segunda-feira, 18 de setembro de 2006

18 – Um lugar pra ficar.

Via G. Quarenghi (lê-se Quarengui) era vulgarmente conhecido como o Bronx de Bérgamo, não podia deixar de ser, fui aparecer lá justo no feriado onde a rua estava cheia de gente bebendo e conversando, ficavam em grupos como se fossem gangues, os integrantes das rodinhas eram provenientes da África. Aquela rua era tão visada que sempre tinha batida dos carabinieris ali, eles fechavam a rua e revistavam todo mundo que parecesse suspeito, ou seja, quase todo mundo. Confesso que o meu choque não foi proporcional com a realidade, talvez porque fosse a primeira vez que eu estivesse fora do aeroporto e pensava que o cenário na Europa tivesse mudado radicalmente. Nem sei direito no que pensei, encarei com relativa naturalidade tudo.
Paramos no número 48, só a Marina desceu e falou para andarmos rápido, desci rapidamente minhas duas malas e saí correndo atrás dela, nem deu para dizer tchau aos demais, mal sabia eu de que aquela seria a última vez que os veria.
O local ficava localizado no centro da cidade. Nessas regiões urbanas da Europa principalmente as pessoas costumam viver em prédios como num condomínio, os prédios eram em média de três andares. Para mim viviam amontoados. Privacidade quase zero, as pessoas que vivem ali todos juntos num mesmo prédio mal se conheciam, nem cordialidade se encontra uns com os outros, para piorar, cada um falava um idioma diferente, no meu prédio, por exemplo, se encontravam bolivianos, africanos, italianos, turcos e somalianos, esses foram os que eu soube, mas vira e mexe pintava gente diferente, a rotatividade era alta ali.
Entramos no apartamento 11, parecia ter havido uma festa de arromba, a entrada é entre a sala e a cozinha que na prática são um só, do lado esquerdo ficava o sofá e acompanhando o fim das poltronas, no lado oposto à entrada, está a porta do banheiro e área de serviço. Do lado direito à entrada estava a mesa cheia de garrafas de cerveja vazias, um senhor velhinho caído de bêbado debruçado sobre a mesa e oposto ao velhinho, do outro lado da mesa um gordinho com cara de índio boliviano com mais uns jovens rapazes e outro senhor, logo em seguida, bem no canto direito da parte de baixo se encontra a escada encaracolada que ia dar em cima, do lado estava o fogão e a pia e finalmente, em frente à entrada haviam duas portas que ligavam com o pátio de fora do primeiro andar, a Marina estava com uma senhora e uma moça com duas muletas na porta mais à minha direita que liga ao pátio, ela me chama.
– Fabriciu essa é Maria a dona deste apartamento.
– Prazer.
– E esta é a Mercedes minha nora.
– Ah é? Legal. Prazer.
– Olha só, ela tem uma vaga aqui o valor mensal é cento e cinqüenta euros, você tem o dinheiro aí?
– Claro, está aqui.
Saquei o dinheiro, contei duas vezes conferindo as notas e entreguei-as para Maria, deu um medo de entregar assim sem nem olhar o lugar que eu ia ficar e sem saber direito o que estava acontecendo, naquela altura eu já tinha dado conta de que havia entendido tudo errado e o que tinha presenciado até ali não foi nem um pouco estimulador. Estava no meio de um monte de bolivianos, sendo que a metade era de bêbados, num ambiente degradante. Que outra saída eu teria? O que poderia ser pior do que ficar na rua sem um teto para dormir? Como sempre eu não tinha nada a perder, bem podia perder cento e cinqüenta euros, mas valia o risco.
– O Fabriciu tem cidadania italiana, com passaporte e tudo.
– Ah é? Nossa que interessante.
Então peguei meu passaporte para mostrar a todas, estava preocupado em demonstrar que eu falava a verdade e não inventava histórias. Maria fala empolgada cochichando.
– Nossa! É passaporte italiano! O meu marido estava atrás de alguém com documentos para a firma que ele trabalha e ele não encontrou.
– Com documentos será fácil encontrar emprego. – Disse Marina.
Eu já fiquei confiante, pensei que iria poder escolher onde trabalhar. Marina conversou sobre algumas coisas particulares, se despediu de todos e saiu apressada.
– Vou te mostrar a sua cama Fabriciu. Você gostaria de comer algo?
– Ah sim obrigado.Lembrei-me que não havia comido nada desde aquele lanche que o André me trouxe na noite anterior e por incrível que pareça não estava nem um pouco com fome. Maria passa à frente e eu a sigo para o andar de cima, a Mercedes continua na varanda, era uma varanda ampla. Tive que passar pelos bolivianos bêbados de novo, nem sabia o que dizer a eles. Tinha que demonstrar confiança sem vacilar, naturalidade, felizmente eles não pareciam preocupados com a minha presença, estavam distraídos conversando, só dei um sorriso e subi para conhecer o meu canto, estava curioso para saber como era, se fosse para tomar como base a parte de baixo eu poderia imaginar como seria. Estava escurecendo à medida que subia e era difícil levar minhas malas por aquela escada encaracolada, estava vencendo os últimos degraus.

Nenhum comentário: