terça-feira, 31 de outubro de 2006

52 – Viva a Colômbia!

Quando havíamos chegado nessa casa de família, parecia ter havido alguma festa, a mesa ainda estava posta. Naquela altura já tinha se passado a hora do almoço. Havia lá um rapaz que trabalhava durante a semana em Milão numa oficina mecânica e sua namorada morava com essa família, parentes de Elizabeth, todos colombianos. A casa estava cheia, fui obrigado a reparar no contraste, ninguém bêbado. Todos numa boa se divertindo num clima agradável, descontraído, familiar. Havia garrafa de vinho vazia, uma só, nenhum vestígio de cerveja. Era como se eu estivesse em outro país. Lá conheci uma mexicana, uma contemporânea honorária minha, já que me sinto um pouquinho de mexicano também, ela era casada com um nigeriano e já tinham dois filhos. Lá fora era comum essa miscigenação entre estrangeiros só que no caso deles o casamento foi arranjado. Um patriarca de uma seita que prega a mistura das raças, periodicamente esse sacerdote realiza um ritual num lugar da Coréia do Sul e se dirige a um painel cheio de fotos de gente de todas as partes do mundo, seguidores dele, então ele pega as fotos de acordo com suas premonições, e forma os parceiros que deverão se casar e já se casam ali na hora mesmo. São pessoas que entregam nas mãos dele o destino de suas vidas. De acordo com eles todos os casamentos deram certo, eles eram missionários dessa seita, que pregam a família acima de qualquer outra coisa. O idioma que o casal usava na intimidade era o italiano, cada um tinha o seu próprio do país de origem, os filhos deles falavam espanhol além do italiano, estavam acostumados a brincar com seus amigos hispânicos, não falavam o idioma do pai. Passamos o resto do dia naquela casa e depois, no final do dia, voltei para minha realidade.

Dia movimentado, só estavam David e Sandra com visitas, eram as duas irmãs de Sandra com seus respectivos namorados, estavam fazendo uma pequena festinha, com a famosa Cúmbia de tema musical. Acontecem certas coincidências bizarras de vez em quando. Naquela época estava estourando uma dessas músicas cuja letra tratava da traição de uma mulher a tradução do refrão para o português era mais ou menos assim "... outra noite tu saíste com ele esta noite tu ficaste com ele..." e assim por diante. Aconteceu que uma das irmãs de Sandra, que eu havia conhecido naquela hora, se encantou com a minha pessoa. Na frente do namorado! Começou a puxar conversa e se aproximar demais de mim, sem nem tentar disfarçar, David me chamava para um lado para me afastar dela e dali a pouco ela vinha, o namorado a puxava para conversar e ela ficava irritada. Chegou uma hora que ela lhe meteu um tapa na cara! Depois daquilo ele encostou-se ao sofá largando-a e fechou os olhos. Todo mundo fazia de conta que não acontecia nada. Que coisa horrorosa. Nunca nem tinha imaginado um situação daquelas. Se eu subisse podia acontecer de ela ir atrás. O que achei mais curioso foi a postura do namorado, a moça o repudiava, maltratava, xingava e ele continuava no pé dela, nem parecia se importar com aquela humilhação. Felizmente logo arrumaram uma desculpa para todos saírem dali. Acabei sendo o pivô do fim de uma festa.

sábado, 28 de outubro de 2006

51 – Deixados para trás.


Talvez o principal motivo de pessoas provenientes de diferentes nações reunidas em um país estranho terem maior afinidade entre si seja a similaridade de histórias que passaram até estarem ali, mais do que o povo da pátria hospedeira ser hostil, mais do que a barreira do idioma. Praticamente todas as pessoas que conheci tiveram que deixar entes queridos para trás, alguns chegaram no estremo dos limites do suportável como Maria, a prima da irmã de Elizabeth. Maria deixou três filhos na Colômbia, em Calcutá, quando eles eram criancinhas, o mais velho deles estava entrando na adolescência com apenas 12 anos de idade. Maria deixou-os em sua casa com algum dinheiro para passarem um tempo até conseguir arrumar um emprego, o mais velho passou a cuidar dos irmãos mais novos, no começo ela ficou dois anos sem vê-los até conseguir regularizar os documentos, agora ela estava pensando em trazer o mais velho antes que esse completasse 18 anos, depois disso perderia o direito de ser regularizado, o que estava prestes a acontecer. Ela dizia que não podia se preocupar em estar junto, ela precisava primeiro garantir a sobrevivência e o futuro deles para depois pensar nisso, me falava com tanta segurança e autoridade que eu estava quase acreditando. A minha amiga, Elizabeth, deixou uma filha de 9 anos de idade com seus pais. Ela era separada e o ex-marido queria tomar a criança dos pais dela de qualquer jeito, chegou a apresentar na justiça uma história de que ela tinha ido para a Itália para trabalhar como prostituta. Ela queria morrer, sempre chorava. Ela e seu cunhado chegaram à Itália um dia depois de mim. Federico veio porque sua mulher tinha documento e podia regularizar ele. Ele trouxe o filho de 10 anos junto, a criança era criada pelo pai na Venezuela, a mãe abandonou os dois fazia já alguns anos para ir trabalhar fora. Finalmente Pilar, como não podia ser exceção deixou o filho novo na Colômbia e agora que estava se arrumando com o namorado italiano, vivendo junto com ele, e com o apoio dele estava planejando trazê-la ainda no final daquele ano. Com tantas histórias de abandono eu não tinha o direito de reclamar.

As duas veteranas faziam faxina em várias casas, eram inteligentes, ao contrário das minhas amigas bolivianas que preferiam se dedicarem a uma senhora idosa ou trabalhar apenas em uma casa em troca de um subsalário, as colombianas de modo geral, faziam faxina em várias casas, um em cada dia, eram profissionais liberais mesmo, tiravam um bom dinheiro para os padrões de seu país, só se envolviam com velhinhas se a grana era boa. No começo, assim que Maria chegou, ela cuidava de senhoras, e de tanto se envolver com elas acabou fazendo parte de um grupo teatral para idosos, viajava pelo país inteiro com o grupo. Nas redondezas de seu apartamento cumprimentava todas as senhoras de bengala que passavam. Muito ativa essa Maria, uma graça de pessoa. Para Elizabeth estava sobrando alguns serviços que as duas não davam conta de pegar, ela já estava limpando a casa de um senhor uma vez por semana quando a conheci enquanto eu nada ainda.

Naquele dia fomos à casa de um parente delas, ali perto, dava para ir à pé. O padrão segue o mesmo. Primeiro foi a mulher deixando três filhos com o pai, depois que conseguiu documentos os quatro vieram e se regularizaram também, aquela era uma autêntica casa nos moldes tradicionais que se conhece por aqui no Brasil, a família toda moravam juntos, estruturada, ele acabou arrumando um ótimo serviço de torneiro mecânico numa fábrica da patroa de sua esposa, que era riquíssima. A casa era ampla com tudo o que tinha direito e o melhor, estavam todos juntos muito bem instalados. Aquele foi um dos raros exemplos de uma família que se deram bem, mesmo tendo que passar por um período de privações e muita tensão, no final deu tudo certo.

quinta-feira, 26 de outubro de 2006

50 – Casa de família.

Ao chegar no Hall de entrada encontro uma porta aberta entre outras três, só pode ser o apartamento dela. Dou um leve toque e surge minha amiga.

– Oi Fabriciu! Como vai? ... eu estava dormindo quando você chegou...

Saudou-me sorridente, estava com roupa de dormir ainda e a cara inchada.

– Entre aqui na cozinha, vou te apresentar a prima de minha irmã Pilar, Maria.

– Olá! Tudo bem? Prazer.

– O prazer é meu, me chamo Fabriciu.

A casa era bonita, aconchegante. Ambiente tranqüilo, tudo arrumado, limpo. Nossa! Eu estava até esquecendo como era uma casa de verdade. Aquele foi um momento de reflexão, de perceber os contrastes, a primeira vontade que me bateu quando bati os olhos naquela casa era de me mudar para lá. Fiquei na cozinha com Maria, sentado à mesa esperando Elizabeth se trocar, não tinha muito que conversar. Tentava fazer algumas perguntas para o tempo passar. Ela parecia concentrada com outra coisa, estava calada e logo se retirou para dentro. Assim que se entrava no apartamento tinha uma pequena sala-corredor com uma poltrona de um lugar à esquerda que ligava a sala principal, que foi transformada em quarto onde Elizabeth dormia e antes era o quarto de Pilar, a irmã que a trouxe e vivia com o namorado italiano, na primeira entrada à direita, em seguida, ao lado, vinha a porta da cozinha e de frente com a entrada principal, atravessando a sala-corredor tinha outra porta que separava a parte íntima do apartamento da social, logo de cara era o banheiro e depois os dois quartos que eram ligados pelo corredor ao atravessar a porta que separava essas partes. Era um apartamento com ar moderno, diferente das construções antigas encontradas no centro da cidade. Senti-me muito bem ali.

Elizabeth voltou e preparou o café da manhã, uma espécie de tortilha colombiana e suco, muito bom por sinal. Fiquei meio sem jeito, não sabia sobre o que conversar e nem como não desagradar a elas, na dúvida, o melhor que se tem a fazer é escutar, não tem como errar. Logo chegou Pilar, a irmã mais velha de Elizabeth, mulher decidida e sincera, palavras firmes. Tudo estava completo agora, conheci as principais pessoas que fazem parte da vida de Elizabeth e todas eram as pessoas da melhor qualidade que eu poderia encontrar. Naquele momento adotei-as como se fosse parte de minha família. Contribuiu para essa dramatização toda a minha solidão naquele país, naquela altura eu já estava começando a ficar saudoso, sentindo falta de minha família, as coisas estavam se repetindo muito, eu estava ficando vulnerável.

Aquelas três quando se encontravam conversavam que nem loucas, rápido e por serem de outro país tinham um sotaque e expressões diferentes do que eu estava acostumado a escutar de meus amigos bolivianos, a maioria das vezes não dava conta de acompanhar a conversa, elas podiam falar de mim que eu nem iria perceber. De vez em quando eu conversava com elas. Elizabeth veio da Colômbia com seu cunhado Federico. Ah sim, ela era colombiana e não venezuelana como tinha se apresentado no começo para mim, o cunhado dela trabalhava na Venezuela numa companhia de TV por assinatura, acho que fazia as instalações nas residências, e tinha uns contatos por lá que providenciaram passaportes venezuelanos esquentados para os dois, porque na Europa era obrigatório visto para os passaportes colombianos e venezuelanos não.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

49 – A caminho de algo sólido.

Este final de semana foi especial, consegui mudar um pouco os ares, mal sabia a Elizabeth na encrenca que ela estava entrando. Combinei com ela de chegar em sua casa às 10:00H da manhã, mas não senti muita firmeza em sua voz, deu a impressão de que era cedo demais. Tinha que se dar um desconto o fato de ter sido uma surpresa ela ter retornado um compromisso informal  comigo de conversar com seus conhecidos sobre mim e ainda de me convidar para conhecer sua casa já na segunda vez com tão pouco tempo de contato, se fosse para contar creio que não estivemos nem duas horas juntos, descontando as interrupções. O duro foi controlar a ansiedade, sempre tive o hábito de levantar cedo demais para os padrões da modernidade, as pessoas querem dormir o máximo possível, principalmente nos finais de semana para tirar o atraso, não consigo fazer isso ainda mais quando tem uma novidade na parada, aí que eu acordo cedo mesmo. Não teve jeito, fui cedo, devagar, caminhando, torcendo para que a distância fosse grande, felizmente pelo contexto do dia e infelizmente para o resto dos meus dias em Bérgamo era. Entrei em um supermercado para ir ao banheiro e enrolei um pouquinho ali. Continuei, a tal da ponte sobre uma rodovia nunca chegava. Reconheci os lugares do caminho, já tinha passado por ali, passei em frente ao parque sinistro que Marcos queria me levar, passei em frente à central dos carabinieris até passar pelo ponto mais distante que já estive por aqueles lados, a rua do cassino onde estive com Marcos, dali em diante era terreno inexplorado. Cheguei a uma ponte que passava sobre um rio, era a primeira vez que estava vendo um fora de trem ou carro. Que coisa maravilhosa! Não tinha nem um cheirinho de esgoto a céu aberto! Só não deu para ver o fundo do rio porque fazia uma sombra forte naquele ponto e estava escuro. Dava a impressão que se podia beber daquela água. Era só impressão, isso eu não podia afirmar com certeza. Não teve como não ficar um tempo apreciando aquilo, era a primeira vez na minha vida que eu estava vendo um rio de pequeno porte passando no meio de um grande centro urbano totalmente límpido e inodoro. Nem imaginava que isso existia. Já vi, por exemplo, o rio Cuiabá passando pela capital de mesmo nome que parece ser limpo, pelo menos era inodoro, mas aquele rio é enorme e a cidade não teve competência suficiente ainda de poluí-lo à altura. Que falta faz uma câmara nessas horas.

Finalmente a tal da ponte apareceu, já estava ficando desconfiado de que tomara o caminho errado, do outro lado da ponte lá estava o prédio, grande, bonito, imponente... Quanto exagero. Era um prédio comum. No portão havia duas campainhas, para cada prédio do condomínio, e não lembrava qual era o sobrenome deles, só o número do apartamento, não me sobrou outra alternativa a não ser chutar, acabei chutando errado era a segunda opção, olhei no relógio, estava no horário, dei uma olhada em volta, ensaiei algumas palavras, pensei no que faria ao chegar lá, respirei fundo e toquei. Minha mais nova amiga atendeu.

– Sim?

– Blu... bla... Ga... ...oi aqui é o Fabriciu...

– Oh! Fabriciu? Espera um pouco... Pronto... Sobe aqui, é no quinto andar.

– Em qual dos dois prédios que eu entro?

– Entra no do fundo, o apartamento você sabe qual é né?

– Sei. Estou indo, obrigado.

Embananei-me todo para começar a falar, deu um nó na minha língua até sair alguma palavra compreensível, devia ser o nervoso. Antes que pensem alguma coisa, dessa vez nem passou pela minha cabeça que poderia ser alguma armadilha, estava tranqüilo e ansioso pelas novas amizades que eu estava prestes a fazer. Mais uma vez minha intuição estava gritando, desta vez me dizia que seria algo muito bom, uma amizade sincera e sólida, aquilo era tão certo quanto um e um são dois e já adianto que minha intuição acertou em cheio, na mosca.

terça-feira, 24 de outubro de 2006

48 – Combinado!

Um novo dia, a velha busca por agências. Ainda na via Quarenghi meu celular toca, olho para o identificador e vejo que é um telefone fixo. Meu coração gelou. – Só pode ser um trabalho! – Pensei ansioso e nervoso. – Será que eu vou dar conta de entender? Será que vou conseguir me comunicar? – Nunca tinha pensado nessa hipótese, comprei o celular só para ter um meio de contato caso surja um trabalho, só que eu nunca tinha pensado se iria adiantar no caso de uma agência me chamar. Tá certo que em comparação de quando cheguei meu italiano avançou a passos largos, mas com certeza faltava muito chão para eu compreender satisfatoriamente uma conversa por telefone, é muito diferente de quando se está cara a cara. Pessoalmente existe a realimentação visual, a pessoa com quem está conversando percebe quando se está compreendendo e pode fazer mímicas e gesticular, e pela expressão da pessoa é possível imaginar o que ela está querendo dizer, por telefone não se pode usar desses subterfúgios. Bem, como gostam de dizer, se a gente está na chuva é para se molhar né? Respirei fundo e atendi.

– Sim?

– Fabriciu? Aqui é Elizabeth.

– Quem? Dá onde é?

– É Elizabeth. A gente se conheceu em Mozzo, na igreja ontem. Se lembra?

– A sim, Elizabeth! Como está? E aí? Deu tudo certo ontem? Chegaste bem com a carona?

– Sim, sim. ...olha, conversei com meus parentes aqui e eles disseram que não tem nada lá onde eles trabalham.

– Que pena, eu sei que está difícil mesmo, não tem problema, valeu pela atenção.

– Conversei com minha irmã sobre você e eles gostariam de te conhecer, você pode vir aqui neste sábado para eu apresentar você a eles? Eu posso te levar para conversar com meus parentes, de repente dá alguma coisa certo.

– Tudo bem... Como a gente faz então? ...me passa seu endereço.

– É fácil, você vem pela via Canozzi e depois que passar a ponte da auto-estrada, é o primeiro prédio à esquerda, depois é só procurar o nosso nome no interfone. Pegue a linha azul, qualquer um que venha para essa direção.

– Legal Elizabeth, eu mal posso esperar para chegar aí, pode me esperar. Um abraço.

Eu mal podia esperar mesmo, nem acreditava que ia passar um final de semana longe daquela melancolia dos “bebuns” da casa. Conhecer pessoas sempre foi um de meus passatempos prediletos.

Esse resto de semana foi realmente movimentado para o meu celular, ele tocou de novo no dia seguinte, desta vez eu já estava preparado para atender em qualquer idioma, o evento com Elizabeth me deu um preparo melhor e veio na hora certa. Foi uma moça que ligara para confirmar meu curso que o padre Estéfano me inscrevera.

– Fabriciu? Estamos ligando para confirmar o curso.

– Que? Curso? – Por um momento eu tinha tido um lapso de memória. – Ah sim! O curso! Eu mal posso esperar para começar ele, estou contando os minutos.


Eu disse tudo isso e a moça me entendeu! Ela até achou engraçado e deu risada do jeito que falei com ela. Achava que eu estava brincando. Que nada, estava falando a sério. Aquele curso era mais do que qualquer outra coisa a grande chance de me aprofundar no idioma conhecendo gente nata dali. Era tudo o que eu estava querendo naquele momento. Eu realmente estava contando os minutos. À parte da novidade sobre meu celular tocar duas vezes, não tive grandes ressaltos, só o costumeiro preenchimento de fichas e caminhadas sem fim.

domingo, 22 de outubro de 2006

47 – Enfado.

A volta para Bérgamo foi tensa. Aquela facilidade de subir no ônibus sem ninguém para dar satisfação me fez esquecer de comprar o bilhete para a volta, quando me lembrei já era tarde demais, e o fato de estar com as duas que ajudara a trazer as malas me desestimulava a descer para comprar, decidi correr o risco. Não valeu a pena, não conseguia conversar tranqüilamente com minhas colegas, fiquei muito nervoso, toda hora que via alguém na estrada já imaginava que poderia ser um fiscal, assim que chegamos nos limites da cidade desci, fiz o resto do caminho a pé mesmo. A melhor coisa que eu poderia fazer era caminhar, só tinha pontos a favor, fazia bem para a saúde, economizava, emagrecia, dava para apreciar a paisagem com mais calma, escutava as pessoas conversando, eu podia ir perguntando coisas a elas, era mais difícil de perder oportunidades das mais variadas, podia ir pensando no próximo passo e pelo menos no meu caso eu não encontrava nenhuma desvantagem, nem a primeira que viria normalmente, a de perder tempo, eu tinha todo o tempo do mundo mesmo. Eu desci no Hospitale, que era o hospital da cidade, um lugar que nunca tinha ido antes, por isso foi confusa minha volta para casa.

Terminei meu dia conversando com o pessoal da casa como de costume. Naquela noite, Mercedes deu um jeito de incomodar de novo. Acordamos com seu Jorge entrando no quarto bravo brigando com, olhe só que coisa, o irmão de Sandra! Num desses lances de sono pesado, nem percebi quando ele chegou, nem percebi o que aconteceu até seu Jorge entrar, não percebi nada! Mercedes convidou o rapaz para dormir com ela, ali no meio de todo mundo! Lembro-me de despertar, rapidamente, algumas vezes durante a noite e escutar uns suspiros e beijos, de Mercedes dizendo, com ar de impaciência e enfado, algo como.

– ...que foi? ...para! ...não, dá um tempo ... droga!

E uma voz masculina sussurrando e tipo rosnando, baixinho. Era uma coisa tão improvável de acontecer ali, com tanta gente, que acredito que meu subconsciente tenha processado aquilo como um sonho, e me fez ignorar o barulho. Só pode.

O seu Jorge entrou com tudo e disse.

– O que você está fazendo aqui? Ninguém pode subir aqui. Tinha que pegar uma pessoa dessas.

– Seu Jorge, me desculpe. Fui eu que trouxe ele, eu garanto que isso não vai mais acontecer. – Interveio Sandra para tentar aliviar a barra do irmão. Enquanto que seu irmão se levantava com cara de quem ainda não se despertou direito. Não via sinal de Mercedes. Não sei para onde ela tinha ido, pois eu estava fingindo que dormia. Antes de Jorge entrar eu vi Sanchez no corredor terminando de subir a escada e apontando para o quarto, em silêncio, foi aí que seu Jorge se tocou e entrou bravo, creio que já tinha havido alguma coisa lá embaixo antes, talvez Mercedes saiu naquela hora sozinha. No outro dia David ouviu Sanchez dando um toque a Jorge que quem trouxera o rapaz tinha sido na verdade Mercedes. David me disse que era mais comum isso antes, quando ela não usava muletas e namorava o filho de Marina, enquanto o pobre de chifres saia com os amigos para tomar, Mercedes trazia os rapazes pra d... para o quarto. Isso foi bem antes de eu chegar. Essa garota estava aborrecendo muito, David planejava em deixar a casa, já não agüentava mais o furdúncio da menina, eu estava muito aborrecido com as sucessivas interrupções de meu sono noturno. Com minhas relações com o pessoal da casa aprofundadas e solidificadas eu me sentia mais à vontade de tomar uma atitude, só estava esperando o momento certo para agir.

sábado, 21 de outubro de 2006

46 – Padre David.

Mais uma vez eu tinha depositado expectativas demais e me frustrei com isso, que coisa mais chata. Depois de concluir que já não tinha mais nada a fazer ali, tratei de bater em retirada, bem lentamente, como esperando que algo acontecesse. Aquela menina que tive uma simpatia logo no início estava saindo de uma das salas na hora que eu estava passando.

– Deu certo o que você veio fazer aqui? – Me perguntou ela.

– Não. Parece que eles só estão ajudando às mulheres.

– Que absurdo! Onde já se viu! Eles não estão nem aí para a gente. Para mim disseram que eu precisava ter documentos para poderem fazer alguma coisa.

– É?

– Isso aqui é uma enganação! Essa gente só vem aqui para enrolar a gente.

Nossa! Ela parecia indignada mesmo, e por mais que eu tentasse entender a lógica de raciocínio dela não estava dando conta de acompanhar. Mesmo com tanta revolta ela não recusou os mantimentos, estava com a sacola cheia.

– E de onde você é?

– Eu sou da Venezuela, me chamo Elizabeth e você?

– Meu nome é Fabriciu, eu sou brasileiro. Prazer.

Ela tinha jeito de brava e de não ficar com nenhuma dúvida, ela falava mesmo. Como dizem no jargão popular, "ela metia a boca". Ficamos conversando mais um pouco, logo na saída do prédio onde estávamos, embaixo de uma árvore. Naquela altura tinha passado mais três jovens bolivianos e se juntado a nós para conversarmos, logo depois um padre começa a conversar com a gente em espanhol. Ele explicava que esteve na Bolívia por uns 12 anos, mas que lá recebia um salário do nível da Itália e por isso conseguia viver bem em um país diferente do dele e não era o que acontecia com os imigrantes que vinham para a Itália mesmo tendo consciência de quanto um boliviano ganhava lá e a sedução que o salário de um sub-emprego italiano exercia sobre aquele povo. Disse que não se podia fazer muita coisa agora porque o carabinieri estava pressionando sua instituição e poderiam se envolver numa encrenca grave com a lei arrumando emprego para ilegais no país, ele estava sendo obrigado a restringir a ajuda. Daí que ele se apresentou como o padre David o responsável por tudo aquilo, contava com muito orgulho que foi ele quem criou tudo. Ele gostava de conversar com a gente, dava para perceber. Daí ele nos perguntou como tinha sido o tratamento e se estava tudo certo. Todo mundo estava confirmando, depois da explicação que ele deu, mas Elizabeth não se deteve e deu uma pequena demonstração de seu descontentamento, falou um monte e seu maior trunfo era eu.

– ... olha ele, por exemplo, tem cidadania italiana e disseram que para homens eles não estavam fazendo nada!

– Como assim? Eu disse a eles que devem ajudar a todo mundo que estiver em condições de trabalhar! Quem foi que disse isso a você meu jovem?

– Foi uma senhora da entrevista.

– Venha me mostre ela para eu ver.

Ele quase me arrastou de volta, nem deu tempo de me despedir da minha nova amiga Elizabeth, dei um tchau meio de relance e segui o padre. Lá em cima ele passou o sermão na senhora que me entrevistou, disse que todos que estivessem com a documentação em ordem deveriam ser auxiliados em tudo. Ela tentou contra-argumentar com alguma coisa que até hoje não sei o que era, não adiantou, o padre estava irredutível. Ela pediu para que eu me sentasse e perguntou meu endereço, telefone e se eu tinha alguma aptidão em especial. Daí ela disse que se tivesse alguma novidade me ligava. Todo o tempo, desde quando tinha deixado Elizabeth até quando voltei não levou mais de 8 minutos, por isso ela continuava lá, me esperando.

– E aí? Deu certo? O que eles disseram?

– Disseram que se souberem de alguma coisa me ligam.

– Legal... Vem... Vamos ali naquela casa lá no fundo que eles estão dando roupas e calçados.

Ela tinha se informado sobre mais alguma coisa para levar enquanto estive lá em cima. Não estava interessado em nada, nem sabia escolher, toda minha vida nunca escolhi nada de vestuário para mim, sempre tive alguém que fizesse isso em meu lugar. Fiquei lá assistindo os outros se divertindo com tantas bugigangas. – Se minha esposa estivesse aqui iria se divertir também. – Pensei comigo. Quando estávamos procurando o caminho de volta apareceram umas garotas, conhecidas de Elizabeth, e a chamaram para voltar de carro com um senhor que as havia oferecido carona, não cabia eu. Ela ficou na dúvida, mas aí eu insisti para que ela fosse e ela decidiu ir, antes, porém pediu meu número do celular e disse que iria perguntar para uns parentes sobre trabalho numa oficina mecânica que um deles trabalhava e me avisaria se tivesse alguma novidade. Também disse que ia combinar alguma coisa para o final de semana em sua casa. Tudo normal. Era costume a gente trocar telefones e as pessoas, principalmente os bolivianos, adoravam dizer que iam perguntar para seus parentes e me ligariam se soubessem de algo, naquele dia mesmo eu tinha trocado telefones com mais duas pessoas além de Elizabeth. Creio que esse hábito faz parte de alguma etiqueta entre estrangeiros. É uma maneira de dizer que foi com a sua cara. Não significava nada além disso, já estava imune àquilo. Quando estava voltando para o ponto de ônibus mesmo, eu ajudei duas mulheres a carregar uma mala cheinha de donativos e lá, enquanto a gente esperava, elas pegavam meus dados. Isso era normal e não custava fazer o pior que poderia me acontecer era ninguém ligar, e era o que acontecia mesmo.

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

45 – Paradigmas quebrados.

Depois de um tempo na fila já não tinha como continuar lendo meu jornal, já estava íntimo de todas. Eu não era o único homem ali, mas éramos a minoria simplesmente como reflexo da distribuição dos estrangeiros em relação ao sexo, as mulheres eram maioria em Bérgamo. Aquela garota que no início achei carismática também estava na fila, meio distante de mim, mas conversava com ela também. Talvez o termo mais correto para usar com ela seja afinidade, é uma daquelas raras ocasiões que encontramos uma pessoa com sintonias semelhantes onde existe reciprocidade, situação raríssima, diga-se de passagem, para que perdure só isso não é suficiente. Trocávamos algumas palavras assim como com as demais, enquanto um forte cheiro de café se espelhava pelo corredor onde se encontrava a fila. Eu ainda sem comer nada, minha barriga começou a se queixar, um cafezinho ali viria a calhar ainda mais quando não tinha provado nem uma gota do café italiano, tão famoso. – Será que eles vão servir para a gente? Não. Tem muitas pessoas aqui, não é possível. – Pensei comigo.

Eu tinha uma desconfiança em relação ao café. Nunca tive vontade política de comprovar. Sempre diziam que essa bebida vicia e quando o indivíduo habituado a degustá-lo passa por uma abstinência por um curto período chega a dar até dor de cabeça. Pois é, para todo pesquisador que se preze uma xícara de café é o momento mágico para espairecer, sair da sua mesa de profunda concentração para conversar um pouco, se distrair e poder reordenar o raciocínio, então por causa disso se toma várias xícaras por dia, e isso é uma coisa que nunca falta sete dias por semana, café. Como que eu poderia saber se tenho o tal do vício ou não? Não estava disposto a parar de beber só para comprovar uma teoria que poderia ter sido inventada por algum cônjuge farto de ter que preparar o café para o seu parceiro, afinal a quantidade de cafeína é muito pouca para chegar a viciar uma pessoa. Era isso o que eu pensava. Desde que saí do Brasil, nunca mais tinha colocado uma gota de café na boca. Bem, no começo tinha o chá de Nescafé que Sandra preparava, mas eu dispensei no terceiro dia e desde então nem o chá eu tomava mais. Resultados obtidos: nenhuma dor de cabeça ou boca seca ou qualquer outro sintoma desagradável que indique algum vício. Nossa! Eu não era um viciado!

Naquela manhã eu finalmente pude conhecer o café italiano, vieram os voluntários com bandeja e xícara para nos servir. Depois de tanto tempo o sabor vem mais potencializado, que delícia! Pena que não deu para repetir. Também, seria muita folga!

Começaram a atender e logo foi a minha vez. Que decepção. O que eu entendi, pois falavam um italianol (italiano + espanhol) sofrido, foi que para homens eles não estavam procurando trabalho, só para "le donne" (as mulheres). Caspita! Depois tinha outras seções que eles davam roupas e outra que davam comida para cozinhar em casa, todo mundo enchia o saco de donativos, já iam preparados. Essas coisas eles davam para homens também. O que estava me interessando naquele momento era só trabalho mesmo. Os mantimentos eu estava dispensando. Eu ainda estava animado com minha aparente diminuição de massa adiposa, não sabia se estava emagrecendo efetivamente, pois todo o tempo que estive fora do Brasil não me pesei uma única vez.

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

44 – Una muchacha africana?

O caminho até Mozzo (me desculpem, estive errado todo o tempo! Mochos está errado o correto é Mozzo) foi longo, tinha inclusive alguns trechos menos povoado. Fomos contornando o monte da Città Alta, nunca chegamos a subir, só contornamos. Minha preocupação era com a hora de descer, ficava atento, toda hora perguntava para alguém até que uma garota disse que também estava indo para lá também, tinha jeito de atirada, desinibida, um tipo de carisma natural. Bem, talvez fosse só para mim que parecia carisma, enfim não me caia mal, pena que ela estava tão perdida quanto eu. O que me tranqüilizava era que o ônibus estava cheio de bolivianas, em último caso era só seguir o fluxo que com certeza todas estavam indo para lá. Dito e feito percebi uma movimentação, era o sinal de que eu deveria ir também. Saí procurando a igreja com pressa, parecia que ia se formar um fila. O lugar era logo ao lado da parada, aí foi só ir seguindo em frente que logo cheguei no ponto certo. A fila já estava se formando, consegui entrar num ponto onde tinha umas cadeiras para me sentar, só que tive de ceder para uma senhora que estava próxima de mim, fiquei ali de pé lendo meu jornal do dia, L’eco di Bergamo (http://www.eco.bg.it/Ecoonline/). Só que é muito difícil para eu estar em um lugar cheio de gente e ficar sem me comunicar parece que dá coceira na língua, mesmo que seja em espanhol, pelo menos eles são bons de papo, fazer o que. Em todo caso... Não vou falar... Não vou falar... Não vou falar... Tá bom. Eu vou falar.

– Alguma de vocês sabem o que significa essa palavra aqui “ucciso”?

– Eu acho que é assassinado.

Respondeu-me uma garota duas posições atrás de mim. Todas a olharam com surpresa, realmente era uma palavra bem diferente e totalmente descorrelacionada com a tradução para o espanhol ou português, em espanhol seria “asesinado”. A expressão de todas era. – Como ela sabia o significado de uma palavra tão esquisita? – Uma simples palavra pode revelar tantas coisas, o fato daquela garota saber a tradução e todas as demais ficarem surpresa não indica que ela estuda o idioma local mais que as demais, é uma pista de uma característica óbvia dos gostos dela. Sugere que ela tem o hábito de acompanhar os jornais, só eles falam tanto em assassinato, o pior é que quando essa palavra vem em alguma manchete nos jornais ela fatalmente estará acompanhada de mais duas palavras, “padre” e “figlio”, traduzindo é pai e filho. Sim, quando não é o filho que matou o pai, foi o pai que matou o filho, de vez em quando trocam a palavra pai por avô ou avó, os mais raros são quando envolve outros membros da família, mas na maioria das vezes fica entre família. Pelo menos uma vez por semana aparecia uma notícia dessas, no começo que não entendia bem eu pensava que estavam tratando do mesmo caso, pois se repetia muito. Mesmo assim não se pode garantir que esse tipo de crime seja acima da média na Itália em relação ao resto do mundo, talvez os italianos se interessem demais por esse tipo de notícia e os jornais exploram bastante isso para dar audiência, afinal os italianos têm muita fama de serem os mais ligados à família e valorizarem bastante esse relacionamento.

O que me agradava por lá era a abundância de jornais gratuitos, havia vários de distribuição diária e com notícia de qualidade, foi uma fonte de informação e aprendizado da língua sem igual, acho que é mais importante do que televisão, pois enquanto eu ia lendo deixava o dicionário do lado, consultava todas as palavras, na televisão não daria para ficar consultando. Em todo caso nunca tive acesso à TV em Bérgamo e acho que não fez falta.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006

43 – A origem da confusão esclarecida.

Um dia antes do famigerado dia de finalmente eu ir para Mochos, me preparei à altura, fui à agência de transporte público urbano para obter informações. Uma linda construção com pilares no estilo romano geminada com outra atravessando a rua uma de frente para a outra em uma ponta da esquina cada. Lá encontrei um mapa completo com todos os destinos possíveis por toda Bérgamo e cidades vizinhas. Aquela seria a primeira vez que eu ia andar em um ônibus urbano europeu e não podia haver falhas, me informei sobre os locais que vendem o bilhete, em qualquer banca de jornal. Conversei com todos na casa, todos já tinham ido a Mochos pelo menos uma vez, para mim era o momento esperado, carregado de simbologia, sentia que alguma coisa de bom ia acontecer.

O dia começou cedo, nem tomar o meu costumeiro café da manhã com meus amigos eu tomei, saí com todos ainda dormindo.

A sinalização do transporte público na Europa segue um padrão semelhante em todos os países membros. Creio que seja fruto do processo de cópia das melhores idéias, à medida que iam surgindo alguns aprimoramentos em um dos países os demais imitavam havendo assim uma natural convergência na padronização das indicações, que por sinal são muito boas. Quando se pega o jeito ninguém nunca mais se perde em lugar nenhum e consegue rodar para qualquer lado sem precisar conhecer a cidade, mas como toda primeira vez a gente fica confuso com aqueles números, descrição de zonas, com a cor de cada linha, nome do lugar de destino final. Para um estrangeiro que não está acostumado, tudo era muito confuso, parecia complexo demais, principalmente a questão da zona, dependendo da distância que se percorria tinha-se que pagar mais. Eu queria saber como que alguém vai controlar a distância que se percorre? Por isso comprei a passagem mais barata que tinha, não consegui identificar as zonas que estaria me locomovendo, eu merecia um desconto, afinal era minha primeira vez. Logo de cara olhei que deveria pegar a linha de cor azul e parei no primeiro ponto dessa cor que encontrei, sorte que tenho o costume de procurar desculpa para conversar e me informaram que eu deveria ir para o outro lado, aí fui procurar um ponto daquela cor na outra direção. Andei um bocado até encontrar a tal da cor, só que o número do ônibus que eu devia subir não constava na placa, via o meu número passar sem parar onde eu me encontrava, novamente tive que buscar outro ponto que tivesse aquela cor com o número do meu ônibus. Fui encontrar lá perto da minha primeira vez, em frente, atravessando a rua. Finalmente meu número estava passando, por sorte estava eu com minhas perguntas para tentar praticar italiano e me informaram que a derivação final daquele que estava passando naquele instante desviava antes de chegar em Mochos, além do número eu tinha que pegar a derivação que terminava com uma letra específica depois do número. – Mas que complicação! Isso tudo realmente é necessário? – Pensei com meus botões. Minha primeira impressão foi péssima, nunca que eu iria dominar o uso daquele sistema de transporte. Mesmo depois de tanto me informar perdi um tempão até finalmente acertar. Toda aquela aparente confusão implementada dentro de um dos países que é referência nesse quesito não poderia ser o caos que parecia ser e felizmente não era, com o tempo, já na terceira vez é fácil de pegar o macete. Para começar, eu poderia ter comprado a passagem lá perto da casa onde fico e pego um ônibus com linha diferente e trocado ali em Porta Nuova para o destino que tinha de ir, aliás, eu poderia trocar de quantos ônibus fosse necessário em qualquer ponto de parada sem precisar ficar pagando a cada nova troca ou precisar passar por uma catraca, nem cobrador tinha para conferir se eu tinha algum bilhete. E as portas de entrada, amplas, espaçosas e o que para mim era mais incrível, não havia escada para entrar, o piso do ônibus era na altura da calçada e quando havia algum declive mais acentuado o ônibus se curvava para corrigir essa diferença. Aquela sinalização que no começo não parecia fazer muito sentido passou a fazer, achei até ruim porque eu nem sentia mais a necessidade de fazer minhas costumeiras perguntas em italiano, fazia só para não perder o costume, sem precisar mesmo. Agora gostaria de ter uma boa resposta para minha grande questão. – Para que alguém vai precisar de carro num país que oferece transporte de primeira, bom, barato e para qualquer lado possível? – Você tem um chofer que dirige enquanto você lê o jornal do dia, um bom livro ou simplesmente conversa à vontade apreciando a paisagem com algum amigo seu, no maior conforto, com ambiente climatizado. É muita mordomia. Depois que se conhece aquela maravilha e volta, fica impossível não associar aquilo que chamam por aqui de transporte público com transporte para animais. Minha cidade natal Avaré era conhecida como a capital nacional do cavalo e tenho um amigo veterinário de um haras que emprestou, uma vez, o caminhão que transporta os cavalos para nossa turma ir fazer um acampamento na represa Jurumirim, perto da nossa cidade. Posso garantir que aqueles cavalos viajavam mais confortáveis do que qualquer um num ônibus urbano dentro do estado de São Paulo.

terça-feira, 17 de outubro de 2006

42 – Malditas agências.

No começo dessa semana tive um sentimento de falta de opção, não ter nenhuma estratégia me incomodava muito, me restava visitar a tão falada Mochos, o problema é que era só na quarta-feira e durante todo esse tempo eu tinha que embromar. Entenda-se por embromar visitar aquelas pragas das agências de trabalho, uma verdadeira epidemia, era tanta que dava a impressão de haver mais delas do que desempregados. Incrível como em todas as partes do planeta monta-se uma indústria em torno do desemprego, eu aposto como que em nenhum lugar no mundo essa indústria era mais enraizada e organizada do que na Itália, além do que se via nas ruas, a internet fervia de anúncios a respeito, jornais e revistas especializadas no tema, o governo destinava verbas para inúmeras agências de ajuda, leis que praticamente obrigavam as agências de promoverem cursos como esse que acabara de me inscrever, outdoors, um absurdo. O pior é que não servia para nada, os trabalhos simplesmente não existiam. Para se ter uma idéia escutei a seguinte frase de várias agências diferentes: “- A Itália está passando por um momento bruto. Se não tem trabalho nem para italianos, o que dirá para os de fora”. Não, o engraçado era quando a gente chegava em frente de uma vitrine, um monte de anúncios de precisa-se, nos mais diversos sabores, no começo eu dizia: “- Essa ta no papo”, para mim foi preciso um certo tempo até eu acordar, a empresa anunciava a mesma vaga de trabalho em vários lugares ao mesmo tempo causando uma impressão equivocada de que a oferta era boa. Se saísse uma lei obrigando a empresa a trabalhar com apenas uma agência, não iam sobrar muitas para contar a história. Tinha um caso emblemático para ilustrar minha tese, encontrei um anúncio de vaga para trabalhar como inspecionador de placas de circuito eletrônico, seria uma vaga feita sob encomenda para mim, de repente comecei a ver o mesmo anúncio em vários outros lugares. Marmelada. Não me restava muitas alternativas, não podia ficar parado. Na falta de um plano melhor continuava a preencher aqueles formulários inúteis, mesmo depois que tomei consciência de que não havia nenhum compromisso sério com os desempregados. Levava em média um dia por rua para cobrir tudo preenchendo fichas.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

41 – O visitante.

Final de semana chocho, não dava para conversar com ninguém, não encontrava uma só pessoa apta, até chegarem as visitas. De cima escutava as gargalhadas da bagunça que formava lá em baixo, seguido com intervalos prolongados de silêncio. Para combater o tédio fui dar uma volta, as ruas nos finais de semana ficavam cheias de gente, o povo europeu adora sair, para dar uma volta, se sentar no café. Vira e mexe encontrava pessoas com verdadeiros uniformes do Brasil, bonés verde-amarelo, camisetas, tênis e quando perguntava não eram brasileiros, uns dois anos antes as roupas com temas brasileiros era febre entre os europeus, todavia se encontrava um resquício dessa febre nos tempos que estive por lá. Andava sem rumo pelas ruas, esquadrinhava os pontos que pudessem ser úteis durante a semana. Descobri uma igreja Presbiteriana bem ali perto de Porta Nuova e vi os horários de funcionamento. No outro dia de manhã resolvi fazer uma visita à escola dominical para conhecer. O recinto era constituído por uns 35% de negros, com roupas bem coloridas, era a turma mais animada que cantava batendo palmas, quase dançando. Não percebi nenhum tipo de separação entre os diferentes grupos étnicos que por lá se encontravam, se bem que estive lá apenas uma vez, não é suficiente para se ter muita noção, ninguém veio me cumprimentar como era de costume nas igrejas protestantes do Brasil nem pediam para os visitantes se colocarem em pé para que conhecessem ou algo do gênero, sai do mesmo jeito que entrei. Apesar do estilo mais descontraído dos negros de cantarem, a liturgia não fugia do estilo tradicional, eram até mais formal que aqui.

Descobri, por acaso, que as meninas no quarto, com exceção da Mercedes, gostavam de conversar em quechua, um dialeto indígena da nação Quechua, concentrada principalmente no vale de Cochabamba na Bolívia. Acredito que seja o idioma mais praticado por lá, até mais que o espanhol, essa informação só não é disseminada porque só a população mais pobre pratica esse idioma com fluência. Às vezes eu percebia que elas estavam conversando e eu não conseguia distinguir nada, ficava inquieto com aquilo, até que resolvi perguntar.

Mercedes estava ficando cada vez mais insuportável e já não conversava muito com ela, parecia estar tendo uma recaída, sempre quando estava grogue desabafava de sua condição, de estar de muletas. Ela estava acostumando a chegar nas altas horas da noite fazendo o maior barulho, dando gargalhadas, não respeitava o sono de ninguém, parecia uma menina mimada. David e Sandra, os mais prejudicados, por trabalharem no outro dia não falavam nada, se ela soubesse ia ser pior, a intenção era justamente irritar os dois e se soubesse que estava conseguindo ia ser pior. Qualquer pessoa que a conhecesse de longe, diria que Mertche era uma garota de princípios, com modos de gente, que tinha a cabeça feita. As aparências são mesmo uma peça, pelo menos naquele novo mundo que estava conhecendo, todos se preocupavam em manter uma aparência, eram como papagaio, só que ao invés de reproduzir vozes reproduziam poses de gente importante sem saber para que servia, qual o significado disso. As visitas, os homens principalmente, realizavam verdadeiros discursos nas conversas, com uma imponência e seriedade inabalável e quando fosse ver o conteúdo não parecia ser compatível com toda aquela cena, na maioria das vezes era para se autopromoverem, contando de como são. Era daí que surgiam as brigas, parecia que brigavam para provar o ponto de vista mais correto, para se impor. Era um povo curioso, muito hospitaleiro não tinha do que me queixar, faziam questão que eu bebesse um copo de cerveja, e ai de quem recusasse um convite, se ofendiam. Todos da casa diziam às visitas que eu não bebia, se assustavam, mas mesmo assim um copo eu tinha de beber. Tinha a prima de Maria que sempre ia lá, segundo suas palavras sofreu muito quando chegou. Acho que não conheci ninguém que não tivesse sofrido muito naquele lugar. Ela deixou seu marido e foi para Bérgamo, ficou muito tempo sozinha, sem ninguém, se acabava com a cerveja, conseguiu enxergar que estava se destruindo, um dia deu um basta em tudo, se converteu para a religião dos “Testigos de Jeova”, Testemunhos de Jeová, parou com tudo e passou a combater a bebida entre todos, ela adorava me usar como exemplo, quando estava por perto puxava assunto para que eu falasse, eu era uma voz nova para ajudar em seu discurso. Marcos lutava contra também, dizia que ia parar de vez, no outro dia lá estava ele derrubado de novo, falava que sempre estava precisando de dinheiro para coisas importantes e ninguém nunca tinha para lhe emprestar, mas que um copo de cerveja não faltava, nem quando não estava procurando isso alguém aparecia e o intimava a tomar junto. Eu sempre tentava influenciá-lo positivamente, às vezes acreditava que estava conseguindo, era só chegar o próximo final de semana que recomeçava de novo o drama.

Nesse final de semana havia conhecido muitas pessoas, conheci uma irmã de Sandra, conheci a prima de Maria, um compadre de Jorge, a irmã de Maria que já tinha visto na festa na semana passada foi quem levou sua prima. A diferença em relação à outra semana, é que foi mais sossegado, deu para estreitar a amizade com Marcos, uma boa pessoa, felizmente consegui desfazer a má impressão que ele me causou no começo. O problema dessa confusão que me vi envolvido com ele era que ele pareceu vir tentar me ajudar com muita sede ao poço, foi uma atitude desproporcional. Ele não era nenhum bobo, já andou muito por aí e sabe da importância que existe em formar laços de amizade, uma rede de contatos, a vida da gente fica muito mais fácil quando se tem gente espalhada por aí disposta a nos dar uma mão e transformando-as em amigos as coisas ficam mais simples. Um aventureiro mais do que ninguém conhece a real importância de se formar essa rede.

sábado, 14 de outubro de 2006

40 – Conan, o bárbaro.

