quarta-feira, 6 de setembro de 2006

8 – Um dia antes.

– Então fica assim Fabriciu, na semana que vem, sexta-feira, eu vou ter uma folga e depois disso só alguns meses mais para frente.
– Nossa! Esperei tanto e agora não sei se vai dar coragem de ir, me parece tão em cima da hora a semana que vem. Tem certeza?
– Você é quem sabe.
– Tá bom, nós vamos na semana que vem.
Assim selei de vez meu destino com minha irmã pelo telefone. O dia do vamos ver. A hora que o bicho vai pegar. Parecia-me tão abstrato esse dia que quando marquei senti que alguma coisa ia dar errado, estava difícil de acreditar que não existia mais nenhuma desculpa para não partir! Acho que havia desenvolvido uma espécie de síndrome de Estocolmo, quando a vítima cria um laço afetivo com o seu seqüestrador, no caso, o meu seqüestrador era todas as coisas que empacavam as minhas partida, que me mantinha preso. De repente a vida pareceu perder o sentido, eu não tinha mais que correr atrás das coisas, não podia usar mais nenhuma desculpa. Que estranho.
Foi uma semana de mais reflexão e é engraçado como mesmo assim deixei tantas lacunas a serem preenchidas. Não imaginei o que fazer caso eu não conseguisse emprego na Itália, não estipulei um prazo limite para ficar tentando, não pensei quanto tempo iria agüentar ficar sem minha família, não pensei se só tentaria na Itália ou mudaria de país se fosse necessário. Uma vez tive uma conversa com meu pai na sala da casa dele:
– Fabriciu, não era do inglês que mais te faz falta em sua profissão?
– É. Todos os melhores livros técnicos estão em inglês, tudo gira em torno desse idioma na minha área.
– Então porque você não vai para a Inglaterra?
– Pois é, eu pretendo mais pra frente, mas primeiro eu acho mais conveniente ir para a Itália, pegar experiência lá. Pois com cidadania italiana eu acho que serei mais bem tratado lá e depois de um tempo eu posso ir para a Inglaterra como italiano e assim terei mais chance de arrumar algum trabalho escapando do preconceito de eu ser de origem de um país de terceiro mundo.
Quanta ingenuidade. Olhando agora até parece uma idéia de criança. Eu fico aqui imaginando o que se passava naquela cabeça para soltar uma coisa dessas. Nem meu pai conseguiu dizer nada, ele ficou pensativo meio fazendo que entendeu. O que ele poderia ter dito?
Conforme o plano 1 eu tinha que ir com o mínimo de coisas possível, só uma bagagem e estava procurando uma mala com rodinhas para facilitar a minha locomoção, encontrei-as na casa de meus pais, eles deram para mim de presente. Ótimo, agora vamos à parte difícil, fazer tudo o que eu precisava caber ali dentro, a mala era pequena. Eu precisava levar meu terno e gravata da formatura para ir nas entrevistas, precisava de roupas de frio, pois ainda era inverno na Europa, precisava levar um par de tênis, um par de sapatos e um par de chinelos, tinha que levar uma toalha, meu diploma (que não podia dobrar) e documentos traduzidos, garfo, faca, colher, copo e prato de plástico, três camisetas, duas bermudas, três pares de meia, a calça jeans eu ia vestindo, minha jaqueta de coro eu ia vestindo, duas camisas. Eu lembro muito bem as coisas que levei porque fiquei com eles por muito tempo, tudo isso coube na malinha com rodinhas.
Minha mãe comprou algumas cosias de comer para eu levar e só essas coisas ocupavam metade da malinha, não ia dar para levar, só as roupas quase que não couberam, já estava desistindo de levar, mas no meio daquela preocupação toda eu me lembrei do plano 2. Minha esposa disse.
– Não custa tentar levar essas coisas nessa mochila velha, se ficar muito difícil para você lá é só abandonar em um canto, pelo menos você tentou.
Foi o que fiz, acomodei na mochila um saco de 1 kg de leite em pó, três copos de sopa instantânea, um saco de 1 kg de um composto de fibras, germe de trigo, nozes, uva passas, acomodei também 1 kg de farofa torrada e temperada, ½ kg de queijo parmesão, um pacote de biscoito água e sal com gergelim.
Isso foi tudo o que levei para a Itália. Ah sim tive que levar produtos de higiene pessoal, além de dois saquinhos de amostra de sabão em pó.
Credo parecia que eu estava me preparando para uma execução, nunca em 10 anos de casado eu havia me separado por mais de 15 dias de minha família e de repente parecia que eu estava abandonando eles para encarar uma aventura de adolescente, tantas coisas passam pela cabeça. Só que mesmo assim eu fui.

Nenhum comentário: