quinta-feira, 16 de novembro de 2006

66 – Fastídio.

Todo mundo sabe que a melhor forma de se aprender um idioma é no país de origem, o idioma entra pela força, mas tem certas palavras e expressões que ficam marcadas, quando a gente ouve passa a ter outro sentido além do significado que ela representa, como quando você escuta uma música que te remete a um episódio de sua vida. Por exemplo, quando digo não sei, imediatamente imagino a rua onde estive com a mãe de meu colega com aquelas roupas diferentes. Uma palavra em italiano que para mim soa como uma maldição é “fastídio”, a primeira vez que a ouvi foi com Aline, estávamos voltando do almoço e lá estava ela de pé, com uma perna só, apoiada com a muleta. Não deve ser muito agradável ficar muito tempo apoiado com uma perna só, já tentei e cansa o que dirá quando a outra está engessada e não pode sequer tocar no chão. Eu já tive uma perna engessada, tinha uns quatro anos de idade, me lembro que caí de um banquinho na cozinha de casa, não consigo me lembrar se o gesso me incomodava. Que pena. Lá estava ela, no pátio dos fundos, a minha colega predileta para se interagir. Estava acendendo um cigarro bem na hora que cheguei. Tão nova e já fumando! Este é um grande mal daquele povo, cigarro. Malditos cigarros.

– Ai! Isso me dá “fastídio”! – Me fala fazendo careta.

Como um detalhe aparentemente insignificante pode mudar todo o curso de sua vida! Uma expressão mal compreendida tem o poder de mudar um destino? Será que já houve guerras travadas por causa de uma palavra mal compreendida? Quantas pessoas morreram por causa disso? A verdade é que “fastídio” sugeria, pelo menos para mim, algo como fadiga, enjôo, desânimo. No fundo é mais ou menos o que significa mesmo, mas não se emprega só nesse sentido, ele é mais amplo. Ainda mais no contexto que escutei essa palavra pela primeira vez. Podia significar que a perna dela estava com fadiga de ficar na mesma posição. Podia ser que o cigarro causava enjôo nela. Ela podia estar desanimada de a perna não curar logo. Para mim aquela palavra se encaixava mais ou menos em algo assim, ou seja, eu a associei a algo ruim para a pessoa, como uma conseqüência.

– Por que você não se senta um pouco?

– Não, eu preciso fumar aqui fora antes. A gente passa o dia inteiro sentado, agora quero aproveitar para ficar de pé...

Ficamos conversando bem uns 20 minutos, ela agüentando firme ali de pé, eu absorvia cada palavra, brincava muito para distrair, para minha felicidade ela e sua tia tinham muita simpatia por mim. Conversamos até o rapaz mais novo da Somália aparecer. Ele descaradamente era encantado pela Aline, fazia uma cara de apaixonado quando a via que dava dó. Aline o desprezava, empurrava-o, fazia cara feia, ele ficava embasbacado. A imagem das pessoas da Somália na Itália não era muito boa, sempre estavam associados à violência, atraso, ignorância. O cara estragou meu papo.

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