A noite foi um indicativo do que estava para vir. Para começar Conan nem apareceu no quarto para dormir, os finais de semana dele começam na sexta-feira. Um senhor tão respeitável. Quando se vê ele conversando assuntos sérios é como se fosse um sábio falando. Uma firmeza, com seriedade, uma postura de gente que tem discernimento e já viveu muito na vida, aquele ar de altruísmo inabalável. Exemplo clássico de que a aparência se sobrepõe a qualquer conteúdo. Não que Conan não fosse tudo isso, o problema é que ia tudo por água abaixo nos finais de semana, ele se transformava quando se entregava àquilo que ele mesmo classificava como o maior atraso na sua vida. O caso dele era mais delicado do que resumir a um problema cultural de origem. É muito mais complexo do que qualquer um pudesse imaginar. Quando tive conhecimento dos detalhes de sua vida me deu arrepio. Meu amigo Conan, assim como Marina, passou algumas décadas trabalhando no Brasil, só que Conan ficou peregrinando pelo litoral, vendendo tudo o que pudesse ser vendido em praia, já vendeu bronzeador, coco, pipa, picolé, sombrinha e por aí vai, me disse que o que mais rendeu foi vendendo bronzeador. Quando juntou um bom dinheiro voltou para Bolívia e comprou um caminhão, constituiu família lá e vivia bem. Um belo dia resolveu vender seu caminhão e partir para a Itália persuadido por um conhecido distante que por lá esteve. Deixou seus filhos e esposa e partiu já avançado na idade, quando cheguei na casa fazia aproximadamente uns quatro anos que Conan tinha chegado. Logo seu dinheiro acabou e ele se viu sem alternativas, não tinha ninguém que pudesse contar e teve que morar nas ruas, com uma agravante, sem documentos. No verão é até um alívio dormir nos bancos da praça, sem levar em consideração o desconforto e perigo de se expor, o calor que se faz naquela região no verão é comparável com a de Cuiabá, sufocante. O problema vem no inverno, quando chega a nevar, não dá para um ser humano comum e por conta própria suportar uma vida daquelas, ainda mais idoso. O meio mais eficaz e possível de contornar aquela adversidade que ele se encontrava foi a bebida, se mantendo embriagado o tempo todo era mais fácil de suportar aquilo, além de ser um eficiente aquecedor. Pelo que ele me contou, foram no mínimo dois anos que ele ficou naquela situação. Para cuidar da higiene pessoal, o que se adotava era ir a "caritas", centro de caridade, uma vez por semana e tomar banho, se barbear e trocar todas as roupas para enfrentar mais uma semana. Só para ir a "caritas" que ele tinha que se manter sóbrio. Esse estilo de vida que ele foi obrigado a adotar o induziu a um ciclo vicioso, ficava difícil encontrar um trabalho embriagado, sem poder ter uma aparência apresentável, por outro lado a falta de dinheiro e o frio o induzia a se afundar na bebida, tinha ainda o problema de não ter documentos e ter uma idade avançada, era mais difícil ainda. Um belo dia veio uma dessas anistias que a Itália concede de tempo em tempo aos imigrantes ilegais que lá se encontram, só que para se obter o "Permesso di Soggiorno" era preciso que algum patrão se responsabilize pelo documento. Isso deu uma chacoalhada no Conan, felizmente ele reagiu e começou a buscar ajuda, então na igreja de Mochos arrumaram um trabalho para ele, um trabalho que ninguém queria e por isso sobrava vaga, cobrir galpões. O pior era cobrir os galpões no inverno, lá em cima, nas alturas, ele contou que foi um pesadelo. Pelo menos serviu para conseguir a permissão para trabalhar legalmente. Com o dinheiro que ele juntou desse trabalho e os documentos regularizados ele conseguiu uma base para se reerguer até se encaixar na produção de "piastras", que seriam pisos de cerâmica, onde trabalhava até aquele momento e parecia firme. Com os documentos regularizados e um pouco de dinheiro, Conan trouxe sua família para Bérgamo, os filhos já são grandes, moços, não cheguei a conhecer nenhum deles, pois seu casamento se desmanchou na Itália e Conan vivia sozinho na casa enquanto que seus filhos e ex-esposa viviam em outro lugar. Conan dizia que havia conseguido aqueles documentos com sangue, com muito sangue.

Acho que minha mãe estava pensando nesse cenário quando me disse que eu sempre poderia voltar se não desse certo, o orgulho nos faz enfrentar cada barra.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

39 – Final de semana à vista.

O final do dia se aproximava e meu mais novo amigo Marcos tinha que cuidar de suas coisas, eu aproveitei para tentar falar com o padre Estéfano ainda naquele dia, fui ao seminário. Por sorte eu o encontrei lá, sozinho, devia ser porque era final de semana. Ele me chamou para sua sala e procurou em cima da sua mesa o documento que eu tinha deixado com ele no dia anterior contendo o meu código fiscal. Uma vez encontrado entrou no computador dele para preencher o formulário de inscrição. Como engenheiro e usuário de computador, como ferramenta de trabalho, não podia ignorar a máquina do padre. Ele trajando aquela roupa de monge na cor marrom, parecia ser de algum século que já passou, sentado em um escritório moderno cheio de todo quanto é tipo de aparelhos eletrônicos e de frente para um computador de última geração, monitor de cristal líquido de 17” no mínimo, mouse sem fio e teclado translúcido com efeito especial. Antes realizou uma pesquisa na internet para ver o regulamento do curso e confirmar os papéis necessários. Imprimiu o formulário em sua impressora a laser e foi para o aparelho de fax para passar meus dados à escola. É o paradoxo da modernidade, um padre Franciscano todo a caráter, mas com todos os equipamentos que a modernidade oferece é obrigado a usar um aparelho de fax, ao invés do e-mail, porque o instituto que vai dar um curso que envolve tecnologia no chão de fábrica não está apto a receber inscrições pela rede mundial de computadores. Naquela época não sabia ao certo sobre o que seria o curso, sabia que era para fábrica. Eu realmente estava mais empolgado com a chance que teria de estar em contato direto com italianos e fazer, finalmente, amizade com algum deles, eu também tinha esperança de encontrar um trabalho antes do curso. Sempre é bom atirar para todos os lados até um deles dar certo.

Voltei, depois de mais um dia de caminhadas, dessa vez com uma novidade, encontrei Sanchez sóbrio e sem sono, não podia desperdiçar aquela chance, me sentei na sala e esperei. Não precisei esperar muito, logo a gente trocou umas idéias. Ele estava lá já fazia um tempo e quase nunca trabalhou, fazia bicos. O que entendi era que ele tinha deixado filhos, se tinha esposa não ficou claro. Curioso a situação dele, nunca soube ao certo como funcionava o esquema dele na casa, se era parente de alguém lá. Ele falava demais, só que ao contrário da maioria que gosta de falar demais esse não falava de si próprio. Gostava exaltar a Bolívia, exagerava, viajava. Era metido a sabichão, todo mundo gostava de zoar com ele sobre essa mania de se meter a entendido de tudo, uma das coisas que adorava dizer para mim era sobre as coisas que o Brasil tomou deles, como o gás, ou o território que hoje forma o estado da Rondônia. Ainda bem que essa história da confusão que Evo Morales está causando para os empresários brasileiros não aconteceu naquela época, senão eu estaria bem arrumado, fico imaginando Sanchez exaltando as bravatas de seu presidente, terrível. Ele gostava de dizer também que a capital mundial do carnaval era em Oruro, por acaso sua terra natal. Nem dava para eu levar a sério as coisas que ele falava, poucas vezes ele estava sóbrio o suficiente para discutir esses assuntos. Quando estava “borracho” era muito desagradável, não comigo ou alguém da casa e sim com as visitas, visita e Sanchez tomado era quase sinônimo de confusão e o duro era que não dava para entender o motivo da discussão, acho que era porque o cara se tornava muito inconveniente mesmo, coitado.

Lá em cima Estela já começava a planejar seu final de semana na casa de algum amigo, ela tinha horror de passar ali, não me lembro de tê-la visto um único final de semana lá. Mercedes já tinha sumido para a rua e Sandra e David estavam para dormir, Sandra iria trabalhar todo o final de semana colhendo alface em uma estufa com seus irmãos e David trabalhava nos sábados de manhã também.


quinta-feira, 12 de outubro de 2006

38 – Quem é realmente Marcos.

Já tinha passado metade do dia ao lado de Marcos e até aquele momento tinha ficado com as orelhas de pé em pelo menos duas ocasiões, o pior estava por vir. Ao voltarmos do bingo passamos por aquele mesmo parque obscuro e Marcos voltou a comentar sobre sua amiga croata, dessa vez não teve como despistar, ele foi entrando.
– Vem Fabriciu? Vamos descansar um pouco, tem um chafariz para beber água lá dentro.
Imediatamente fiquei imobilizado.
– Não vai dar. Agora não. Preciso ir ali e já volto.
Fui saindo sem dar tempo a ele de perguntar para onde eu estava indo porque não fazia a menor idéia do que iria fazer. Num primeiro momento me passou pela cabeça de largá-lo e seguir minhas atividades diárias sem ele e depois eu inventaria alguma desculpa de desencontro, daí passei em frente a um supermercado que estava logo ali perto e me lembrei que precisava ir ao banheiro, lá dentro me informei e me levaram para a área do estoque, levou um bom tempo até sair de novo, aí resolvi passar em frente ao parque de novo, Marcos estava bem na entrada, encostado no portão com cara fechada, expliquei a ele onde eu estava.
– Porque você não me disse que era isso? Tem um banheiro bem ali olha.
– Não tem importância, agora já foi. E sua amiga? Estava aí?
– Não. Ela é muito boa gente, você iria gostar de conhecê-la. Pena que não veio... Bem... Agora a gente pode ir a um hotel, estavam recolhendo currículo outro dia. Vamos lá?
O hotel ficava em outra direção, foi mais outro tanto de caminhada, atravessamos a linha do trem e passamos perto do seminário do padre Estéfano. Eu ainda precisava falar com ele. Cada lugar que passávamos eu ficava imaginando se ali seria possível acontecer alguma emboscada e como isso ocorreria. De repente Marcos estaria me levando para cima e para baixo com a desculpa de me apresentar a seus contatos de trabalho, mas na realidade estaria buscando seus comparsas. Tantas coisas que passavam pela minha cabeça. Também pensava pelo outro lado, e se fosse tudo neura da minha cabeça? Estaria perdendo uma boa oportunidade de amizade, alguém que eu pudesse contar. Tudo foi pesado na balança e a conclusão que havia chegado até aquele momento era que valia a pena correr aquele risco, mesmo estando de posse naquela hora da única coisa que supostamente, segundo Mara, interessaria a um bandido, meu passaporte italiano. Próximo do hotel passamos por detrás de um condomínio, tudo deserto, deserto demais com pouco lugar de alguém se esconder, sem problemas, fora de perigo. Finalmente avistei o demorado hotel, era internacional de padrão executivo. Dessa vez Marcos entrou comigo e foi ele que conversou com o recepcionista, e como de praxe, me pediram para deixar aquele pedaço de papel com dados para contato dentro que não estava me servindo para nada. Deixei.
Na volta, como sempre, fizemos um caminho diferente, claro que suspeitava daqueles caminhos diferentes, ele dizia que era para eu ir conhecendo os lugares melhor e foi quando passamos pelo meu terceiro momento de sufoco naquele dia. Estávamos caminhando e quando me dei conta era um estacionamento gigante e deserto. Putz! Olhei para um dos lados e na parede, meio distante de nós, na entrada estavam uns mendigos maltrapilhos deitados na grama, barbudos e mal encarados, comecei a olhar em minha volta e o lugar era sujo, com as paredes ao redor todas pichadas, cheio de lugares ideais para alguém se esconder. Meu Deus! O que faço? Deu-me vontade de sair correndo. Se fosse a emboscada que passei o dia inteiro prevendo iria me safar, só que nunca ia ter certeza de saber o que era realmente, além de não cair bem uma cena daquelas. Deixei Marcos ir caminhando mais à minha frente de modo que ele não me visse direito e me distanciei um pouco dele, comecei a ficar olhando para todos os lados compulsivamente. Naturalmente ele foi diminuindo o ritmo para se realinhar comigo, eu diminuía mais ainda. Deu certo, passamos por aquele pedaço sem maiores surpresas. Que alívio.
Depois de um dia inteiro caminhando e conversando e todas as minhas doideras sistematicamente derrubadas me aproximei mais dele, conheci melhor da sua vida e passei a classificar as histórias que ele havia me contado como verídicas. Felizmente tudo não passou de um alarme falso por minha parte, a intuição parecia ter errado de longe e consegui passar por aquilo sem cometer uma gafe. Sempre associo essa passagem de minha vida à arte da política, não sei ao certo porque, essa associação que faço é involuntária.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

37 – O bingo.


