segunda-feira, 13 de novembro de 2006

63 – Confianças e mentiras.

À noite eu havia combinado com Elizabeth de a gente ir a uma escola de italiano perto da casa de Federico, ela já freqüentava lá fazia duas semanas, indicada por seus parentes que também fizeram e aprenderam muito. Eu já tinha procurado escola antes, fui à mesma instituição do padre Estéfano, só que eles não me aceitaram lá. Disseram que era para povos de origem não latina. Depois o padre Marco havia me dito que tinham curso de italiano em sua igreja nas quartas à noite, mas ele só trabalhava com bolivianos, naquela época eu pensava que deveria me afastar de gente que não falasse italiano comigo, ainda não sabia que aquilo seria praticamente impossível com exceção do meu curso não-convencional que estava fazendo. Do jeito que Elizabeth falava parecia um curso profissional mesmo, de primeira, tinham apostila, o curso era duas vezes por semana, com construções próprias para isso, embora tivesse me soado muito perfeito, era minha amiga que estava falando. Combinei de me encontrar com ela em Porta Nuova para dali pegarmos o ônibus até a escola que era bem afastado, ficava em direção exatamente oposta da casa dela, atravessando a linha de trem no sentido do padre Estéfano virando logo à direita e seguindo reto toda a vida. Insisti para ela me passar o endereço que eu me virava para encontrar a escola, ela não quis saber, não teve jeito tive que pegar o ônibus com ela. Fiquei lá no local marcado esperando-a, como naquela parte existiam três pontos diferentes não sabia em qual deles deveria ficar, escolhi o do meio que era o errado, ela estava no primeiro e levamos um tempo até nos vermos, eu não podia ficar parado desperdiçando meu tempo e me encostei num canto para ler um jornal. Pegamos o ônibus e fomos. Era muito confortante finalmente ter uma pessoa para contar, em quem confiar, nós dois sentíamos isso. Elizabeth foi uma dessas raras pessoas que cruzam pela nossa vida e que fazem toda diferença, apareceu no momento certo com interesses não conflitantes e podendo um contar com o outro, nós nos ajudávamos e apesar do contraste que possuíamos em relação a praticamente tudo tínhamos confiança mútua um no outro. Infelizmente quando chegamos à escola estava tudo fechado, Elizabeth não soube explicar porque, ela ainda não estava entendendo nada de italiano, e não percebeu o recado que haviam passado sobre aquela semana. Para não perdermos a viagem fomos à casa de Federico, eu ainda não o conhecia e naquele dia não pude conhecê-lo tampouco. Só estava sua cunhada, outra irmã de Elizabeth que vivia ali com Fede, sua esposa, seu filho e mais uma família de bolivianos, essa raça estava por toda parte. Com Elizabeth vivia um casal de bolivianos também, davam uma dor de cabeça para Pilar que ela não sabia mais o que fazer. Ficamos um tempo ali, mais Elizabeth que trocou umas palavras com sua irmã e nos fomos. Tentei me despedir dela ali mesmo para poder voltar à pé, ela não deixou, insistiu e fez questão de me dar um passe, aí não teve jeito, voltei com ela. O ônibus passava bem na frente de casa e por isso desci antes que ela, nós combinamos de nos encontrar no outro dia para eu apresentá-la ao padre Estéfano, depois de meu curso. Ela ia tentar combinar com Federico também.

Já na casa, aquela noite foi terrível, Mercedes estava insuportável, havia discutido com David de novo antes de eu chegar e o clima no quarto estava tenso, Mercedes falava: – Devolva meu celular que você roubou seu rato! – O rato... Quero dizer, David ficava calado e fazia de conta que não era com ele.

Ela não conseguia esquecer a história do celular. Eu não conseguia entender como ela podia estar tão segura de que foi David que fez aquilo, é tanta gente que entra e sai daquela casa sem nenhum controle. Cansei de ficar sozinho lá, sem ninguém por perto, já cheguei da rua com as portas abertas sem ninguém, ou seja, oportunidade para um mal intencionado não faltava e era só um beber um pouco mais para se esquecer da vida e esquecer de seus pertences. Eu tinha consultado Marcos se podia ser David quem fez aquilo, Marcos confirmou, disse que no dia que ocorreu o delito David estava sozinho lá em cima e Mercedes deu falta do aparelho logo em seguida, só que isso não conta nada, o próprio Marcos poderia estar tentando salvar a própria pele me confundindo. David era um dos únicos que trabalhava ali e ganhava muito bem, igual a um trabalhador italiano, mais porque não pagava imposto, estava irregular. Qual o motivo que ele teria para fazer aquilo?

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