terça-feira, 5 de setembro de 2006

7 – Plano maligno.

O que eu pensei em fazer quando eu partisse foi o seguinte. Meu dinheiro era muito limitado e nunca eu poderia torrar ele com hotel ou mesmo um daqueles albergues que cobram € 20,00 (vinte euros) por dia, aí pensei.
– Acredito que posso ficar uma semana sem um lugar para dormir, dormindo em alguma estação ou até praça não vai ter problema, não vou morrer por causa disso, acho que esse tempo é suficiente até eu arrumar alguma coisa de improviso para fazer um dinheiro rápido e eu poder me acomodar melhor.
É que meus irmãos haviam ido para Londres trabalhar a alguns anos atrás e eles arrumaram trabalho instantaneamente, então comigo não seria diferente, afinal a Europa deve ser tudo igual. O meu lado engenheiro não funcionou aí também, um bom engenheiro trata qualquer sistema como uma caixa preta até conseguir entender direitinho o que se passa dentro dele, seguindo essa lógica a Europa não poderia ser considerada toda igual. Em todo caso, ficou combinado comigo mesmo que eu faria assim, não podia compartilhar muito das minhas idéias porque eu sabia que seriam condenadas por qualquer um, minha mãe mesmo sempre ficou tensa com essa história de partir imagine se ela ficasse a par dos detalhes iria passar por um desgaste desnecessário, até mesmo com minha esposa eu não contava muito o que faria. Esse foi meu plano número 1.
No meu último emprego, como já havia dito, eu projetei uma balança eletrônica de alta capacidade para cargas vivas, ou seja, bois, então todo santo dia eu me pesava, sabia inclusive qual seria meu peso após beber um copo d’água, por exemplo, acompanhava a evolução dele no decorrer do dia, e em função dessa tortura diária a que eu me submetia criei uma obsessão em reduzir meu peso, fazia dietas de todos os tipos, uma que tive algum resultado foi aquela das proteínas. Porcaria era só parar que voltava tudo como antes e às vezes até pior, concluí que era uma furada, pois o organismo se acostuma só com as proteínas e depois que volta uma dieta mais balanceada ele parece não saber direito o que fazer e absorve mais do que o normal os carboidratos, é como se o organismo se esquecesse como se faz para digeri-los. Bem o fato é que eu jamais consegui reduzir em uma grama sequer e até engordei um pouco mais em relação ao tempo em que comecei a trabalhar com balança. Eu sei muito bem o que significa reduzir 100 gramas que seja, é uma tarefa mais complicada do que qualquer problema de engenharia que já enfrentei. As coisas se complicaram ainda mais quando me meti nessa viagem, devido à ansiedade eu comia mais ainda e como fixei acampamento em minha cidade natal, Avaré, passava meus dias visitando amigos e parentes, sempre estava na casa de alguém e em cada lugar que eu ia tome comida, pelo menos um lanchinho não podia passar batido, só a minha mãe tem 10 irmãs e mais 2 irmãos, fora os amigos do tempo do Tiro de Guerra, primos, parentes da minha esposa, amigos do meu pai, etc. O resultado é que no final, quando parti, estava quase 3 kg acima do meu já excedido peso! Um verdadeiro candidato a baleia. Foi aí que entrou o meu lado brasileiro, de tirar vantagem em tudo.
Uma mentalidade bem disseminada por todos aqui no Brasil é sobre o custo de vida lá fora, principalmente a comida, ninguém tem os dados certos ou mesmo já viram sequer quanto custa um simples cafezinho, mas pode perguntar até para um adolescente de 14 anos e ele dirá que é tudo caro. Bom eu também pensava assim e despesa com comida poderia pesar muito para mim, dessa vez eu superestimei. Os ursos, quando hibernam, usam a gordura armazenada como suprimento de suas energias, aliás, essa é a função da gordura, suprir energia na hora da escassez. Ora energia armazenada era o que eu mais tinha então porque não unir o útil ao agradável, já que estarei em outro lugar com tantas novidades e desafios para enfrentar, será muito mais fácil de controlar a fome, eu terei muitas coisas para me distrair. Então o meu plano número 2 foi em minimizar no máximo que der com comida, se possível nunca comprar. Eu nunca me esqueço de uma vez na cozinha da casa da minha mãe a gente estava, adivinhe só, comendo:

– Meu filho parece que você está engordando.
– Nem me fale, e o pior é que eu não consigo parar, já até parei com aquela história de amanhã eu vou começar um regime.
– Você tem que se cuidar, não vê a sua prima? Olha o estado dela coitada, você vai ficar igual! Já tá quase. – Minha mãe adora fazer terrorismo para convencer a gente.
– Então, eu não esquento porque vou emagrecer tudinho lá na Itália. – Naquela altura eu já estava com o plano dois quase concluído.
– Você vai é engordar mais meu filho! Lá só tem massa! – Ela me disse quase que dando gargalhadas.
Nessa hora eu me calei e fiquei pensando para mim mesmo. – Ai mamãe, se você soubesse o que vou fazer, pena que não posso contar, só iria te deixar mais aflita em vão.
O plano três foi elaborado puramente com o coração, sem nenhum estudo mais aprofundado. Ao invés de eu pesquisar sobre a situação italiana, como anda a economia, o emprego, essas coisas, não fiz nada disso, nem me passou pela cabeça, sei lá porque, me baseei muito em Londres quando meus irmãos foram, por volta de 1999, emprego para mim seria fácil, era só eu estar disposto a lavar pratos que eu iria poder escolher, os planos um e dois foram mais para garantir o dinheiro que eu tinha disponível para esse fim mas não achava que iria durar muito, meu objetivo final era seguir minha profissão naquele país, mas eu não descartava um período como empregado braçal até aprender o idioma para só então buscar um emprego de engenheiro. Uma previsão acertada que fiz era que no máximo três meses seriam suficientes para aprender o italiano, então combinei com minha família que até quatro meses eles estariam comigo. Quatro meses.
Finalmente o plano quatro, era assim que meu italiano estivesse melhorzinho eu buscaria o posto de engenheiro eletrônico em qualquer empresa italiana. Bem prático.
A coisa mais divertida que eu acho é planejar. É tão gostoso para mim ficar bolando alguma coisa, qualquer coisa, eu tenho minhas preferências, elas são mais direcionadas para o lado empreendedor, a minha vida inteira foi direcionada em aprender para empreender, sempre estou planejando a criação da minha empresa, o chato é quando temos que executar os planos, aliás, esta é a questão. Todas as vezes a gente perde o controle. Não adianta, não existe o plano perfeito, existe o plano bem executado.

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