– Para onde estamos indo Marcos?

– A uma casa de bingo, o dono está abrindo um novo ponto e estava precisando de gente com documentos.

Caminhamos muito. Fomos para um lado que não havia conhecido ainda. O fato de essa cidade ter as ruas tortuosas deixa qualquer um confuso, mas reconheci a praça triangular que fomos pegar o irmão de Sandra naquela noite que saímos para a balada à noite inclusive a banca de jornal que ele estava apoiado enquanto nos esperava. De carro parecia que tínhamos dado uma volta enorme igual ao tempo que estávamos caminhando. Tínhamos passado em frente ao quartel general do carabinieri, passamos do lado de um parque sombrio, como daqueles dos filmes de suspense todo cercado por muro e casas do lado, muito diferente dos parques tropicais que eu estava acostumado a ver, Marcos dizia que tinha combinado com uma amiga croata de se encontrar naquele parque, eu não entraria ali com ele por nada, eu vi por entre as grades do muro um grupo de caras suspeitas bebendo nos bancos, tudo muito sinistro, apertei o passo para desestimular Marcos de tentar entrar ali, deu certo. Passamos em frente ao seminário que serve comida. Finalmente chegamos na rua do Bingo, que logo deu para ver, parecia uma casa modesta com letreiros que denunciava ser bingo.

– Fabriciu, o nome do gerente da casa é Federico.

– Ok. Você não vem?

– Não, eu vou esperar aqui em frente. Não se preocupe, ele fala espanhol.

Caramba! Porque Marcos não quis entrar comigo? E se enquanto vou procurar alguém que ele diz existir, Federico, Marcos sai para buscar algum comparsa? Tantas coisas que passavam pela minha cabeça. Afinal a tal da intuição pode ser uma farsa e não existir complô nenhum, poderia ser só coisa da minha imaginação. De todas as suposições que fiz rapidamente naquele momento a mais racional que me pareceu foi deixar rolar por enquanto. Atravessei a rua em direção à casa de bingo, entrei dentro do quintal e atravessei o jardim até a entrada e finalmente encontrei a porta, fiquei um tempo parado dentro, no átrio, e aproximadamente dois minutos depois coloquei minha cabeça para fora para dar uma espiada lá fora, Marcos continuava ali firme e distraído, parecia ter a intenção de me esperar mesmo. Fiquei mais aliviado e adentrei a casa, estava vazia com apenas uma menina vestida com uniforme de faxineira zanzando por ali, perguntei por Federico a ela.

– Olá. Eu queria falar com Federico, por favor. – Fiquei ensaiando essa pergunta em italiano antes de fazê-la para a pessoa que encontrei.

– Ele está ali.

Apontou-me para uma sala separada por vidro da sala principal, era a ala dos fumantes, ele estava usando uma das mesas de jogar como escritório vendo uns papéis. Fui lá falar com ele.

– Oi, estou procurando trabalho.

– Trouxe um currículo?

– Sim aqui está.

– Muito bem, só tem um problema: vamos abrir um novo posto para daqui três semanas aproximadamente e se você estiver disponível até lá nós te chamaremos.

– Tudo bem, estarei às ordens.

Despedi-me e retirei. Em três semanas eu tenho obrigação de estar arrumado, imagine ficar tanto tempo assim parado. Era uma coisa incogitável. Federico era sorridente, um típico chefe mafioso, de aparência, usava óculos com uma cor amarelo-amarronzado, se era de fato um chefe mafioso eu não fazia a menor idéia. Parecia interessante trabalhar ali, dava a impressão de que seria divertido transitar pelas pessoas se divertindo com música e distraídas com a jogatina. Remetia-me àquela visão romântica dos filmes de cassino, todo mundo elegante, era sedutor a idéia. Enfim, voltei para fora e lá estava Marcos, com aquele ar sério, olhos semicerrados, penteado engomado para o lado, de braços cruzados me aguardando, igual àqueles galãs de filme indiano, ficou imóvel até eu chegar.

– E aí? Deu certo?

– Ele disse que quando abrir a nova loja ele vai me chamar.

– É certeza que ele chame, ele ia dar um trabalho para mim, só não deu porque eu não tinha documento.

Naquela altura já estava tarde, por isso fomos para o seminário para almoçar. Estava aquela fila enorme e ficamos mais uns 40 minutos esperando. Não tinha condições de ficar indo ali para almoçar todos os dias, além de o horário ser fora de hora se perdia muito tempo na fila, mas tudo bem, de vez em quando dava para encarar, afinal a comida era boa e tipicamente italiana.

Lá dentro procurei pela minha amiga brasileira, dona Mara, mas ela tinha faltado naquele dia. Na primeira vez que tinha ido lá ela pegou meu currículo e deu para o padre chefe, disse que ele tinha muito contato com empresários que ajudavam a entidade, infelizmente não surtiu muito efeito, ninguém havia me chamado. Fomos quase os últimos da fila e por isso não conseguimos muita comida, para mim estava bom, Marcos que reclamou.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

36 – Encurralado.

Eu fazia de tudo para evitar Marcos, era até fácil, quando eu saía ele ainda estava dormindo e quando ia me deitar ele ainda não tinha chegado da rua. Uma vez, ainda no começo na primeira semana, estava eu naquelas crises de sono e dormia à tarde sozinho no quarto. Lá embaixo estava um silêncio, creio que não havia ninguém. Sem querer me desperto e num relance olho à frente, através da porta, no corredor que dá na escada, heis que estava de pé olhando para dentro do quarto Marcos, fico confuso, afinal ninguém, com exceção dos que têm cama em cima, poderia subir, não sabia se ele acabara de subir, se estava no quarto saindo do quarto de Jorge ou estava bisbilhotando para ver se havia alguém no quarto. Quando ele me vê diz:

– E aí? Tudo em ordem?

– Tudo...

– Olha, assim que quiser nós vamos lá falar com um cara para ver se tem trabalho para você tá?

– Tudo bem, mais tarde a gente vai.

– Beleza então. Até mais.

E foi-se sem maiores justificativas sobre o que estaria fazendo ali. Semanas depois, quando o conheci melhor, conclui que ele poderia ter subido lá, no quarto dos donos, para procurar seu passaporte que deixará com Jorge como garantia de que um dia irá pagar todo o tempo que esteve ali. Marcos...

Foi nessa sexta-feira que fui pego de jeito, dormi mais da conta e quando descia para seguir minha incansável jornada por emprego cruzo com o próprio Marcos. E agora? Ele me começa com suas perguntas e eu tento encontrar uma brecha para sair de fininho, mas não dá.

– O que você vai fazer agora Fabriciu?

– Sair para conversar com umas pessoas.

– Vamos sair para eu te levar para conversar com meus contatos.

– Agora? Não sei se vai dar.

– A gente vai falar com essas pessoas que você tem que falar e depois vamos falar com meus contatos.

– Não sei... Acho que é melhor ir falar com o padre Estéfano mais à tarde... Vamos ver seus contatos.

O que me custava. Bem, custava sim, quando via Marcos imediatamente me lembrava da dona Mara, a voluntária brasileira que conheci no seminário, e o que ela me contou sobre o valor de meu passaporte no mercado negro. Acontece que possuo um problema intrínseco da maioria dos mortais comuns na face da terra, uma extrema dificuldade de dizer não, uma palavrinha simples, pequena, fácil de pronunciar e ao mesmo tempo difícil de ser pronunciada dependendo da situação. Lá vamos nós. Eu me sentia como se tivesse me entregado à minha sorte, rumo à execução. Tentava sem sucesso pensar em alguma saída.

Saímos conversando, ele me contou como foi no seu primeiro dia na Itália, em Milão. Teve sorte, logo na primeira semana conseguiu um serviço para ajudar na pintura de um prédio, ele havia aprendido a pintar nos Estados Unidos. Esse foi outro motivo que reforçou minhas desconfianças, esse ofício não era tão comum assim na Itália e pagava-se muito bem pelo serviço e, no entanto ele viva parado, tá certo que sem documento as coisas são bem mais difíceis, mas era pintor! Tudo bem, ele começou o serviço de ajudante naquele serviço em Milão, segundo seu relato não durou muito, a dificuldade com a comunicação impediu que ele continuasse e dispensaram ele, depois disso passou algumas semanas parado fazendo alguns bicos esporádicos, até que conheceu a misteriosa boliviana de Bérgamo que o convenceu de ir para lá, ela tinha carro e trabalho e vivia muito bem, parece que se cansou de Marcos e o abandonou, ele dizia que gostava dela e tinha esperança de voltar, mesmo depois de tê-la visto em companhia de outro cara. À medida que conversávamos, nós caminhávamos e me envolvi na conversa que até acabei me esquecendo de perguntar para onde estávamos indo e para fazer o que.

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

35 – O melhor curso de italiano...

Aquela história do curso profissionalizante pareceu interessante, garanto que iria estar cheio de italianos para eu conhecer e fazer amizade, era tudo o que estava procurando. Corri atrás do tal “códice fiscale”, era perto de onde estava, na Comune de Bérgamo, era só se inscrever na máquina e pegar a senha para me chamar, até acabei ajudando uma senhora que estava perdida. Minha vez chegou, no final o cara, para não fugir da regra, com jeito de pouco caso disse que o número sairia assim que eu tivesse uma residência. Que sorte! Estava com o certificado da Comune que acabara de retirar comigo, com o original. Entreguei assim mesmo, eu sabia que deveria tirar uma cópia e deixar a cópia lá, mas não, entreguei o único documento que possuía de minha transferência. Tem coisas que não dá para explicar porque fazemos. Enfim, aquele papel nunca mais me fez falta, parecia que ele veio somente para eu retirar o meu código. A famosa “burrocracia italiana” veio à tona novamente, provando que não servia para nada. Tudo o que o cara queria era um documento para cumprir o ritual, aquele que eu havia entregado era só um protocolo indicando que fiz um pedido, não estava certificando que já possuía residência na Itália, além disso, mais tarde, algumas semanas depois, fui descobrir através do próprio padre Estéfano que dava para tirar um código pela internet! Era uma coisa sem lógica, o código era uma composição baseada no nome, data do nascimento e lugar onde nasceu, desses dados saía uma seqüência de letras e números imutáveis, característico de cada pessoa, na realidade na internet o que sai é uma simulação do códice, só passa a valer depois que entrar com os papéis nos órgãos competentes. Na prática isso não fazia a menor diferença, as agências, os cursos simplesmente pegavam esse número para constar no papel, ninguém checava nada e acho que nem tinha onde checar, depois que o padre Estéfano descobriu isso distribuiu códigos para todos os estrangeiros que apareciam por lá, para ele era um tesouro aquela descoberta, aquele bom homem ficava aflito quando alguém o procurava e saíam de lá com as mãos abanando, alguma coisa, por menor que fosse ele precisava fazer pelos que o procuravam. Voltei correndo para o seminário para me inscrever ainda naquele dia, o padre estava vendo outras coisas e me pediu para voltar no outro dia, ele me pediu para eu deixar meu mais novo documento com ele, a certidão de “códice fiscale”. Para mim era bom, assim eu tinha uma desculpa de voltar lá.
Como não deu certo, para não perder o dia, fui preencher uma ficha em alguma agência de empregos para variar. Sempre que estava caminhando eu marcava as agências para voltar depois e já tinha varrido um monte, acredito que naquela cidade tem no mínimo 30 agências e a cidade não é tão grande em extensão assim. Para eu caminhar de uma ponta a outra eu levava uns 40 minutos fácil. Existiam muitas cidades grudadas uma nas outras, os limites eram placas indicando, raramente se encontrava campos abertos. Não consigo parar de pensar que apesar de tanta urbanização os rios eram limpos, límpidos, sem nenhum odor característico dos daqui. Eu li nos jornais de lá que o terreno na Itália era, em média, o mais caro na Europa. Por isso que cada espaço sem construção tinha alguma horta ou plantação, eles não desperdiçavam nada.
Fim do dia, é hora de me encontrar com meu amigo David, jantamos e bebemos um vinho, ele descobriu que eu adorava vinho. Até Sandra que repudia álcool estava animada para beber e passou a pedir a David todos os dias. Sandra era uma boa pessoa, se dedicava exclusivamente a David, me parecia muito solitária. Deixou os filhos na Bolívia com seus pais, acho que eram três filhos, difícil de acreditar com aquele rostinho de adolescente. Ela conheceu David lá e ficou louca por ele, não o deixava em paz, insistiu tanto que David foi obrigado a ficar com ela. Segundo a versão de David, não tive oportunidade de escutar a versão de Sandra, mas as cenas que testemunhei não desmentiam meu amigo.

