quarta-feira, 20 de setembro de 2006

20 – Aclimatação.

Eu costumo classificar em cinco as etapas para se chegar à integração total dentro de qualquer grupo social para a convivência diária. A primeira é a apresentação, onde tomamos conhecimento dos nomes e traçamos um perfil superficial das pessoas, dependendo da pessoa podem durar apenas alguns minutos, em seguida passamos ao aprofundamento, onde tomamos mais tempo para conhecer melhor os detalhes de cada um e preencher lacunas sobre o perfil inicial, eu acredito que para se almejar uma integração sólida no grupo essa parte deveria levar alguns dias. A melhor parte vem na terceira fase, eu chamo de lua-de-mel, após o aprofundamento nas conversas acabamos por conhecer mais a melhor parte de cada um, geralmente nos identificamos com a maioria e tudo vai às mil maravilhas, é só risadas, troca de elogios, todo mundo se sente íntimo, é a fase que deveríamos fazer o possível para durar, porém vem a quarta etapa, não conseguimos esconder nossos defeitos por muito tempo e eles fatalmente acabam aflorando no decorrer do relacionamento, felizmente, para a maioria, se consegue passar por ela com poucas baixas, um ou outro acabam te irritando ou irritado com você, mas é muito difícil chegar ao ponto da intolerância. A última parte é quando entramos na rotina, todos já conhecem os limites e a vida é levada sem sobressaltos. Simples assim e funciona para 90% da população e como comigo não poderia ser diferente passei à segunda fase com Mercedes, ela sentou-se em sua cama e passamos a conversar, ela me perguntava muitas coisas e eu sempre preferi ouvir a falar.
Conversamos sobre minha cidade, sobre os peruanos, ela dizia que não se podia confiar neles, eram falsos; sobre a Marina, um monte de coisas. Acredito que ficamos a sós conversando no quarto por horas, o clima estava bem calmo e a idéia inicial que eu tinha sobre ela não parecia muito fora. Precisava dormir e quando pensei que iria conseguir subiu o senhor que estava bêbado lá embaixo, o Conan, e junto com ele mais um casal de baixinhos, eram os ocupantes da última cama que faltava, a que fica encostada na parede da porta, David e Sandra. Um detalhe que creio ser relevante é que as quatro camas do quarto eram de solteiro, e duas delas era ocupada por duas pessoas! Já tentei dormir em cama de solteiro com minha esposa algumas vezes e não foi nem um pouco confortável.
Quando os três subiram mais Lica, a filhinha dos donos da casa, Mercedes se transformou, começou a brincar com Conan e soltava umas gargalhadas altas, eu não sabia o que se tratava, mas pareciam se divertir, o pobre do Conan nem sabia o que estava fazendo de tão grogue, soltava umas palavras sem sentido e todos caiam na gargalhada, nem eu resisti, no final ele não agüentou e desmaiou, Mercedes ficou sem seu motivo para continuar o barulho e se aquietou um pouco, aí entrou em cena David, rapaz carismático, tinha 22 anos de idade, mas parecia um garoto de 16 anos, sorriso fácil, falava bem, tinha um dom natural de conquistar as pessoas, aprendi umas coisinhas importante com ele no decorrer de nossa convivência, depois de um tempo conversando já me ofereceu o celular para eu ligar para o Brasil, não me senti à vontade de aceitar, ele insistiu e disse que pelo menos um SMS eu deveria enviar, enviei então uma mensagem para o celular do meu pai, não custava nada para ele aquele gesto que para mim foi muito importante e rendeu-lhe um sentimento de gratidão da minha parte.
Um tempo depois subiu Estela, a que divide a cama com Mercedes, ela estava na casa de uns amigos, então foi a vez dela conhecer o forasteiro e mais novo integrante do quarto, mas Estela era muito tímida, não perguntava quase nada, só ficava ali com aquele sorriso característico dela. A timidez dela dava margem para outras interpretações, porque ela tinha um sorrisinho de sem vergonha, ela não era, só parecia, pobre Estela. Outro dia perguntei porque ela tinha que dormir grudada com Mercedes. Era porque uma vez o Conan estava bêbado e começou a molestá-la.
Naquela noite subiu mais uma pessoa, ela dormia na sala embaixo, a Maristela, uma garota gorda, era nova, mas por ser obesa parecia ter muito mais, boa pessoa também, ficou um pouco ali para dar uma olhada e logo desceu, amanhã seria dia de trabalhar e costumava-se dormir cedo ali no quarto.

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