sábado, 28 de outubro de 2006

51 – Deixados para trás.


Talvez o principal motivo de pessoas provenientes de diferentes nações reunidas em um país estranho terem maior afinidade entre si seja a similaridade de histórias que passaram até estarem ali, mais do que o povo da pátria hospedeira ser hostil, mais do que a barreira do idioma. Praticamente todas as pessoas que conheci tiveram que deixar entes queridos para trás, alguns chegaram no estremo dos limites do suportável como Maria, a prima da irmã de Elizabeth. Maria deixou três filhos na Colômbia, em Calcutá, quando eles eram criancinhas, o mais velho deles estava entrando na adolescência com apenas 12 anos de idade. Maria deixou-os em sua casa com algum dinheiro para passarem um tempo até conseguir arrumar um emprego, o mais velho passou a cuidar dos irmãos mais novos, no começo ela ficou dois anos sem vê-los até conseguir regularizar os documentos, agora ela estava pensando em trazer o mais velho antes que esse completasse 18 anos, depois disso perderia o direito de ser regularizado, o que estava prestes a acontecer. Ela dizia que não podia se preocupar em estar junto, ela precisava primeiro garantir a sobrevivência e o futuro deles para depois pensar nisso, me falava com tanta segurança e autoridade que eu estava quase acreditando. A minha amiga, Elizabeth, deixou uma filha de 9 anos de idade com seus pais. Ela era separada e o ex-marido queria tomar a criança dos pais dela de qualquer jeito, chegou a apresentar na justiça uma história de que ela tinha ido para a Itália para trabalhar como prostituta. Ela queria morrer, sempre chorava. Ela e seu cunhado chegaram à Itália um dia depois de mim. Federico veio porque sua mulher tinha documento e podia regularizar ele. Ele trouxe o filho de 10 anos junto, a criança era criada pelo pai na Venezuela, a mãe abandonou os dois fazia já alguns anos para ir trabalhar fora. Finalmente Pilar, como não podia ser exceção deixou o filho novo na Colômbia e agora que estava se arrumando com o namorado italiano, vivendo junto com ele, e com o apoio dele estava planejando trazê-la ainda no final daquele ano. Com tantas histórias de abandono eu não tinha o direito de reclamar.

As duas veteranas faziam faxina em várias casas, eram inteligentes, ao contrário das minhas amigas bolivianas que preferiam se dedicarem a uma senhora idosa ou trabalhar apenas em uma casa em troca de um subsalário, as colombianas de modo geral, faziam faxina em várias casas, um em cada dia, eram profissionais liberais mesmo, tiravam um bom dinheiro para os padrões de seu país, só se envolviam com velhinhas se a grana era boa. No começo, assim que Maria chegou, ela cuidava de senhoras, e de tanto se envolver com elas acabou fazendo parte de um grupo teatral para idosos, viajava pelo país inteiro com o grupo. Nas redondezas de seu apartamento cumprimentava todas as senhoras de bengala que passavam. Muito ativa essa Maria, uma graça de pessoa. Para Elizabeth estava sobrando alguns serviços que as duas não davam conta de pegar, ela já estava limpando a casa de um senhor uma vez por semana quando a conheci enquanto eu nada ainda.

Naquele dia fomos à casa de um parente delas, ali perto, dava para ir à pé. O padrão segue o mesmo. Primeiro foi a mulher deixando três filhos com o pai, depois que conseguiu documentos os quatro vieram e se regularizaram também, aquela era uma autêntica casa nos moldes tradicionais que se conhece por aqui no Brasil, a família toda moravam juntos, estruturada, ele acabou arrumando um ótimo serviço de torneiro mecânico numa fábrica da patroa de sua esposa, que era riquíssima. A casa era ampla com tudo o que tinha direito e o melhor, estavam todos juntos muito bem instalados. Aquele foi um dos raros exemplos de uma família que se deram bem, mesmo tendo que passar por um período de privações e muita tensão, no final deu tudo certo.

Nenhum comentário: