terça-feira, 19 de setembro de 2006

19 – 6,6 m² por pessoa.

A parte de cima é mais parecida com um sótão, todo de madeira, assoalho e teto, sendo que o teto acompanha o caimento do telhado com aberturas em cima, como respiradouros. A casa foi projetada para ter apenas um quarto para um casal, na parte que dá na escada deveria ser uma sala reservada, deveria, Maria e seu marido, Jorge, colocaram um cobertor para servir de parede e transformar em um quarto improvisado, criava-se um corredor até o quarto de casal, mais ao fundo, que agora é ocupado por seis pessoas incluindo eu. No diminuto espaço que os donos da casa ocupam ainda ficavam os dois filhos do casal, Jorgito, o mais velho, tinha doze anos e Lica que tinha nove anos, uns amores de crianças, muito inteligentes, educados e independentes, era curioso como aquelas duas crianças são criados no meio de tanta gente. Fora as dez pessoas que ocupam o andar de cima tinha mais os que ocupavam no andar de baixo, eles transformavam a sala em dormitório à noite, quando cheguei na casa eram cinco pessoas embaixo, esse número mudava um pouco, mas a média girou em torno de quinze pessoas vivendo na casa durante o tempo que estive lá, só que o lugar foi construído para um casal no máximo.
Conheci a minha cama, ficava logo de frente para a porta apontando para a mesma, eu me deitava com a cabeça direcionada para a parede e os pés para o corredor, no meu lado direito ficava meu armário que eu dividia com um outro integrante do quarto, aquele senhor que estava debruçado de bêbado na mesa logo que cheguei, seu apelido era Conan, o Bárbaro, do meu lado esquerdo ficavam as outras três camas que compunham o quarto, todas elas apontando para a parede que ficava à minha direita, o Conan ocupava a cama do meio. O ocupante anterior da minha cama era um rapaz que se mudou para Milão, ele encontrou um emprego por lá, eu não o conheci. Ninguém ali jamais havia vivido com alguém diferente de boliviano antes, talvez contasse alguns pontos ao meu favor, pois eu acabava sendo bem assediado pelas pessoas, tinham muitas curiosidades.
Maria trocou o lençol e cobertor e apresentou o meu espaço, depois ela desceu para buscar o meu prato da janta. Estava contente com meu “posto letto” porque para mim era o melhor lugar possível que eu achava na casa, eu tinha minha própria passagem particular para me locomover sem ficar trombando com os demais, ficava localizado entre minha cama e o armário do meu lado direito e sobrou até um criado mudo para eu usar, além da tomada exclusiva bem na minha cabeceira.
Pude finalmente sentir uma cama depois de dois dias de pura movimentação sem me deitar direito, até a dor no meu ombro direito parecia doer melhor, a primeira coisa que me veio na memória ali deitado foi minha esposa, quantas mudanças que nós fizemos juntos e sempre na hora de descansar eu repousava sua cabeça em meu ombro e a abraçava, ela sempre esteve presente nas horas de vivenciar coisas novas e dessa vez eu estava sozinho, como em meus tempos de adolescência, parecia que eu estava num sonho estranho em que as coisas não faziam muito sentido.
Maria volta com meu prato, era um frango cozido de cor pálida e sem tempero e um arroz bem papa, como estava com fome não consigo me lembrar se estava bom ou ruim, só sei que comi tudo. Na Itália eu conheci bem muitas coisas sobre a Bolívia e seu povo e posso garantir que a culinária não era uma das especialidades deles, não conheciam tempero e o repertório é muito limitado.
Quando terminei de comer percebo que alguém está subindo a escada bem espaçadamente, fico curioso, era a Mercedes com suas muletas, ela ocupava a cama encostada na parede oposta à entrada do quarto, essa cama era repartida com outra garota, a Estela. Dizem que a primeira impressão é a que fica, quando vi Mercedes pela primeira vez ela me pareceu humilde, simples, meio calada e um pouco tímida, tinha um ligeiro toque de feiura, era um rosto exótico por assim dizer. Essa foi minha primeira impressão de Mertche, como era conhecida.

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