não percebi nenhum tipo de separação entre os diferentes grupos étnicos que por lá se encontravam, se bem que estive lá apenas uma vez, não é suficiente para se ter muita noção, ninguém veio me cumprimentar como era de costume nas igrejas protestantes do Brasil nem pediam para os visitantes se colocarem em pé para que conhecessem ou algo do gênero, sai do mesmo jeito que entrei. Apesar do estilo mais descontraído dos negros de cantarem, a liturgia não fugia do estilo tradicional, eram até mais formal que aqui.

Descobri, por acaso, que as meninas no quarto, com exceção da Mercedes, gostavam de conversar em quechua, um dialeto indígena da nação Quechua, concentrada principalmente no vale de Cochabamba na Bolívia. Acredito que seja o idioma mais praticado por lá, até mais que o espanhol, essa informação só não é disseminada porque só a população mais pobre pratica esse idioma com fluência. Às vezes eu percebia que elas estavam conversando e eu não conseguia distinguir nada, ficava inquieto com aquilo, até que resolvi perguntar.

Mercedes estava ficando cada vez mais insuportável e já não conversava muito com ela, parecia estar tendo uma recaída, sempre quando estava grogue desabafava de sua condição, de estar de muletas. Ela estava acostumando a chegar nas altas horas da noite fazendo o maior barulho, dando gargalhadas, não respeitava o sono de ninguém, parecia uma menina mimada. David e Sandra, os mais prejudicados, por trabalharem no outro dia não falavam nada, se ela soubesse ia ser pior, a intenção era justamente irritar os dois e se soubesse que estava conseguindo ia ser pior. Qualquer pessoa que a conhecesse de longe, diria que Mertche era uma garota de princípios, com modos de gente, que tinha a cabeça feita. As aparências são mesmo uma peça, pelo menos naquele novo mundo que estava conhecendo, todos se preocupavam em manter uma aparência, eram como papagaio, só que ao invés de reproduzir vozes reproduziam poses de gente importante sem saber para que servia, qual o significado disso. As visitas, os homens principalmente, realizavam verdadeiros discursos nas conversas, com uma imponência e seriedade inabalável e quando fosse ver o conteúdo não parecia ser compatível com toda aquela cena, na maioria das vezes era para se autopromoverem, contando de como são. Era daí que surgiam as brigas, parecia que brigavam para provar o ponto de vista mais correto, para se impor. Era um povo curioso, muito hospitaleiro não tinha do que me queixar, faziam questão que eu bebesse um copo de cerveja, e ai de quem recusasse um convite, se ofendiam. Todos da casa diziam às visitas que eu não bebia, se assustavam, mas mesmo assim um copo eu tinha de beber. Tinha a prima de Maria que sempre ia lá, segundo suas palavras sofreu muito quando chegou. Acho que não conheci ninguém que não tivesse sofrido muito naquele lugar. Ela deixou seu marido e foi para Bérgamo, ficou muito tempo sozinha, sem ninguém, se acabava com a cerveja, conseguiu enxergar que estava se destruindo, um dia deu um basta em tudo, se converteu para a religião dos “Testigos de Jeova”, Testemunhos de Jeová, parou com tudo e passou a combater a bebida entre todos, ela adorava me usar como exemplo, quando estava por perto puxava assunto para que eu falasse, eu era uma voz nova para ajudar em seu discurso. Marcos lutava contra também, dizia que ia parar de vez, no outro dia lá estava ele derrubado de novo, falava que sempre estava precisando de dinheiro para coisas importantes e ninguém nunca tinha para lhe emprestar, mas que um copo de cerveja não faltava, nem quando não estava procurando isso alguém aparecia e o intimava a tomar junto. Eu sempre tentava influenciá-lo positivamente, às vezes acreditava que estava conseguindo, era só chegar o próximo final de semana que recomeçava de novo o drama.

Nesse final de semana havia conhecido muitas pessoas, conheci uma irmã de Sandra, conheci a prima de Maria, um compadre de Jorge, a irmã de Maria que já tinha visto na festa na semana passada foi quem levou sua prima. A diferença em relação à outra semana, é que foi mais sossegado, deu para estreitar a amizade com Marcos, uma boa pessoa, felizmente consegui desfazer a má impressão que ele me causou no começo. O problema dessa confusão que me vi envolvido com ele era que ele pareceu vir tentar me ajudar com muita sede ao poço, foi uma atitude desproporcional. Ele não era nenhum bobo, já andou muito por aí e sabe da importância que existe em formar laços de amizade, uma rede de contatos, a vida da gente fica muito mais fácil quando se tem gente espalhada por aí disposta a nos dar uma mão e transformando-as em amigos as coisas ficam mais simples. Um aventureiro mais do que ninguém conhece a real importância de se formar essa rede.

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