segunda-feira, 25 de setembro de 2006

24 – Festa logo de cara!

Finalmente chegou meu primeiro final de semana, ia ter festa, estavam para comemorar o aniversário do Jorge, o responsável pelo arrendamento da casa, soube só no dia quando estavam fazendo os preparativos, trouxeram muita cerveja, carne para churrasco, um panelão com frango, só acho que esqueceram de colocar o tempero, bem não deu coragem de provar para saber, foi o cheiro que denunciou a deficiência e a cor pálida de defunto cozido. Como eu tinha previsto, tanta novidade iria desviar minhas atenções e eu acabaria esquecendo de comer, não senti vontade de nada nas primeiras semanas. Pela movimentação parecia que a festa seria grande. Enquanto a noite não vinha tentei ser útil em algo e ajudei a arrumar as cadeiras e carregar cervejas, que era o que mais tinha.

Aos poucos os convidados iam chegando e estava dia quando todos tinham terminado de chegar. Vieram parentes de Maria e Jorge aos montes. Amigos, fora o pessoal da casa que não era pouco. Esses bolivianos adoram uma desculpa para festejar, quero dizer, para encher a cara. A noite estava agradável, não fazia calor nem frio ficava-se confortável com qualquer roupa. A maioria ficou reunida lá fora no pátio, montaram uma churrasqueira num canto, em frente à janela do banheiro, jogavam a carne em cima da grelha, não sei se o problema da carne provinha do fato de ter sido comprada na Europa ou o churrasqueiro estava aprendendo ainda, só sei que estava crua e dura, para completar o arroz era papa, quase uma sopa de arroz, acho que me acostumei demais com a cozinha brasileira. Colocaram o sofá da sala lá fora e todas as cadeiras formando um grande círculo. O cenário era muito curioso, nem no México eu havia visto tantos descendentes de índio reunidos numa festa conversando ao mesmo tempo. E os vizinhos? O que eles pensam daquilo? Que eu saiba ninguém foi reclamar. Aquela música alta, risadas, gritos, barulho, não pareceu incomodar ninguém. O pátio fica voltado para um prédio mais sofisticado e as janelas dos quartos eram voltados para nós, além disso, a festa foi acabar muito tarde, para ser exato na manhã do dia seguinte. Fui me dar conta do estilo de música que eles gostavam de ouvir na festa, chama-se Cúmbia, acho que é de origem colombiana. Muitas rádios especificamente de Bérgamo tocavam Cúmbia entre seus repertórios. Tanta Cúmbia que fui obrigado a ouvir durante todo o tempo que estive com eles. Não sinto a menor falta, dia e noite, dormia ao som de Cúmbia.

Lá conheci um dos filhos de Marina e sua esposa. O suposto namorado de Mercedes não apareceu, na realidade nunca cheguei a conhecê-lo, depois fiquei sabendo que ela não queria mais nada com ele, vivia bebendo e aprontava muito, ele roubou um monte de cerveja do carro de Jorge uns dias antes de eu chegar, quebrou o vidro traseiro e surrupiou tudo! Ficou com o filme queimado na casa. Marina nunca sabe das confusões do filho, todos escondiam para poupá-la, era uma pessoa muito querida ali, ela mesma não apareceu na festa. O filho que foi era calado, já a esposa mais comunicativa, tinha graduação em psicologia e era grudada com a Mertche pareciam muito amigas. Ela deveria ser descendente de europeu, diferenciava bem dos demais, cabelo loiro e rosto bonito.

Aquela foi a primeira festa de aniversário que tomei conhecimento em que os anfitriões vendiam a cerveja para seus convidados dentro da própria casa, se bem que no final Maria acabou convidando quase todo mundo a tomar uma cerveja e coitado de quem rejeitasse. Maria era uma pessoa amável, muito delicada falava baixo, agradável conversar com ela, mesmo tendo uma aparência rústica de índio andino sua simpatia compensava qualquer outra imperfeição física. Tudo mudava quando bebia, acontecia uma transformação, sua feição tomava aparência diabólica, tinha um olhar raivoso e mau humor característico, na festa do marido até que ela se controlou bem, só no final exagerou um pouquinho.

Entre os convidados conheci Consuelo, praticamente uma senhora, dentro dos padrões de gordinha, muito atirada e sempre buscava puxar conversa comigo, muito amiga da irmã de Maria, eu tentava fugir dela e conseguia antes de colocarem as imaginações em ação. A certa altura todo mundo estava com a cara cheia. Quase todos, David, Sandra, as duas crianças de Jorge e eu, não estávamos, o resto... Que cenário bizarro, e era uma transformação de personalidade, não se reconheciam quase todos. Creio que essa transformação tem a ver com a natureza reprimida deles, eles têm um complexo de inferioridade muito acentuado, conseguem superar a dos brasileiros por incrível que pareça, pela bebida eles conseguiam se expressar com tudo o que eles guardam para si, naquele momento é tudo extravasado. As brincadeiras passavam a ser discussões, banais, geralmente sem razão.

O filho de Marina desmaiou, ficava dormindo sentado, sua esposa largou ele ali e saiu com Mercedes para o apartamento dos vizinhos que estavam bebendo também, quando ele acordou perguntou por ela e me intimou a ir com ele buscá-la, estava bravo e nem me atrevi a contrariá-lo, como estava pra lá de mamado fingi sair logo atrás dele e quando se afastou um pouco voltei para dentro e fechei a porta com o trinco, sorte que ele não voltou para me buscar, nem tinha consciência do que estava fazendo. A festa acabou para mim, agora tinha se transformado num caos. Achei melhor subir para minha cama, felizmente eles respeitavam o nosso quarto, ninguém era autorizado a subir, fazia parte das regras da casa.

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