quinta-feira, 21 de setembro de 2006

21 – Segunda fase.

O dia mais longo que já tive em minha vida foi aquele que começou na rodoviária de Avaré e só foi terminar em meu “posto letto” em Bérgamo, levou três dias para acabar, nesse espaço aconteceram as coisas mais improváveis e quanta informação que eu fui bombardeado em diferentes idiomas, finalmente consegui dormir, na realidade desmaiei.
Quanto mais eu conversava mais eu via que precisava conversar mais, uma coisa que era obrigatória ter antes de começar a procurar emprego, um celular, senão como que iriam ligar para mim? Outra coisa era um currículo, escrito em italiano. Essas informações eu tive no primeiro dia na conversa com Mercedes, foram abordados rápido e precisava saber mais, por isso no segundo dia achei melhor não fazer nada, e para ser sincero nem tinha forças para fazer algo, fiquei praticamente no quarto conversando com Mercedes de novo, ela tinha todo tempo do mundo, não podia sair dali mesmo, estava naquela situação usando muleta havia um ano, sofreu um acidente feio de motocicleta e quem estava bancando ela era o proprietário da moto, um amigo dela que nunca cheguei a conhecer, também não entendi porque ele a bancava.
A esmagadora maioria dos estrangeiros que vinham para a Europa pensa em passar em média cinco ou seis anos para trabalharem e juntar um bom dinheiro para depois voltar para seus países de origem e viver numa boa, imagine só a frustração de sofrer um acidente lá e ficar impossibilitado de ganhar dinheiro em plena fase do vigor produtivo, é muito frustrante, a Mercedes teve que enfrentar isso, eu sentia muito por ela. Se bem que a situação na Itália estava calamitosa, havia muita gente parada sem conseguir trabalhar por meses e cada vez chegando mais, pelo menos eu não fui o único a deixar meu país iludido. Tem por exemplo a história do Marcos, ele dormia embaixo na sala, eu o conheci no segundo dia. Antes da Itália ele tinha trabalhado nos Estados Unidos, passou vários anos trabalhando lá até ser extraditado de volta para a Bolívia, aprendeu bem inglês, sempre o via conversando com os africanos em inglês. Ele deixou o filho com os pais e saiu de seu país pela segunda vez para poder sustentá-los, começou em Milão, fez alguns bicos por lá e no final se mudou para Bérgamo por causa de uma namorada que o abandonou depois e como não trabalhava havia meses teve que deixar seu passaporte com Jorge como garantia de que um dia iria pagar a estadia. Marcos se demonstrou muito interessado por mim, logo se ofereceu para buscar emprego em uns pontos estratégicos, queria me pagar cervejas, dizia que como eu tinha documento iria conseguir alguma coisa fácil, escutava ele com ressalvas, era muito sério e conversava bem, a pessoa que ele demonstrava ser não era condizente com a situação que ele se encontrava, no começo eu tentava evitá-lo ao máximo e minhas conversas se limitavam ao mais superficial possível, não queria abrir o jogo, afinal estávamos sob o mesmo teto e naquele momento não precisava causar nenhum mal estar para ninguém. Em baixo dormia também o Sanchez, um gordinho só que não conseguia falar com ele, quando não estava dormindo ele estava bêbado, era incrível o Sanchez, a gente conversava e ele, sentado, dormia com um sorriso no rosto, parecia que estava sonhando com algo bom, na primeira semana simplesmente não ouvia a voz dele. Em baixo ainda dormiam um casal de meia-idade, tinham chego naqueles dias, os dois dormiam na sala no meio de mais 3 estranhos, era uma loucura, levei um tempo para aceitar aquilo, o casal só vinham para dormir mesmo, passavam o dia procurando trabalho, não sei se conseguiram, demonstravam vontade, eram os únicos. Finalmente tinha a Maristela. À noite eles estendiam colchão pelo chão do piso de baixo para dormir, era difícil de ir ao banheiro, e ocupavam os dois sofás como cama também. Consegui conversar com todos e peguei várias dicas importantes, estavam vendo um celular para eu comprar, Marcos queria me levar para fazer meu currículo, as coisas estavam caminhando bem.

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