quinta-feira, 28 de setembro de 2006

27 – Placar da festa.

Na casa, quando chegamos, estava tudo quieto, Sanchez dormia no sofá colocado lá fora para a festa, junto com outra pessoa, parecia Maristela. Tinham outros espalhados pelo chão da sala dormindo, convidados inclusive. O casal que parecia ter chegado no mesmo dia que eu estava lá fora num colchão desmaiados, não tive muito contato com os dois, nem sequer soube seus nomes! Pela movimentação deles e postura na conversa pareciam saber o que queriam, ao contrário da maioria dos desempregados na casa eles viviam andando por aí pela rua, só vinham à noite para dormir, se bem que logo no começo eles se desentenderam e a senhora o abandonou. Sumiu da casa. Pela discussão, que acompanhei muito distante, parecia ser coisa grave, depois de um tempo eles reataram e passaram algum tempo juntos, pareciam entrosados, até que encheram a cara em um desses finais de semana e brigaram novamente. Ela o esbofeteava na cara, com golpes duros, ele tentava detê-la sem sucesso, calmamente. Depois daquele segundo episódio os dois sumiram e não me lembro de vê-los mais, nem perguntava o que tinha se passado com eles para ninguém. Infelizmente não tive a oportunidade de conhecer suas idéias e objetivos, me intrigavam, principalmente o senhor, sempre quando via ele conversando dava ares de sabedoria e muita seriedade nas conversas, postura igualmente adotada por Conan, quando este estava sóbrio, porque nos finais de semana era outro Conan, parecia mais com O Bárbaro, só que na versão cômica.

A casa estava no silêncio não porque a festa havia acabado, mas sim porque ela se transferiu para um bar perto dali, os demais foram para lá, e passaram o resto da noite bebendo. Afortunadamente no quarto não havia uma alma viva, pudemos dormir a noite toda em paz inclusive durante parte da manhã. Estela costumava dormir na casa de amigos nos finais de semana, principalmente para não ter que trombar com Conan bêbado, Mercedes deve ter ficado na casa de seus amigos ao lado e Conan com certeza dormiu no bar ou estava bebendo até domingo à tarde, não sei, ele só foi aparecer mais tarde para poder dormir bem e ter condições de acordar pronto para trabalhar na segunda-feira. Essa era uma característica das pessoas que ali tinham emprego, começavam a beber na sexta-feira à noite e paravam no domingo depois do almoço, com exceção, obviamente, de David que quase nunca bebia.

Os que trabalhavam na casa era David que era pedreiro, ajudava na construção de um prédio, estava ilegal no país e mesmo assim ganhava muito bem, milagrosamente não exploravam o fato de ele ser ilegal para pagar menos, o que era comum naquelas situações. O patrão dele não tinha o hábito de contratar ilegais, pois dá muito problema caso a fiscalização pegue, só que David teve a oportunidade de fazer um servicinho rápido e agradou, além disso, com aquele jeito dele de saber agradar as pessoas, presenteou-o no final do serviço com algo típico da Bolívia, acho que com uma boina de índio Inca, assim ele o fisgou de vez e conquistou aquele emprego. Sandra trabalhava cuidando de uma senhora bem idosa, trabalho comum na Itália. Por isso que a maioria dos estrangeiros eram mulheres, era mais fácil de encontrar emprego. Jorge e Conan trabalhavam na mesma firma que fabrica azulejos, na produção. E só. Ninguém mais trabalhava ali!

À noite eu acordava com os sons que Maria fazia ao vomitar, sempre acontecia isso, ela bebia e batata, quase morria de tão mal, dizia que aquela seria a última vez e depois não resistia. Esquecia-se de todo o mal que passava. Ninguém a deixava parar de beber, insistiam para tomar só um pouquinho. Mais um pouquinho. A última... Como pode? Um amigo tem uma fraqueza e precisa de ajuda para não ter que passar por aquela situação extremamente desagradável e danosa para a saúde e ao invés de receber apoio acontece o contrário, a puxam cada vez mais para o buraco. Inacreditável. É um claro exemplo do que a ignorância pode causar no coletivo. Existiam outros que queriam largar a bebida, tinham consciência do mal em todos os sentidos causado por essa droga, só que havia um complô coletivo inconsciente que tentava a todo custo impedir que consiga. Um fenômeno quase místico. É exatamente aí que muitos diriam que é a obra do capeta agindo.

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