sábado, 9 de setembro de 2006

10 – Atenção passageiro com destino para...

No ônibus, indo para São Paulo, tentei ler uma revista e ouvir música em vão, minha cabeça estava a mil pensando em um monte de coisas ao mesmo tempo, o resultado era como se eu não estivesse pensando em nada, que coisa horrível. Mesmo assim ao menos consegui tirar um cochilo. Esqueci as revistas no ônibus. Cheguei no terminal rodoviário do Tietê dentro do horário previsto, de lá liguei para minha irmã e ela me pareceu indecisa, afinal era o tempo que ela tinha para ficar com a família dela, o trabalho dela a obrigava a viver viajando. Deve ser difícil tomar uma decisão dessas, viver voando para lá e para cá com todo o desgaste que esse trabalho impõe e quando tem uma merecida folga ter que pegar um vôo com 14 horas de duração e depois voltar no mesmo avião. Não é fácil, tentei me por no lugar dela. No final ela decidiu ir naquele dia mesmo e disse para eu ir para a casa dela para de lá irmos para o aeroporto. Pelo telefone me pareceu que ela não esperava ir naquele dia, talvez eu tenha confundido com desânimo, de qualquer forma isso não era o que ela mais desejava. Dali fui direto para o aeroporto, achei melhor, afinal minha irmã precisava se acertar e era bom deixá-la sozinha.
Informei-me com todos que encontrava pela frente sobre as possibilidades de ir para o aeroporto e estudei bem as minhas opções, eu tinha tempo de sobra para isso, estava bem adiantado, cerca de 10 horas. Concluí que devia pegar um ônibus que saia dali direto de hora em hora, acontece que no caminho encontrei um ônibus fretado por uma agência de viagens esperando por seus clientes, então conversei com o motorista e ele aceitou me levar em troca de uma gorjeta. Eu costumo calcular todos os meus gastos e separar o dinheiro certinho, mas dessa vez, devido ao nervosismo eu havia esquecido completamente disso e fui embora só com o dinheiro que estava no bolso e não foi que deu exatamente para tudo o que eu precisava, não sobrou e nem faltou.
No aeroporto fui dar uma geral para reconhecer terreno, peguei um carrinho para colocar minhas duas malas. Mal sabia eu do que um carrinho de aeroporto iria representar para mim durante os próximos dias. Aconteceu comigo o que acontece com toda pessoa normal nesse país, o carrinho estava com defeito em uma das rodinhas da frente e puxava para um lado, o lado esquerdo se não me falha a memória. Fui atrás de um cartão de telefone para ligar de volta para a minha irmã conforme havíamos combinado.
– Alô. Vi? Cheguei, já estou no aeroporto.
– Tá bom, vamos combinar então de se encontrar em frente ao Mac Donald tá?
– Tudo bem. Você está mesma decidida a ir?
– Tá tudo bem, o Emerson vai me levar e nós nos encontramos lá.
– Combinado, até mais então.
Em seguida liguei para a tia da minha esposa, a tia Fátima, era ela que recebia a gente na maioria das vezes que fomos para São Paulo para arrumar a documentação italiana, ela morava a poucos quarteirões do consulado italiano em Santa Cecília, morava perto dos tradutores, dos cartórios, da Avenida Paulista... Ninguém atendeu. Imaginei que ela tinha ido para a casa de uma irmã dela, a tia Inês, havia conhecido ela quando ainda namorava a minha esposa 11 anos atrás. Não custa ligar né? Tempo é o que mais tenho. A tia Inês atendeu, muito atenciosa ela, pareceu que ainda se lembrava de mim, mas a tia Fátima não estava, de qualquer forma deixei recado e minha despedida. Também liguei para o meu cunhado, o Fernando, ficamos na casa dele algumas vezes, ele mora em Guarulhos.
– Cunhado? Estou indo finalmente para a Itália.
– Onde você está?
– No aeroporto esperando o meu vôo.
– Dá tempo de a gente chegar aí?
– Sim, ainda tenho umas 5 horas.
– Legal, to indo então.
– Olha, vou estar te esperando em frente ao Mac Donald tá?
– Em frente ao Mac é? Pode deixar a gente encontra.
– Um abraço.
O meu repertório de ligações parecia haver acabado, só me restava procurar outro carrinho para trocar, já não suportava mais aquele que estava empurrando, é uma espécie de tortura, a gente tá preocupado e com a cabeça em um monte de coisas e parece que tem alguma coisa de incomodando, você fica irritado e se esquece o motivo, acha que é por causa da correria, mas de repente, num despertar de um pesadelo, você descobre que a razão de tanta irritação é o maldito carrinho que não para de puxar para a esquerda, aproveitei aquele momento de lucidez para pegar o primeiro carrinho que encontrei pela frente. Ufa deu certo, simplesmente parece que todos os meus problemas desapareceram, me sentia flutuando, desimpedido. Rodei livre e solto por todo aeroporto, curtindo a paisagem por alguns minutos e aproveitei para comprar euros, foi no caixa do Banco do Brasil, estava disposto a levar tudo o que tinha reservado para essa jornada, mas o caixa garantiu que dava para sacar dinheiro com meu cartão com chip de qualquer caixa eletrônico europeu e era capaz de sair mais barato ainda. E se ele estiver enganado? Já pensou, eu com dinheiro no banco e sem poder sacar é muita sacanagem, mas seria pior se eu for roubado ou mesmo perder todo meu dinheiro, isso sim seria pior, não conseguia ver uma solução para aquela hipótese, valia a pena arriscar e pagar para ver, no final saquei apenas 200 euros, eu realmente estava disposto a levar os meus planos ao pé da letra e aplicando os planos um e dois eu não precisaria de muito dinheiro mesmo.
Meu cunhado chegou antes da minha irmã, eles trouxeram uma caixa de bombons para mim. E também um daqueles quitutes deliciosos que só a mulher do meu cunhado sabe fazer, eles conhecem bem o meu ponto fraco. Chocolate. A tensão era tanta que nem acabei com tudo ali mesmo, só comi alguns.
Um tempo depois vi a minha irmã passando olhando para todos os lados bem de longe sem querer, saí correndo em direção a ela, já fazia um tempinho que ela estava me procurando.
– Vi, esse é o meu cunhado e sua mulher.
– Oi. Tudo bem?
– Prazer.Apresentações feitas e alguns minutos de conversa depois fomos comprar as passagens, a minha irmã que tinha que compra-las. Deu tudo certo, havia lugar para nós dois ir, esqueci desse detalhe, a gente só podia embarcar se sobrasse vaga. Era para eu ir mesmo. Nos despedimos de meu cunhado e fomos. Já nem estava mais nervoso, naquela altura nada podia dar mais errado, o pior havia passado. Minha irmã ainda tentou ser liberada de ter que me levar com o chefe de embarque sem sucesso, ela havia vindo só com a roupa do corpo e a bolsa para me levar. Dentro do avião conseguimos ir na classe executiva! Que chique. Tinha vinho, champanhe, um monte de aperitivos e um detalhe importante, espaço. Dava até para se espreguiçar naquelas poltronas enormes. Meu vizinho de poltrona era um cara com aparência de indiano, os olhos roxos e aprofundados pareciam olheira, aparentava ter mais ou menos a minha idade, estava indo para a Suíça a trabalho, foi um bom vizinho e conversamos algumas vezes, minha irmã conseguia dormir bem, só eu que não dormi muito, acordava toda hora pensando em nada.

Nenhum comentário: