quarta-feira, 8 de novembro de 2006

59 – O primeiro carioca.

Já tive a oportunidade de morar praticamente em todas as grandes regiões do Brasil, com exceção da região Norte, só no Nordeste foram em dois estados diferentes, na região Centro-Oeste em duas cidades diferentes dentro do imenso Mato Grosso e pelo que me lembro, quero dizer pelo que não me lembro, nunca tinha tido um amigo carioca! Conheci alguns bem distantemente, eram apenas conhecidos. Ainda por cima eu tenho o maior orgulho de ser paulista. Acontece que o sotaque carioca realmente soa estranho para a gente, pelo menos para mim faz sentido a cisma que existe com os cariocas, boa parte pode ser explicada pelo sotaque em combinação com qualquer outra coisa, por menor que seja eu acho que já é suficiente para criar problema. Se eu tivesse conhecido outra pessoa antes de Gláucio o estrago seria grande, eu a chamava de Vaubênia, mas seu nome verdadeiro é outro, mulher terrível, sem classe, vou falar sobre ela mais para frente, a tratarei com seu nome original, tentarei manter a imparcialidade com ela também, por mais tentador que seja não ser. Para a felicidade de todos e para o meu bom relacionamento com os futuros cariocas que ainda virei a conhecer e que já conheci durante esse período, o primeiro carioca que conheci mais de perto era um cara genteboapracaramba. Cheguei lá ele estava assistindo TV, só me esperando para o almoço, tinha preparado uma comida italiana de primeira. Não tinha ninguém na casa, depois, quando já tínhamos terminado de almoçar é que chegou um garoto para comer. O Gláucio deu um sermão no garoto alertando sobre a importância de se lavar as mãos antes de comer, o garoto era muito simples e concordou com ele na hora. Aquele evento reforçou uma constatação empírica sobre a higiene dos italianos, não me lembro de ver um só lavar as mãos depois de sair do banheiro. Gláucio conversava com todos ali em italiano, não sabia espanhol. Já fazia um ano que ele estava na Itália e já misturava palavras e expressões italianas nas conversas, só para se ilustrar a falta de brasileiros que tinha ali, naquela altura eu ainda não sabia que Bérgamo era uma exceção, mesmo assim uma exceção bem fraca, pois de vez em quando se encontrava algum conterrâneo pelas ruas. Outro dia estava eu andando com Marcos na rua das lojinhas de telefone e tinha duas moças brasileiras na nossa frente conversando, até hoje não entendo porque não as abordei.

Gláucio havia chegado primeiro em Roma, foi trazido pelos pais de uma ex-namorada para trabalhar no restaurante deles, mas aí o negócio não deu muito certo e ele se desentendeu com a turma por causa da garota e se entendeu com uma bergamasca que o trouxe para Bérgamo, que por sua vez se desentendeu com ela e acabou se arrumando por um mês no restaurante onde trabalhava, disse que foi o mês do cão porque tinha que ficar a noite inteira trancado no restaurante para não despertar a atenção dos vizinhos, debaixo de um calor de matar até que se encaixou na casa de dona Margaret. Embora nós dois não tivéssemos muita coisa em comum para conversar isso não tinha importância para ele, o que importava era ajudar da melhor forma possível. Muito mulherengo, só queria falar sobre mulher, dizia que as italianas tinham algum "negócio" com a cor dele, era assediado em todo lugar, ainda segundo ele, era normal ser abordado nos bastidores do restaurante por alguma fã querendo marcar um encontro ou simplesmente para dizer como ele era "carino". Quando a gente saia na rua ele encarava mesmo e fazia questão de mostrar que o negócio dele era mulher. Aquele jeito dele me lembrava muito um tio que tenho, se não fosse pela cor eu podia jurar que ele era um filho bastardo do meu tio.

Assim como a esmagadora maioria que se aventura sozinho em um país estrangeiro sofreu muito com a incerteza e privação das pessoas que gosta, deixou uma filha nova no Rio, sempre enviava dinheiro para ela. Nunca mais esteve com ela desde que partiu.

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