sexta-feira, 15 de setembro de 2006

16 – Bérgamo.

O meu plano era me estabelecer em Milão e até aquele momento eu ainda achava que estava nos limites da cidade, é aquela velha história de não pesquisar adequadamente as coisas que deveriam ser vistos com antecedência.
Fui para o portão de desembarque no horário que o avião do Brasil iria chegar, já havia várias pessoas esperando, a esmagadora maioria de brasileiros, me posicionei em pé como se estivesse esperando também e fiquei escutando, observando, regularmente mudava de posição, mas não encontrava alguém que inspirasse confiança para conversar, apareceu um cara tipo Drag Queen que me encarou, nem parecia brasileiro, mas sem querer eu disse oi e ele respondeu com simpatia, tratei de sair de fininho, estava precisando de uma ajuda, mas não estava desesperado. O tempo ia passando e nenhum sinal, não fazia idéia de quanto tempo mais eu tinha, parecia que faltava pouco para os passageiros aparecerem. Não tem importância, na realidade estava contando com o serviço que o Alex me prometeu, e segundo isso eu tinha mais duas oportunidades, no mínimo, de voltar naquele ponto de novo. O número de pessoas começou a aumentar mais ainda, então comecei a transitar no meio delas com meu carrinho para lá e para cá, de repente vejo dois homens encostados na grade que delimita o corredor de saída do portão, tive um forte pressentimento sobre eles, pareciam brasileiros, um deles tinha bigode e era magro, o outro era gordo, mas lembrava um pouco o magro. Pensei.
“– São eles mesmo que eu vou chegar”.
– Oi! Vocês são brasileiros?
Eles olharam confusos, não estavam me entendendo.
– No, no, noi siamo italiani. Aspeta.
Foi então que olho para o lado e vejo pela primeira vez a face da minha salvadora. Sorridente, simpática, alegre. Seu nome é Marina, uma boliviana. Os dois pedem para eu conversar com ela.
– Oi! Você é brasileira?
– Não, eu vivi no Brasil por 10 anos, trabalhando lá, já faz um bom tempo. Eu sou da Bolívia.
Ela me respondeu em um português sofrível.
– Podemos falar em espanhol se preferir, vivi no México durante um.
– Sim é melhor para mim.
Começamos a conversar. O senhor de bigode era o marido dela e o gordo seu cunhado, ambos italianos, esperava uma sobrinha que vinha da Bolívia e fez escala no Brasil, ela estava vindo para se casar com seu cunhado e era a primeira vez que os dois iam se ver. Não perdi tempo, deixei Marina a par de minha situação, conversamos muito, ela se pôs a ajudar, me falou da casa de uns amigos muito próximo dela e coincidentemente havia liberado uma vaga lá na casa, imediatamente saca o celular e liga para sua amiga.
– Alô, Maria? É Marina.
– Aquela vaga ainda está livre?
– Jorge é quem sabe?
– Você pode perguntar a ele?
– Está bem, eu espero.
– Tudo bem.
– Não se esquece tá? É um favor muito especial para mim.
– Sim é um rapaz muito bom.
– Está bem, até mais.
Fiquei na expectativa, quase roendo as unhas, tentava imaginar o que estavam falando do outro lado. Marina desliga e vira para mim.
– A Maria só vai confirmar com o marido, mas eu tenho certeza que está livre. Lá você vai ter uma cama, um espaço para cozinhar, não é muito, mas está bom, eles vão cobrar cento e cinqüenta euros por mês por isso.
– Tudo bem.
Respondi animado. Por esse valor eu ficaria apenas dez dias naquele albergue para estudantes que aquele senhor me indicou na noite anterior, isso se eu encontrasse vaga. Estava ótimo, além disso, ficar naquelas condições que eu me encontrava largado em um país estranho com tudo diferente e sem ninguém para contar não era do jeito que eu idealizava no Brasil, eu precisava cuidar da minha mente, precisava ter o mínimo de condições para encarar uma jornada de buscar emprego. Marina me explicou como eu devia fazer para chegar lá, disse que ficava em Bérgamo, até então eu acreditava que era um bairro de Milão, as denominações de cidades e regiões são um pouco diferentes, tanto na Bolívia como na Itália e eu acho que Marina misturou as duas e me confundiu tudo, além disso, ela me contava sobre outros assuntos, sobre como conseguir ajuda, foram muitas informações que me passava alternadamente, eu anotava tudo o que me dizia, quando ela falava em pegar um ônibus eu ficava mentalizando ônibus circular e bairros, até o nome Bérgamo eu anotei errado, anotei o nome de um distrito de Bérgamo, que catástrofe! Seria...
O portão se abre e começa a vir os passageiros, todos começam a procurar as pessoas que estavam esperando, e nada da sobrinha da Marina. Vem um carabinieri (polícia italiana) com uma garota do lado apontando para Marina e chama-a para entrar lá dentro, ela vai preocupada e eu fico fora esperando com os dois homens, demoram um tempo lá dentro, então o marido de Marina entra também para ver o que acontecia, depois de um tempo eles voltam com a garota junto, era a sobrinha e pretendente do cunhado. Marina estava possessa de raiva, não deu para entender direito por que começaram a falar em italiano muito rápido, parecia o carabinieri estava querendo enviar a garota de volta. Para provar que as coisas não só conspiram contra a gente, o marido de Marina, gentilmente se ofereceu de me levar para Bérgamo, foi a minha sorte, se eu tivesse ido seguindo o roteiro que fui anotando eu jamais chegaria ao lugar, foram tantas informações que me foi passado em tão pouco tempo que fiquei todo confuso. No meio da conversa a Marina me falou de um padre que ajuda aos imigrantes em um distrito de Bérgamo chamado Mochos, foi essa parte que mais me confundiu, por isso havia achado que eu iria para um bairro de Milão e acabei anotando Mochos e pensava que ia ficar em um instituto ligado à igreja. Nossa! Foram tantas projeções que fui montando que conclui erroneamente isso e estava com uma corrida contra o tempo que não me permitia ficar fazendo perguntas e nem seria muito agradável. Numa situação nova, é fundamental saber identificar e se inteirar das coisas realmente relevantes, criando a imagem do que se pretende alcançar e garantir com toda certeza que o que foi imaginado corresponde à realidade. Essa foi uma lição de ouro que consegui extrair.

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