quinta-feira, 2 de novembro de 2006

54 – A mãe de todos os colombianos.

Dona Margaret era uma mulher muito bondosa, todo mundo nesse mundo que eu começava a fazer parte a venerava, e ela não era uma senhora muito idosa não, devia ter por volta dos 45 anos, tinha três filhos, o mais velho chamava-se Durval, cara gente boa, da mesma categoria que David, pêro um pouco mais festeiro, o filho mais novo tinha acabado de passar por uma experiência traumática que chegou a afetar a cabeça, não estava conversando com ninguém e tinha que ficar em repouso, ele sofreu um acidente de carro e quase morreu, vários amigos morreram, acho que três, o que mais mexeu com ele foi ele estar dirigindo, o do meio era normal, sem muitas novidades, não tive muito contato, só naquele dia. Com eles vivia, veja só, um brasileiro. Carioca da gema, Gláucio Abede, pena que ele não estava, nos finais de semana era o dia mais ocupado dele, trabalhava como cozinheiro em um restaurante, fiquei de voltar no dia seguinte para conhecê-lo, combinei com Margaret.
Chegamos e Pilar já estava lá, Maria que tinha ficado na casa com o filho de Federico também já tinha chegado, ela veio de ônibus. Indagaram porque demoramos tanto. Elizabeth respondeu emburrada que tínhamos vindo a pé. O namorado de Pilar estava lá, se chama Hernan, era do mesmo peso que sua namorada, aliás, as duas parentes de Elizabeth eram bem pesadas. Passamos uma boa parte da tarde ali conversando, numa reunião quase familiar, eu ainda estava me adaptando ao sotaque deles e por isso não acompanhava muito a conversa, e Hernan também, pois só falava italiano e não tinha a menor vontade de aprender espanhol, as duas sempre brigavam com ele para ele se esforçar, não adiantava. Depois de um tempo Durval nos convida para sairmos os três para assistir a uma partida de futebol ali perto com os amigos dele. Esse, aliás, é o carma de um brasileiro que não gosta de jogar, a primeira coisa que perguntam é se sabe jogar, e todos olham como se fosse uma obrigação em dizer que sim, só saber não é suficiente tem que ser bom também para satisfazer à imagem que todos têm do Brasil. Já até me acostumei com a reação dos outros quando eu dava a resposta, com o tempo fui até aprimorando a técnica de responder, tem que ser abordando logo de cara o que eles vão argumentar com a resposta, "Vocês estão olhando para uma exceção.", ou "Aproveitem bem porque é muito raro encontrar um brasileiro que não gosta disso.", ou ainda "Querem um autógrafo de um dos únicos que não liga para futebol?".
Quando chegamos no campo, já tinham fechado o portão e todos estavam no lado de fora conversando, era um mosaico de pessoas de todo quanto era canto dos países da América Latina e só eu como representante do Brasil, muita gente e muitos bebiam cerveja, mas numa boa, sem exageros. O irmão do meio de Durval estava lá com seu carro novo, ele era do mesmo nível de sua família muito sociável. Naquele começo de noite veio uma lembrança forte dos meus tempos no México quando saia com meus amigos para jogar beisebol e depois ficávamos do lado de fora do campo à noite para tomar, todos conversando em espanhol, rindo, sem brigas. Jogando conversa fora. Não se via um instinto de entrosamento assim entre os italianos, eu sempre passava pelos bares depois do expediente, se encontravam um grupo ou outro tomando vinho, mas tudo muito formal, sem brincadeiras e risadas. Não que eu esteja condenando ou dizendo que eles eram errados, quando se é criado desde novo dentro de um estilo de comportamento, acaba-se estranhando outros diferentes daquilo que se está acostumado a viver, talvez os italianos vissem aquele grupo de pessoas reunidas no qual eu fazia parte como um bando de encrenqueiros, podiam nos encarar como provocadores. Nunca se sabe o que se passa pela cabeça dos outros.
Já estava ficando tarde e Durval estava querendo combinar de irmos a uma boate, eu não estava com a menor vontade de ir, no dia seguinte seria o dia do meu esperado curso de italiano, digo... profissionalizante e tinha que descansar para aproveitar bem o dia. Despedi-me de todos e me retirei.

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