terça-feira, 26 de setembro de 2006

25 – Baixaria em outro país.

Lá em cima no quarto estavam David e Sandra sozinhos, calados, deviam estar discutindo sobre o ocorrido alguns minutos antes. Desabafei com eles sobre o caos que estava começando lá embaixo, eu estava horrorizado. Para eles não era nada de mais, mas David, numa rara demonstração de lucidez entre seu meio relatou-me todos os males que a bebida lhe trouxe, os hematomas que sofreu com brigas, oportunidades de trabalho perdido, amizades destruídas, o abismo que a bebida estava levando-o quando decidiu dar um basta. Podem parecer óbvio os problemas que o vício em bebida alcóolica acarreta, mas vindo de uma pessoa que foi criada nesse meio, cujos valores divergem bastante do conceito politicamente correto que é tido como absoluto pela sociedade que fazemos parte, é algo de se admirar. Pena que as pessoas são falhas e têm recaídas de vez em quando. A idéia que se tem entre eles é de que aproveitar a vida é beber, ouvi da boca de vários a seguinte sentença: “- Somos felizes porque sabemos aproveitar a vida”. Palavras proferidas dentro do contexto da discussão em torno da cerveja. Eu sempre procurei ser um exemplo alternativo a esse modelo que eles acreditavam, sem radicalismo, não tentava transformar a cerveja em um vilão, até tomava um copo quando me convidavam para não fazer desfeita, mas deixava claro que era em consideração à pessoa que eu iria beber e não porque gostava. David era super amigo dos filhos de Marina, viviam juntos para cima e para baixo até que um dia, sem qualquer motivo brigaram, estavam embriagados, David se machucou muito e chegou a levar pontos na cabeça, passei a mão no local acidentado, dava para sentir que foi algo grande o que aconteceu ali. Aquele rapaz lá embaixo que achei tão calado e calmo era o mais violento quando bebia, entre os filhos de Marina, segundo as próprias palavras de David.

Pouco antes de Mercedes raptar sua amiga para a casa dos vizinhos, ela tentara pular a cerca para o próximo pátio para então pular um muro e entrar na festa ao lado, a pobre já havia bebido tanto que até deve ter se esquecido que usava muletas, quando conseguiu, com muito custo, passar para o pátio ao lado levou uma chamada dos donos, a empurraram e a obrigaram a voltar por onde tinha entrado, eles falavam espanhol também, nisso Jorge teve que intervir e chamar a atenção dela, ela chorou e subiu para cima sozinha, depois de um tempo Sandra desce para reclamar da Mercedes que estava molestando o casal no quarto, dessa vez é Maria que chama a atenção dela.

– Mertche, por favor, não quero discussões hoje. É aniversário de meu esposo e até eu estou me controlando para não passar dos limites.

Todas essas broncas foram na frente de todos. Mesmo alta na bebida ela sentiu vergonha, foi então que ela praticamente seqüestra sua amiga para a festa dos amigos. Para ir até lá tinha de sair do condomínio pela rua e entrar no próximo portão, esse foi o motivo de ela tentar pegar um atalho pelos pátios, era mais fácil. A partir daquela noite Mercedes começava a andar para trás, fazia burradas atrás de burradas.

David se animou comigo lá em cima, propôs de sairmos para a balada.

– O que você acha de sairmos para bailar?

– Mas como? Onde?

– Posso ligar para um amigo vir nos buscar de carro.

– você é quem sabe. Eu topo.

Ele liga para Giuseppe, um italiano que ele havia conhecido na rua. O cara era simpatizante de bolivianos! Divorciado e sem filhos, devia ter em torno de 36 anos, não era de muita conversa, ficava na dele. Aquela noite foi a única vez que o vi e nos falamos pouco. Paralelamente Sandra liga para seu irmão para perguntar se ele gostaria de ir também, ele topa. Giuseppe chega rápido e liga para David para avisar que já está esperando.

Eu não podia rejeitar o convite de sair, mesmo estando sem vontade de ir. A festa daquela noite já tinha sido suficiente para mim, mas precisava conhecer pessoas, ali era fundamental ter contatos, muitos conseguiam emprego por indicação de alguém, se conhecer um italiano então era melhor ainda. Sempre tomei como regra não recusar nada.

Quando descemos e vemos, Giuseppe estava com seu carro no portão do condomínio do lado na entrada de onde estava rolando a festa dos amigos de Mercedes, havia se confundido de lugar, e como ironia do destino o filho de Marina, por algum motivo, estava discutindo com Giuseppe, a ponto de ter vindo um dos moradores do lugar e ameaçado de chamar a polícia, carabinieri é como um palavrão lá, pois a maioria está ilegal no país. Vi de relance Mercedes praticamente implorando para o morador se acalmar, minhas atenções estavam mais voltadas para a briga que parecia preste a acontecer. As coisas esquentaram um pouco e Giuseppe dá um empurrão no rapaz, nesse momento David e eu intervimos e tentamos separar a briga, Mercedes e sua amiga ficavam gritando, chorando. Eu não conseguia entender nada do que se falava, estavam misturando espanhol com italiano, devia ser pelo nervosismo. Eu agarro Giuseppe e David agarra o outro, creio ter desviado um pouco a atenção dele para mim porque eu não parecia um deles, boliviano, e não estava falando italiano, ele me olhou com olhar de dúvida, pelo menos funcionou, ele deixou quieto e entramos no carro. Olho para fora e vejo o chapado do filho da Marina discutindo agora com sua esposa, feio, então ele lhe dá um safanão na cara e Mercedes grita chorando com o rapaz. Não sei como a história se acabou o carro logo virou e perdi a vista dos três. Que baixaria.

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