sábado, 7 de outubro de 2006

34 – Como vai o italiano?

Este foi um dos dias mais intenso em contato direto com o idioma local, pelo menos no que diz respeito a perguntas e explicações de localização estou craque, ao ponto de me sentir confiante em crer que “tava tudo dominado”. Sem noção, isso sim.
Na casa, quando cheguei à noite, todos já sabiam de minha viagem e estavam curiosos, punham muita fé em mim, me davam força mesmo. Em comparação aos desempregados até que se podia dizer que eu era uma esperança, afinal todos passavam o dia inteiro parados, não se moviam, nem beber podiam por falta de dinheiro. Não era fácil, ninguém ali tinha documentos e não poderiam preencher ficha nas porcarias das agências de emprego, nem se expor muito, com aquela aparência de forasteiro era fácil chamar a atenção dos carabinieris. Se for para comparar com a situação de seu país eles estavam melhor, mesmo parados. Marcos ficou sabendo também e logo veio dizendo que se eu tivesse dito a ele antes teria me indicado um monte de lugares para ir, além de comer, me disse que conhecia sete lugares diferentes para se comer de graça em Milão. Antes de ir para Bérgamo ele estava lá e por isso conhecia muito bem tudo. Podia até ser verdade, mas achei melhor não arriscar, ele já havia me dito sobre esses detalhes antes. Em cima no quarto brinquei com a Mercedes e Estela como de costume, se bem que as brincadeiras vinham diminuindo desde o último final de semana depois de todos aqueles foras que Mercedes tinha dado e os ataques a David e Sandra vinham se acentuando, fora a barulheira que ela fazia para atrapalhar o sono de quem trabalhava, ainda era cedo para se enfadar daquilo.
Novo dia. Está na hora de planejar o que farei hoje. Já sei, tenho que voltar para a Comune para transferir minha residência. Será que quase uma semana depois que estive lá eu vou conseguir entendê-los dessa vez? O excesso de confiança é uma faca de dois gumes, se a decepção é muito grande pode levar a pessoa até à desistência. A minha sorte é que dessa vez me levaram para uma funcionária que é exceção naquele país. Calma, atenciosa, educada, interessada, tantas qualidades numa funcionária só, se eu não tivesse visto com meus próprios olhos não acreditaria que existiria qualquer trabalhador nato lá assim, pelo menos na região norte. Desconfio que ela seja estagiária, teve muita paciência comigo e preocupação de que eu entendesse a burocracia de lá, consultava todo mundo e no final colocou meu nome no sistema com o endereço da via Quarenghi. Parecia que ninguém daquela cidade jamais tinha feito uma transferência de residência de um estrangeiro antes, eles quiseram saber a origem do meu antepassado que originou o processo de cidadania para buscar os dados na Comune da cidade dele. Parecia que tudo tinha se resolvido, eu teria que ficar esperando um fiscal ir na casa para confirmar a minha residência lá. Essa transferência era necessária para eu poder arrumar um visto de moradia para minha esposa depois que eu encontrasse um emprego e pudesse ir busca-los. Esse episódio ficou comprovado que faltava muito chão ainda para eu dominar 10% da língua, graças à improvável paciência daquela moça eu consegui entender algumas coisas, mas tudo por dedução e exclusão.
Embalado pelo aquecimento fui procurar o padre Estéfano, não muito longe da via Quarenghi, pelo fato de morar no centro da cidade era tudo muito perto para mim, chegando lá tive sorte, ele estava atendendo, a secretária dele era uma senhora muito boa gente, antes de pensarem que era outra exceção ela era africana, se bem que nas igrejas as pessoas costumavam ser mais calorosas, nem sempre. Tinha só um grupo conversando com o padre e logo fui eu. Expliquei a ele minha situação e ele disse que havia um curso profissionalizante para me inscrever e precisava de meu “códice fiscale” (se lê coditche), esse código era o equivalente do CPF brasileiro. Nem sabia o que era aquilo e ele me instruiu em como conseguir um, tudo em italiano.

sexta-feira, 6 de outubro de 2006

33 – A hora da verdade.

A hora de me encontrar com Alex estava se aproximando, achei melhor ligar para ele para não haver desencontro. Eu acabara de descobrir uma desconfiança que me afligia desde o começo, o celular que Sanchez me empurrou para comprar estava com defeito. O sinal sumia a toda hora. Minha primeira suspeita foi logo que comprei. A primeira coisa que se faz é garantir que alguém que se preocupa contigo tenha condições de te encontrar ou pelo menos saiba dos últimos passos caso algum imprevisto de qualquer natureza ocorra, passei um SMS para o celular de meu pai com meu novo número do celular e meu endereço, ele tentou confirmar os dados ligando para mim, mas acabou caindo na caixa de mensagem, isso não poderia ter acontecido, em nenhum momento eu havia desligado o aparelho ou usado, só podia ser algum defeito e agora tentando ligar para o Alex o aparelho não dava sinal. A primeira coisa que vem na cabeça é – E se alguém com trabalho tentar ligar para mim e não conseguir linha por causa do aparelho defeituoso?

Finalmente o sinal apareceu de novo.

– Alô? Alex? Estou em Milão. Como faço para chegar aí agora?

– Vai para a estação de Garibaldi e pega o trem para Varese.

– Não é a Estação Central?

– Não. É outra estação. Tem um trem que sai às 16:00H para cá, vai lá que eu vou te buscar na estação. Tudo bem?

– Tudo bem. Estou a caminho.

Nova missão, encontrar Porta Garibaldi. Lá vou eu fazer naquilo que parece ser minha especialidade, perguntar. Na Itália é impossível não se lembrar daquele ditado "Quem tem boca vai a Roma", no meu caso vai a Porta Garibaldi.

Que dias para se caminhar, foi o dia todo sem parar, se aproveita melhor a paisagem assim oras. Estava com uma média de uma pergunta por esquina, mesmo assim teve vezes que passei do ponto onde deveria virar, mas cheguei. Atrasado, mas cheguei. Tive que ligar para o Alex para informar que perdi o trem e lá se vão mais uns bocados de meus créditos. Se não me engano, li que de toda Europa, as chamadas de celulares italianos são as mais caras e concordo plenamente, até o Brasil ganha deles para se ter uma idéia.

Porta Garibaldi era uma estação mais moderna, porém menor. Ali eram a estação de trem, de metrô e terminal de ônibus internacional, se encontrava nos limites entre a parte mais antiga da cidade e as construções mais recentes. Tive que esperar por mais uma hora e meia até o próximo trem, o jeito foi esperar, estava cansado de tanto andar mesmo. Finalmente chegou a hora de ir, na primeira vez que conversei com Alex ainda no aeroporto de Malpensa tinha depositado muita esperança nesse encontro só que o passar do tempo me fez acordar mais para a realidade e naquela altura já não estava esperançoso mais, fui por causa da velha história de não dizer que não tentei. Ao chegar em Varese não vi ninguém. Sempre tive dificuldades de reconhecer um rosto, mesmo pessoas bem conhecidas minha, de vez em quando tenho um lapso e me esqueço do rosto se fico muito tempo sem vê-lo. Meu medo era que Alex estivesse por lá e também não se lembrasse de mim e acabaria de nós dois se esquecendo um do outro, depois de rodar tudo lá sem nenhuma pista fui obrigado a ligar para ele de novo, pela terceira vez.

– Alex?

– Sim, sim, já estou chegando, me espera aí na frente, no estacionamento.

– Até mais.

Finalmente reencontrei-o depois de uma semana, ele trouxe a esposa e o filho junto. Disse-me que me atrasei e por isso não adiantava me levar, a agência de emprego já tinha fechado. O problema é que ele deixou entendido que era o funcionário da empresa que ele trabalhava o responsável pela contratação, não uma droga de uma agência de empregos. E porque ele não me avisou quando eu estava em Milão que não adiantava ir mais? Se fosse assim seria muito mais fácil e barato ter enviado aquele papel inútil pelo correio direto para a agência, aliás, seria mais útil eu fazer de conta que nunca tinha conversado com aquele salvadorenho de uma figa e esquecido essa droga toda. Não podia fazer nada, entreguei meu currículo, que tanto me deu dor de cabeça para fazer, a ele e peguei o trem de volta. Faz de conta que ele vai repassar para a agência. Faz de conta que alguma coisa vai acontecer.

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

32 – Milão.

O ar milanese tinha um toque de mistério para mim, logo de cara, na saída da Estação Central me deparo com um cenário bem diferente do de Bérgamo. Milano, como é conhecido na Itália, tinha uma inspiração de grandiosidade, começando pela própria Estação Central, avenidas grandes, prédios grandes, não eram arranha-céus porque no tempo que aquela parte da cidade foi construída não existia isso ainda, mas justamente pela idade é que ressaltava a imponência do lugar. Bem mais para frente é que fui descobrir o que senti na pele, as ruas da cidade foram construídas em círculo.

Meu plano de improviso naquele lugar foi procurar por emprego, comecei pela agência de emprego que ficava logo ali em frente, preenchi a costumeira ficha de cadastro e parti para outra. Não fazia a menor idéia para que lado seguir, quatro vias se encontravam, ou começavam ali, qual delas devia pegar? Optei pela avenida maior, a que segue em frente, para não sei onde. Estava decidido a não pegar nenhum meio de transporte, não estava a fim de me meter em encrencas. Um aspecto que acho nostálgico lá são os bondes, nas partes mais tradicionais da cidade não existe ônibus urbano, só “il tram”. Apesar dessa novidade para mim não entrei em nenhum! Às vezes a gente acerta sem querer, mesmo partindo de pressuposto equivocado. Naquela altura eu tinha em mente que assim que me arrumasse e trouxesse minha família iria sobrar tempo para andar do que eu quisesse, passear e conhecer tudo o que sentisse vontade. Mesmo todos dizendo da crise que a Itália estava passando e vendo com meus próprios olhos as reclamações e angústias que tomava conta de todos que me cercavam eu tinha um diferencial, era cidadão italiano, naquela altura eu ainda acreditava que isso fazia diferença.

