quinta-feira, 14 de setembro de 2006

15 – O dia seguinte.

Se eu tivesse planejado não ia dar certo, feriado em toda a Itália. O que eu tinha planejado durante toda a noite já não servia para mais nada com essa novidade tardia que me inteirei, o dilema persistia em voltar, estava perdido, passava mais uma noite em Malpensa e estudava minhas opções aqui ou ia para a cidade que nem imagino como é e tentava ter alguma idéia por lá? A melhor solução que eu conheço quando se está sem uma solução é parar com tudo e se distrair, por isso fui caminhar, dar uma volta por aí. Fui no terminal de trem que fica ao lado, desci lá embaixo pela escada rolante e com meu carrinho onde se embarca e logo percebi que não existia catracas ou qualquer sistema para verificar se as pessoas pagavam o bilhete, interessante, se colocam isso no Brasil a companhia vai à falência, todo mundo ia querer viajar sem pagar. Logo vi um carrinho abandonado sem ninguém por perto, na mesma hora agarrei-o e levei até o lugar que se devolve o mesmo e se recupera o um euro depositado.

– Que boa idéia, eu posso gastar o meu dia buscando carrinhos abandonados nos pontos estratégicos como no embarque de trem, no portão de entrada para pegar o avião e lá fora no estacionamento, não custa tentar.
Pensei comigo. Fiquei enrolando um tempo no pátio da estação de trem e logo uma garota apressada abandona outro carrinho, lá vou eu de novo, mais um euro no meu bolso.
– Se eu tiver que passar mais um dia aqui que seja bem aproveitado.
Fiquei mais um tempo por ali, mas não apareceu mais nada até que cansei e subi para o aeroporto de novo. Sempre estava cruzando com as garotas da faxina que vi reunidas antes do turno delas começarem no lugar onde passei a noite, fiquei observando tanto elas que me lembrava do rosto de cada uma.
Todo o tempo que estive em Malpensa eu tinha como companheiro o meu carrinho, que encontrei na noite anterior, e com minhas malas em cima, a sensação de estar sozinho parece induzir a gente a personificar o carrinho e a tentação para ter um laço afetivo com um objeto é grande, não que tenha acontecido comigo, mas eu senti que isso pode ser possível facilmente dependendo do grau de vulnerabilidade da pessoa.
Passei lá fora no embarque dos ônibus e encontrei mais um carrinho dando sopa, na realidade tinha encontrado dois, mas um deles outro rapaz foi mais rápido do que eu. Foi lá fora que conheci um Salvadorenho, seu nome é Alex, antes eu cheguei à outra pessoa e perguntei por trabalho, nem sabia como se dizia trabalho (lavoro) em italiano, ele não me entendia e perguntou se eu falava espanhol, confirmei e foi aí que ele chamou o colega de trabalho dele o Alex, lembre-se desse nome que ele será o causador de uma jornada à parte. Alex trabalhava para uma companhia de ônibus de Varese, essa sim a cidade na qual o aeroporto de Malpensa pertence, só não sei se ele era motorista ou o cobrador, parecia cobrador, me pareceu muito atencioso, pra variar todo mundo pra mim, com exceção daquela gorda, era atencioso. Bem, de imediato ele falou que onde trabalhava tinha uma vaga, mas a pessoa tinha que saber dirigir ônibus, não precisava de carteira de motorista era só para manobrar os ônibus no estacionamento para lavá-los. Eu nunca tinha sequer pego na direção de um, mas disse que sabia dirigir sim, afinal não deve ser muito diferente de guiar uma caminhonete essas coisas a gente pega rápido. Então ele me pediu um telefone e como eu não tinha me passou o dele e me pediu para ligar na noite do dia seguinte quando terá conversado com as pessoas responsáveis pela contratação. Tudo bem, passar mais duas noites no aeroporto já não pareceu tão difícil com um trabalho em vista praticamente garantido.
– Não seja tão ingênuo, como que você, nessa altura da vida pode contar com um ovo dentro da galinha, esse é o erro mais básico que alguém pode cometer!
Tá certo, ainda não andei o suficiente para me distrair. Subi para o saguão superior de embarque e check in atrás de mais carrinhos, pensava em como poderia abordar alguma pessoa para praticar italiano, não conseguia vê-los receptivos, não inspiravam confiança de serem abordadas, todos pareciam ocupados e com pressa. Rodei até que passei por uma parte lá de cima onde ficam os escritórios das companhias aéreas e tinha tipo de uns sofás que dava para se deitar melhor, vi algumas pessoas dormindo ali e me deitei também, consegui dormir um bom tempo na companhia de um monte de gente, ali parecia funcionar como um dormitório. Eu sempre que ia dormir amarrava as minhas duas malas com a alça na minha perna e puxava para bem perto de mim por precaução, ali não era o Brasil, mas nunca se sabe né?
Depois de um tempo desci de novo até a estação do trem para recomeçar a minha caça pelos carrinhos perdidos e dessa vez fui mais abaixo até o estacionamento coberto da estação para dar uma olhada nos carros, eram todos diferentes do que se via no Brasil, muito bonitos de se ver, tinha carros para alugar ali embaixo. Aquele era também o dia das novidades, tudo era novo, a vantagem é que ajuda a distrair um pouco desviando a preocupação. Fiz todo o percurso de novo e parecia que os carrinhos haviam desaparecidos, não se encontravam mais nenhum. No saguão de desembarque havia uma multidão, eram as pessoas esperando a chegada de outro avião qualquer, foi quando me veio o estalo.
– E se eu fosse ali na hora que um avião do Brasil estiver chegando? De repente eu poderia encontrar alguém que me desse algum tipo de auxílio, uma dica, sei lá.
Não custava tentar. Informei-me do horário do vôo da Varig vindo do Brasil e esperei. É muito bom ter um plano para ocupar o tempo, você pode concentrar seus esforços nele se desligando dos problemas, isso é vantajoso principalmente quando não se tem muita opção.

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