sábado, 23 de setembro de 2006

23 – Confusão.


Levou mais tempo do que imaginava para eu começar a funcionar a pleno vapor, basicamente conseguia executar uma tarefa por dia e olha lá. O próximo passo seria fazer meu currículo, tentei rascunhar alguma coisa no papel com meu dicionário italiano do Palm, pero não saia nada, não mantinha o foco, talvez sege o fuso horário porque eu dormia muito, tanto que fiquei preocupado. No terceiro dia acordei com Sandra me chamando para tomar o café da manhã com ela e David, e a partir daquele dia passei a comer com eles todos os dias, realmente o David era uma pessoa especial, se preocupava comigo e sempre queria saber o que eu havia comido durante o dia.
Depois do café da manhã eu precisava sair um pouco para ver se clareava minhas idéias, estava com muita conversa e pouca ação. Saí com o maior cuidado para não me perder, andei devagar pelas principais vias marcando com atenção pontos estratégicos, consegui chegar em Porta Nuova. Tudo era motivo para eu perguntar, meti na minha cabeça que precisava praticar italiano a todo custo, cheguei a entrar em uma agência de empregos para preencher um formulário, passei um tempo consultando meu dicionário, no final faltava alguns dados que não tinha ali e levei comigo o formulário para trazer depois, só consegui trazer de volta o formulário preenchido na outra semana. O lance de entrar naquela agência foi muito importante, abriu minha mente um pouco, mas ainda faltava algo. Naquele dia dei uma volta e voltei para dormir de novo, nunca tinha sentido tanto sono assim.
Eu havia ligado para o Alex mais uma vez e de novo ele não tinha encontrado o responsável, falou que era melhor esperar passar aquela semana e tentar ligar na semana que vem, ele viu que eu não ia dar trégua.
No quarto dia levantei de novo disposto a reagir, precisava lutar contra aquela confusão que dominava minha mente, saí de novo, dessa vez fui na Comune (prefeitura) para transferir minha residência para a Itália, foi terrível, não conseguia me comunicar e no final entendi que tinha de voltar outro dia por algum motivo que desconheço. A tal da língua italiana foi esquisita no começo, tinha horas que parecia ser fácil entendia bem, de repente não dava para decifrar uma única palavra, não sei se dependia do sotaque ou do assunto. Outra coisa que contribuiu para complicar um pouco foi eu ter que falar somente em espanhol com meus novos amigos, já era um idioma diferente do meu e quando me metia a praticar italiano com qualquer um saia espanhol, ou então misturava português com espanhol para me comunicar na rua, foi triste, parecia que não ia resolver aquilo nunca, dava um nó na minha cabeça. Um grande obstáculo que encontrei também foi em me relacionar com algum italiano, pensava e pensava em como conhecer gente para poder conversar e não vinha nada. Só os estrangeiros eram receptivos para conversar, os nativos se limitavam a responder as perguntas que eu inventava, não encontrava nenhuma brecha para fazer amizades.
Na casa ia, aos poucos, me dando conta das pessoas, comecei a perceber que Mercedes e Estela se queixavam muito que as coisas de comer delas sumiam, mas não ligava à pessoa que elas suspeitavam, não percebi, por exemplo, que quando David conversava comigo elas se calavam, até porque no meu primeiro dia todos pareciam bem entrosados, eles conversaram juntos e David até consertou a lâmpada que ficava do lado delas. Acostumei-me com o jeito aparecido da Mercedes de dar aquelas risadas altas e querer dominar o ambiente, acho que ela era burguesa em seu país, tinha um padrão de comportamento que remete a uma filhinha de papai, não me importava ela me caia bem, era uma boa pessoa para mim. No final de semana que as coisas ficaram mais claras, foi quando as duas me disseram de forma direta o que tinha acontecido antes de eu chegar, elas suspeitavam que David fosse a pessoa que roubou um celular da Mertche. Era um problema grave de lá, sempre estava sumindo as coisas, principalmente celulares, como tinha muita gente era fácil um ladrão agir, eu não conhecia um único ali que não tivesse sido vítima, só os donos da casa que ninguém mexia e eu. No meu caso era diferente, eu tinha uma daquelas bolsas que se prende na cintura, era de couro da cor preta com três compartimentos com zíper, tamanho gigante, ali dentro eu colocava tudo o que tinha de valor, meus passaportes, meu pouco dinheiro, meus documentos, meus equipamentos eletrônicos, até os recarregadores, andava para todos os lados com essa bolsa, inclusive dormia com a bolsa na minha cintura. Pode acreditar, não teve uma única vez que perdi contato, não tinha como passarem a mão desse jeito.

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