A uma altura cansei de procurar agência de empregos, em Bérgamo havia uma em cada esquina e aqui parecia mais escassa, daí me veio na cabeça de perguntar para as pessoas nas ruas mesmo se sabiam de alguma coisa, assim eu mantinha um ritmo maior de estar em contato com italianos. Valeu a pena do ponto de vista de oportunidades para conversar, eu acho que se tivesse feito isso no Brasil as pessoas iriam me olhar com desconfiança, isso não aconteceu lá. Todos eram unânimes em uma coisa, não sabiam de nada para me indicar além de uma maldita agência de empregos. Teve um que falou para eu ir ao Café logo ali adiante, me disse: – Vá lá e pergunte se tem alguma coisa para você.

Achei que ele sabia o que estava falando, talvez conhecesse o dono ou tivesse conhecimento de alguma informação privilegiada. Que nada. Os garçons ficaram olhando para mim com cara de “e eu com isso?”. Eu não ligava, o que estava valendo era o contato, praticar, conhecer. Outra coisa que chama a atenção é que todos que eu abordava não me trataram mal ou com pouco caso, sentia que eles despendiam uma atenção para comigo, quanto a isso não posso me queixar, só não davam brecha para prosseguir uma conversa mais descontraída. Parei em um parque para descansar e logo se sentou de meu lado um senhor, ele estava passeando, trajava bermuda. Puxei conversa com ele, disse que era brasileiro e a que eu tinha vindo, sorriu e respondeu bem à minha abordagem, mas se eu não falava nada ele parava. Eu definitivamente não estava acostumado com aquilo, sempre fui o lado calado em uma conversa, sempre preferi escutar a ficar falando e lá se eu não falasse ninguém falava, a não ser meus amigos bolivianos claro.

Meus cinco currículos que eu havia imprimido se foram só restava um comigo, o último, então, enquanto fui visitar uma universidade, encontrei uma casa de fotocópia em frente e tratei de tirar mais, era um sistema novo para mim, self service, você mesmo tirava suas cópias. Visitei uma igreja em restauração, tentei falar com o mestre de obras para pedir emprego, só que ele não estava. Sempre ia às igrejas da Itália, são lindas, tinha algo de místico nos lugares, acho que era por causa da idade delas, acredito que aquelas igrejas tinham no mínimo 500 anos de idade, daí para mais. Devido àquelas ruas tortuosas de Milão, outro dia fui descobrir que rodeei a Catedral de Milano, o Duomo, e não consegui vê-la. Sabia que tinha uma grande catedral lá, mas não consegui passar em frente dela apesar de esta ficar no centro dos círculos da quais as ruas formam, passei por todas as ruas vizinhas, até na enorme galeria coberta que fica ao lado estive menos na catedral. Felizmente isso não fez a menor diferença.

quarta-feira, 4 de outubro de 2006

31 – Rumo a Varese.

Como eu tinha de estar em Varese só no fim do dia e não havia trem direto para lá, achei melhor aproveitar para dar uma geral em Milão, já que era parada obrigatória para trocar de trem. A cidade que eu planejei ficar finalmente entrou em meu destino. Como sempre, não pesquisei nada sobre a cidade, não planejei nada, fui na raça. Um erro imperdoável naquela altura do campeonato. A minha esperança é que algum dia eu aprenda.

Mais uma longa noite depois despertei cedo pronto para ir, iria passear em um trem europeu pela primeira vez. Adoro as primeiras vezes, são sempre as melhores de todas. Consigo lembrar do meu primeiro beijo até hoje! Bem... Isso é outra história...

Cheguei na estação e tinha uma fila boa para enfrentar, naquele horário muitos pegavam trem para irem trabalhar em outras cidades, inclusive Milão. Melhor, assim é só copiar os outros que nada poderia sair errado. Como sempre perguntava tudo o que me parecia “perguntável” às pessoas ao meu redor. Povo miserável, não tinha como fazer eles se abrirem, não davam brecha para um diálogo, naquela época, meu deslumbramento com as novidades não permitia eu enxergar isso, fui perceber bem depois o quão difíceis de lidar são o povo italiano. Comprei o ticket e não conseguia descobrir o que devia fazer com aquilo, não passei por nenhuma catraca, não via nenhum cobrador nas entradas do trem, na passagem não constava o horário da compra, nem destino ou origem. Que diabo! Sem querer vi uma garota enfiando o bilhete numa máquina pendurada na parede, era lá que era marcada a data, hora e local na passagem, uma vez marcada naquela máquina o ticket tinha validade durante 8 horas em uma única direção e dentro de um limite de distância a partir da origem. Era assim que o fiscal avaliava. Em todas ocasiões que eu andei de trem na Itália, nunca cruzei com um fiscal para verificar meu bilhete. É muito tentador para um brasileiro não comprar passagens naquele país, dá a impressão de que ninguém nunca vai te fiscalizar. Quase todos na casa já haviam sido pegos pela fiscalização no ônibus, sem passagem. Óbvio. Como bons sul-americanos habitantes de país do terceiro mundo. A multa para quem for pego dentro do ônibus era o equivalente a aproximadamente 60 bilhetes, só que os europeus partem do pressuposto de que as pessoas são de confiança e são conscientes de suas responsabilidades, por isso, se você não tiver dinheiro na hora para pagar, eles enviam a multa pelo correio e você paga depois. Agora se você não quiser pagar, não vai acontecer nada com um estrangeiro. Bom, esse era o boato que contavam, nunca fui doido de pagar para ver, eu só andava a pé, dava para contar em uma mão quantas vezes que peguei um ônibus naquela cidade. No final todos acabavam pagando a multa, diziam que depois poderia dar problema quando saía a anistia para se regularizar no país. Todo mundo sempre acha as coisas e quase sempre não têm coragem de comprová-las, nem ao menos tentam pesquisar em fontes oficiais. Daí nascem as lendas.

Como a paisagem do norte da Itália era densa, difícil encontrar campos ou mesmo terrenos sem construção, mas quando encontrava havia alguma plantação dentro, os rios não pareciam poluídos apesar de ver tanto progresso, estradas, presença humana em todas as partes. Era uma paisagem diferente, urbana, eu achava bonito. A Estação Central de Milão era algo grandioso, todo coberto e cheio de plataformas de embarque e desembarque, acho que chegava a umas 30 plataformas. Muita gente. Por todos os lados, nem dava para seguir o fluxo de tanto entra e sai. Eu adorava tanta novidade, adorava aquilo.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

30 – Preparando para o bote!?

Como uma noite se torna longa quando se tem uma preocupação na cabeça. Como o tamanho de um problema é relativo. Hoje me encontro num terrível dilema para escrever o plano de minha pós-graduação, preciso de inspiração para explicar o caminho e os meios que devo adotar para concluir o projeto, só que tive os mesmos sentimentos de ansiedade e frustração para escrever um simples currículo! A história se repete. Mas nada como uma pressão para fazer a gente funcionar, um prazo final é o que todos precisamos para seguir em frente. Eu tinha exatamente um dia para preparar o currículo e levar na quarta-feira para Varese, não podia ir empurrando com a barriga mais. É preciso, porém, cautela. Nessas horas é que o inimigo fica à espreita, esperando um deslize para atacar.

No dia seguinte me coloquei lá fora, no pátio, para preparar um rascunho do tal currículo, fiquei horas consultando o dicionário, o que ajudou e muito foi o fato de eu ter preenchido algumas fichas nas agências de trabalho que estive antes, inclusive peguei algumas para levar para casa, foram imprescindíveis. Fiquei tempo suficiente lá fora até Marcos acordar. O interessado e preocupado Marcos logo me viu concentrado e tratou de se aproximar para conversar. Vivemos embaixo de um mesmo teto, tinha de evitar um clima tenso, não estava entrosado o suficiente com todos ali a ponto de abrir o jogo com ele, por isso ele foi perguntando e eu fui respondendo.

– O que você está fazendo Fabriciu?

– Tenho que terminar meu currículo hoje.

– Mas você não vai passar em um computador?

– Estou escrevendo aqui em meu Palm e depois é só passar para uma máquina e imprimir.

– Conheço uns lugares aí que tem internet e bem barato.

O cara tocou no meu ponto fraco. Tinha visitado umas Lan House e eram muito caras para mim.

– A é? Onde? Me explica aí que eu vou lá depois.

– Vou fazer melhor. Eu vou te levar lá pessoalmente.

– Imagina. Não tem necessidade, eu vou demorar.

– Não se preocupe, não tenho nada para fazer mesmo.

E agora? Como eu vou dar uma brecha para esse cara agir assim? Já tinha me aproximado muito dele nesse final de semana. Não estava a fim de dar mais espaço a ele. Só que não teve como, tive que aceitar a companhia dele e partimos para o lugar que ele conhecia. Era uma rua que só tinha lojas de fazer chamada por telefone, internet, tudo ligado à comunicação, eram lojinhas simples, bem populares. Devido ao enorme número de imigrantes naquela cidade, acredito que aquela seja a atividade mais difundida em relação às outras, melhor, as atividades de comunicação e agência de trabalho eram as mais notórias, em todo lugar que se fosse tinha uma delas. Logo entramos em uma, o atendente tinha cara de indiano. Marcos parecia conhecer o lugar, fomos para baixo, no que seria o porão. Lugar escuro, feio. Seguimos até encontrar dois computadores quase que escondidos com uma iluminação deficiente. O computador estava notoriamente infestado de vírus e códigos maliciosos, abriam-se janelas sem parar, eram provenientes de sites pornográficos. Esses detalhes servem como consolo para mim, afinal existe amadorismo daquela grandeza em um país de “primeiro mundo”. Não preciso dizer que no final não consegui imprimir nenhuma folha, perdi meu tempo e ainda tive que pagar. Nessas horas vêm à mente aqueles clichês “o barato sai caro”. Marcos disse que conhecia outro lugar mais profissional. Realmente era, lá a impressora funcionou. Antes consegui corrigir algumas palavras erradas no corretor ortográfico do Word e alguns erros gramaticais. Pelo menos era o que o processador de texto acusava. Para mim pareceu que tinha ficado legal. Cheguei a questionar o que interessaria a um empregador que estivesse contratando um lavador e manobrista de ônibus de garagem ou mesmo um operário se o pretendente já tivesse projetado uma balança eletrônica, ou tivesse pesquisado sobre instrumentação microprocessada ou qualquer um de meus outros projetos eletrônicos que já havia participado. Eu realmente achei que aquilo poderia mais atrapalhar do que outra coisa, só que se eu não colocasse não iria sobrar quase nada. A minha ingenuidade não permitiu que eu inventasse alguma coisa. A falta de criatividade não deixou eu manipular um pouquinho os dados. Tomei conhecimento dessas flexibilidades bem depois em outro país. Imprimi cinco cópias por via das dúvidas.

Dali Marcos me levou para almoçar no seminário, só tinha imigrantes, a fila não era tão grande quanto poderia ser, ficamos 30 minutos aguardando até conseguirmos entrar, o espaço não era muito grande, cabiam ali no refeitório umas 20 pessoas. Logo na entrada escutei alguém mencionando a palavra “Brasile”, perguntei ao padre chefe se ele conhecia algum brasileiro e ele me apontou uma senhora, era brasileira voluntária, ajudava ali todos os dias, dona Mara. Como era bom voltar a ver um compatriota, pena que ela estava atarefada e nos falamos pouco, a fila precisava andar. Um ponto que ela me falou e não conseguia tirar da minha mente mais era que um passaporte italiano como o meu era vendido no mercado negro por uns vinte mil euros, não sei se era verdade, ela podia estar viajando, essas coisas as pessoas costumam exagerar, fazer sensacionalismo, mas o estrago já tinha sido feito. A atenção do Marcos em mim passou a fazer mais sentido. Que tormento.