terça-feira, 12 de setembro de 2006

13 – Conheçam...

Conheçam André, um italiano de sangue. André é um dos faxineiros de Malpensa, ele trabalha todos os dias durante toda noite, entra às 10 horas da noite e termina por volta das 6 horas da manhã do outro dia, um rapaz por volta de 30 anos, gordo, cabelos compridos e meio ondulados, uma aparência levemente bizarra com brincos, piercing e tatuagens, eu já vi algum filme cujo serial kiler lembrava bastante ele. André vive sozinho.

Eu sabia que tinha visto uma tomada em algum lugar, foi no banheiro, claro aonde mais as pessoas que vem de várias partes do mundo precisariam de tomadas de vários padrões para usar barbeador elétrico, secadores de cabelo, carregar celular? Instalei-me com meu carrinho perto da tomada, saquei o recarregador e me sentei ali mesmo para esperar, o manual recomenda 3 horas carregando, para maximizar o uso fiz tudo o que tinha de fazer com o palm, atualizei o meu diário que tinha começado no dia anterior, joguei um pouco, ouvi música, enquanto isso o pessoal da limpeza ia e vinha toda hora, não reparei bem porque, mas acho que o almoxarifado era por ali. Então numa daquelas vinda puxei conversa com o André, rapaz muito atencioso, ele falava italiano e eu tentava falar "italuguês" (bem parecido com portunhol), com auxílio de um dicionário português-italiano que eu tinha instalado em meu palm, a gente se comunicou muito bem, o André era paciente, era como eu imaginava que os italianos fossem. Expliquei a ele a minha situação, o que tinha vindo fazer na Itália e que tinha que correr para trazer logo minha família. Numa certa altura ele me ofereceu um café, aceitei e ele foi buscar para mim, ele me apresentou ao seu "capo" ou chefe, me pareceu legal também. O André sempre ia e vinha e a gente ia conversando, ou pelo menos tentava se comunicar. Parecia dar certo. Depois, em outra volta dele, trouxe-me um sanduíche. Pensei comigo "como as aparências enganam, sujeito se parece com um maloqueiro rebelde com uns trejeitos estranhos e se demonstra bem diferente do perfil que eu imaginei, como a gente se engana".

Estava concluindo as três horas que eu estava lá no banheiro e coincidentemente veio a hora do primeiro intervalo do André, ele me convidou para ir conhecer um lugar apontando para o corredor lateral que vai dar no estacionamento, então fomos até lá, tinha uma longa noite pela frente mesmo e tinha que matar o tempo. Andamos através do corredor, vi o banco que eu tinha arrastado, continuava lá, viramos para a direita quase em frente ao banco, deu em um corredor estreito e entramos dentro de um dos prédios, andamos mais um pouco e encontramos um elevador, subimos até o primeiro andar e continuamos até o final do corredor de cima que terminou em uma espécie de sala de espera com duas máquinas, daquelas que se coloca moeda, cada uma em um lado da porta que entramos, uma era a máquina de refrigerante e a outra era a máquina de lanches. Fizemos todo o percurso calado e não se via ninguém, estava tudo deserto, já era mais de meia-noite. O André perguntou o que eu queria escolhi uma coca-cola, ele enfiou tipo de uma chave na máquina, parecia um pen-drive, e selecionou a opção, saiu uma latinha bem pequena de coca, era a primeira vez que vi daquele tamanho, comentei com ele. Achei que o André estava mais calado eu tentava puxar conversar, o mais importante para mim era não desperdiçar uma chance de praticar e aprender italiano, o que me lembro bem e não entendia na época era que no dicionário a tradução para você em italiano estava "lei", então sempre me referia a ele assim, e ele falava em italiano. –No bisogna chiamare a me cosi! – Bem, eu não entendia o que ele estava dizendo, óbvio, de repente eu poderia estar xingando-o porque "lei" também significa ela, fiquei na dúvida. Na realidade se usa esse termo para se referir a pessoas mais velhas, não existe um equivalente em português, é a mesma coisa de "usted" em espanhol que tem a mesma função. Foi um detalhe que ficou marcado. Estávamos nós dois naquele ambiente deserto, tudo muito quieto não me sentia à vontade, tentava puxar assuntos e ele só ficava me olhando, até que perguntei se ele tinha filhos, ele respondeu mais ou menos assim traduzindo para o que eu achava em português:

– Não, eu não poderia fazer isso.

Pensei que era por causa de uma doença grave ou algo assim, pois me disse com um jeito tão triste. Fiquei curioso.

– Porque não?

– Eu não consigo sentir nada pelas mulheres, sou defeituoso.

Daí me baixou o espírito de "entende tudo" e papo aberto.

– Você gosta de homem? – Perguntei assim, com naturalidade como se não fosse nada de mais.

– Fabriciu, estava pensando em te fazer uma pergunta, mas não sei se devo...

A gente tem que passar por aquelas situações para aprender, se fosse hoje eu saberia exatamente como agir, e o que falar, mas como tudo na vida tem uma primeira vez, nem que essa primeira vez seja em um país estrangeiro justo no primeiro dia e ainda num idioma que não se domina.

– Não se preocupe, diga.

– Estava pensando em nós dois irmos ali no banheiro e você por o seu (censurado) pra fora e...

Interrompi-o nesse ponto, numa situação dessas o certo é mudar de assunto a não ser que goste do previsível, ou seja, eu não deveria ter dito para ele não se preocupar e dizer, pelo clima já dava para saber mais ou menos qual seria a pergunta. Eu não podia deixar de ver graça naquela situação, é algo que nem na imaginação se passa, ainda mais com a cara que ele estava, fixo, parecia um escravo das vontades, pelo jeito dele ele estaria disposto a fazer qualquer coisa, realmente me deu vontade de rir.

– Não! Eu não faço isso, como eu te disse tenho mulher e jamais faria algo desse tipo com homem ou mulher, você está confundindo as coisas, você é só um bom amigo, não vamos estragar isso.

Na hora ele mudou a aparência e fez sinal de acordo, então voltamos para o saguão de desembarque. No caminho ele me disse.

– Não comente dessas coisas com os meus colegas tá? Eles podem não entender.

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